Tropas dos EUA não são bem-vindas, diz embaixador da Síria no Brasil
Ao R7, Mohamad Khafif diz que forças norte-americanas representam 'agressão à soberania' do país árabe. Região vive escalada de tensão
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
A retirada de tropas dos Estados Unidos da Síria — anunciada pelo presidente norte-americano Donald Trump no início deste mês — é “natural”, já que sua presença no país árabe, além de “ilegal”, “não é bem-vinda pelo governo e pelo povo”. A constatação é de Mohamad Khafif, embaixador da Síria no Brasil, que falou com o R7 por e-mail.
Khafif afirma que a intervenção das forças militares americanas — que chegaram em 2014 com o objetivo de lutar contra os extremistas islâmicos em meio à guerra que já se estende por mais de sete anos — representa uma agressão à soberania da Síria.
Escalada de tensão
Nas últimas duas semanas, a região viveu uma escalada de tensão. Em decorrência da saída dos soldados dos Estados Unidos, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, se sentiu livre para lançar uma ofensiva militar no nordeste da Síria. A justificativa foi de combater milícias curdo-sírias que dominam a área e “evitar um corredor terrorista” na fronteira entre os dois países.
Na opinião do embaixador Khafif, entretanto, os motivos de Erdogan são outros. “A Turquia tem ambições nos territórios sírios e, especialmente, nas regiões leste e oeste da Síria, que são economicamente ricas em recursos”, ressalta.
“O presidente turco participa, desde o início do conflito, na agressão contra a Síria através de seu apoio às organizações terroristas e da facilitação da entrada de terroristas, vindos de mais de oitenta países, aos territórios sírios por meio das fronteiras turcas”, acrescenta Khafif.
Aliados na batalha contra extremistas
Em paralelo, analistas internacionais apontam que as milícias curdas atacadas por Erdogan — chamadas de Unidades de Proteção do Povo (YPG, na sigla local) — foram aliadas dos Estados Unidos na batalha contra os extremistas islâmicos no norte da Síria. A região concentra a maior parte das disputas territoriais no país — o restante está quase totalmente controlado por forças leais ao presidente Bashar al-Assad.
Para Khafif, “é normal que o povo sírio, como um todo, combata a agressão terrorista perpetrada pelas mais diferentes organizações terroristas, inclusive o Estado Islâmico, e os curdos são parte do povo sírio”.
Leia também
Acordo de cessar-fogo
Nesta quinta-feira (17), depois de uma reunião de duas horas, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e o presidente Erdogan chegaram a um acordo de cessar-fogo para a operação da Turquia no norte da Síria.
As hostilidades seriam interrompidas por cinco dias para permitir que as forças curdas se retirem da “zona segura” visada por Erdogan. Nesta sexta-feira (18), entretanto, os curdos denunciaram que as forças turcas seguiram disparando artilharia na cidade de Ras al Ain. O governo da Turquia nega as acusações.
Deslocamento de refugiados
Independentemente de qualquer alegação, entidades de direitos humanos relatam que, entre os resultados da recente operação turca, estão bombardeios que causaram a morte de civis, o deslocamento de mais de 75 mil pessoas que viviam nas regiões dos ataques e até a fuga de membros do Estado Islâmico que estavam reclusos em prisões controladas por curdos.
Desde o início da guerra no país, o Acnur (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) aponta que mais de 5,6 milhões de refugiados sírios foram registrados pelo mundo.
No Brasil, há mais de 1.200, de acordo com a PF (Polícia Federal). A estes, o embaixador diz que a Síria “os quer de volta, mas sem pressões, coações ou quaisquer condições que, porventura, lhes sejam impostas”.
Leia a entrevista completa abaixo.
As perguntas foram enviadas no dia 15 de outubro e respondidas no dia 17, pouco antes do anúncio de cessar-fogo de Turquia e Estados Unidos.
Como o Sr. Embaixador vê a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de retirar forças militares americanas da região norte da Síria que é dominada pelos curdos?
É natural que forças militares americanas se retirem da Síria, porque a sua presença em território sírio é ilegal e não é bem-vinda pelo governo e pelo povo sírio. A sua retirada era inevitável, por ser uma força ocupante e sua presença representava uma agressão à soberania da Síria.
De que forma o Sr. Embaixador enxerga a declaração do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, de que a ação militar desencadeada no norte da Síria desde a última semana visa "criar uma zona segura e evitar um corredor terrorista" ao longo da fronteira?
O presidente turco Recep Tayyip Erdogan participa, desde o início da crise, na agressão contra a Síria através de seu apoio às organizações terroristas e da facilitação de entrada de terroristas, vindos de mais de oitenta países, em territórios sírios por meio das fronteiras turcas. É um país invasor e esta não é a primeira invasão. A Turquia tem ambições nos territórios sírios e, especialmente, nas regiões leste e oeste da Síria, que são economicamente ricas em recursos. Mas o exército, o povo e as lideranças sírias resistem a esta agressão e, cedo ou tarde, sairão vencedores.
Na sua opinião, os curdos têm desempenhado papel importante no combate a grupos extremistas como o Daesh na Síria?
É normal que o povo sírio, como um todo, combata a agressão terrorista perpetrada pelas mais diferentes organizações terroristas, inclusive o Daesh, e os curdos são parte do povo sírio. O exército e o povo, sob a liderança do presidente Bashar al-Assad, lutaram e continuarão lutando contra as organizações terroristas, até que todos os territórios sírios sejam libertados dos terroristas e invasores.
O Sr. Embaixador acredita que os avanços conquistados na batalha contra extremistas islâmicos durante o conflito sírio nos últimos anos estão ameaçados pelas últimas ações da Turquia?
O presidente turco não está nada contente com a derrota dos terroristas na Síria. Ele quer, através desta nova ofensiva, prolongar a crise na Síria e continuar com o seu apoio às organizações terroristas, mas o exército e o povo sírio estão atentos a isso.
De que forma o governo da Síria trata, perante a lei, as mulheres e crianças associadas aos suspeitos de extremismo islâmico? Há notícias de que centenas delas fugiram de um centro de detenção anteriormente controlado pelos curdos no último fim de semana.
A justiça síria analisa cada caso isoladamente e trata os casos em conformidade com as previsões das leis sírias, do Direito Internacional e do Direito Humanitário Internacional.
Por fim, sabe-se que o conflito na Síria causou o deslocamento de milhões de sírios pelo mundo nos últimos anos. A Polícia Federal do Brasil reconhece mais de 1.200 refugiados sírios vivendo atualmente no nosso país. Como o Sr. Embaixador avalia o acolhimento que o Brasil faz dessa população?
O governo da Síria saúda o retorno dos refugiados sírios que foram obrigados a se deslocar do país por causa das ações terroristas, para que voltem aos seus lares. A Síria os quer de volta, mas sem pressões, coações ou quaisquer condições que, porventura, lhes sejam impostas e disponibilizará os meios para que tenham uma vida segura.
A Síria clama para que as sanções econômicas injustas, unilaterais e ilegais, adotadas pelos Estados Unidos e alguns países ocidentais, que prejudicaram imensamente o povo sírio e lhes tiram o pão e a saúde, sejam derrubadas. Agradecemos ao Brasil amigo por receber os sírios que se viram obrigados a fugir dos terroristas.