Chacina de Unaí completa 20 anos com dois condenados pelo crime foragidos
Em homenagem às vítimas da Chacina de Unaí, o dia 28 de janeiro foi oficializado como o dia nacional de combate ao trabalho escravo
Minas Gerais|Shirley Barroso e Rosiane Cunha, da Record Minas
A Chacina de Unaí (MG) completa 20 anos neste domingo (28). Mesmo após duas décadas, a batalha das famílias das vítimas por justiça ainda não chegou ao fim. Apesar dos pistoleiros terem sido identificados e presos rapidamente, fazendeiros poderosos apontados como mandantes passaram décadas livres. Dois deles seguem foragidos.
A terceira edição do especial Crimes que Abalaram Minas, do Cidade Alerta, traz os bastidores da investigação que desvendou o crime que chocou o estado.
O crime
Em 2004, três auditores fiscais e um motorista do Ministério Público do Trabalho foram executados na cidade de Unaí, a 600 km de Belo Horizonte. O alvo dos assassinos era Nelson José da Silva, responsável pelas fiscalizações da região. As outras três vítimas eram os fiscais Erastóstenes de Almeida Gonçalves e João Batista Soares Lage, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira.
O trabalho dos fiscais era checar denúncias de pessoas em situação análoga à escravidão nas fazendas do município. Os três auditores fiscais morreram na hora, mas o motorista conseguiu dirigir e pedir socorro. Ailton foi levado para o hospital, mas morreu antes de dar entrada na unidade.
O Ministério Público Federal apontou 9 envolvidos no crime; Erinaldo e Rogério, os pistoleiros; Willian, motorista dos bandidos; Humberto, responsável por apagar os rastros da quadrilha. Todos eles foram contratados por Chico Pinheiro, fazendeiro conhecido por agenciar matadores de aluguel; a pedido de Zezinho e Hugo, empresários, do setor de cereais, que intermediaram o crime. Os assassinatos foram a mando de Norberto e Anterio manica, "os reis do feijão".
Norberto e Anterio Manica eram irmãos que mantinham grandes lavouras de feijão na cidade.
Prisão
Em julho de 2004, sete suspeitos foram presos. Antério Manica chegou a ser preso no fim de agosto de 2004 e passou 16 dias na prisão. Era época de campanha eleitoral e o suspeito era candidato a prefeitura de Unaí. Apesar de toda a repercussão do crime, Antério foi eleito com 72% (72,37%) dos votos, conseguiu um habeas corpus e foi solto pela justiça.
Os nove réus deveriam ir a Júri Popular, mas a eleição de Antério Manica mudou o rumo do processo na Justiça. Como prefeito de Unaí, ele passou a ter foro privilegiado. O processo dele foi desmembrado e suspenso. Antério só poderia ser julgado depois que todos os outros envolvidos enfrentassem a primeira instância.
Condenação
O processo passou por juízes, desembargadores e chegou aos ministros do Supremo Tribunal Federal. O primeiro julgamento aconteceu apenas nove anos depois do crime, em agosto de 2013. Apenas os pistoleiros foram a juri.
Rogério Alan Rocha foi condenado a 94 anos de prisão por formação de quadrilha e pelos quatro homicídios triplamente qualificados. Erinaldo, que confessou ter matado as outras três vitimas, foi condenado a 76 anos e 20 dias de prisão pelos crimes. William Gomes de Miranda foi condenado a 56 anos de detenção pelos homicídios.
Em 2015, os mandantes e os acusados de planejar o crime foram julgados. Hugo Alves Pimenta foi condenado a 96 anos de prisão. Com a acordo de delação, a pena foi reduzida. José Alberto de Castro recebeu pena de 96 anos, 5 meses e 22 dias de prisão.
Norberto Manica, dono da maior plantação de feijão do país, foi condenado a 100 anos de cadeia. Antério Manica também foi condenado a um século de prisão, em regime fechado.
Chico Pinheiro, acusado de contratar os pistoleiros, morreu na cadeia, vítima de um AVC, antes de ser julgado.
Hugo Pimenta, José Caso, Norberto Mânica e Antério Mânica tiveram o direito de recorrer em liberdade por serem réus primários.
Reviravolta
Em 2015, Norberto Mânica confessou o crime. Em carta, que escreveu de próprio punho e registrou o documento em cartório, ele tirava toda a responsabilidade do irmão, Antério, pelo crime.
Após recursos. Em 2018, a Justiça anulou o juri que condenou Antério. A pena de Norberto foi reduzida de 100 para 65 anos de prisão. A de Zezinho caiu pela metade, foi para 48 anos de cadeia e a de Hugo diminuiu 10 anos, e foi para 36 anos de detenção. Todos seguiram, mais uma vez, em liberdade.
Novos julgamentos
Em 2022, Antério Mânica enfrentou um novo juri popular. Mais uma vez, foi condenado por mandar matar os fiscais do trabalho. A pena, de 64 anos, não foi cumprida.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal cassou a decisão que mantinha os mandantes em liberdade. O STJ mandou prender Norberto, Hugo e José Alberto. O Tribunal Regional Federal aumentou a pena de Antério para 89 anos e determinou a execução imediata da pena.
Foragidos
O primeiro a ser preso pela Polícia Federal foi Zezinho. Dias depois, o ex-prefeito Antério Mânica se entregou. Ambos foram transferidos para a penitenciária de Unai.
Hugo e Norberto Manica são considerados foragidos da Justiça. Os dois estão na lista vermelha da Interpol.
Recursos
Norberto Mânica, Jose Alberto de Castro e Hugo Pimenta ainda recorrem ao Superior Tribunal de Justiça pela anulação dos respectivos julgamentos, em 2015. A defesa de Antério recorre da condenação de 2022 e da ordem de prisão que considera ilegal. Rogério Alan está em liberdade condicional desde 2018. Erinaldo está em prisão domiciliar desde 2021, e usa uma tornozeleira eletrônica. William segue preso e deve receber o benefício de sair da cadeia para trabalhar em 2025.
Homenagens
Em homenagem às vítimas da Chacina de Unai, o dia 28 de janeiro foi oficializado como o dia nacional de combate ao trabalho escravo.
No especial Crimes que Abalaram Minas, pessoas ligadas à investigação trazem mais detalhes sobre o caso. Assista à íntegra abaixo: