“Estou sem chão”, diz funcionária da Vale atrás de amigos desaparecidos
Mara Pereira, técnica de enfermagem do trabalho nas instalações da mineradora, revela que pode ter perdido mais de 30 amigos próximos
Minas Gerais|Robson Machado, especial para o R7
Imagine perder, de uma só vez, quase todos os seus amigos de trabalho. Imagine que, entre esses amigos, pode estar aquela por quem você nutre um carinho especial. A amiga que costuma enxugar as suas lágrimas nos momentos difíceis. Esse é o drama enfrentado por Mara Pereira, funcionária da Vale que escapou da tragédia de Brumadinho. Escapou, mas perdeu no desastre uma quantidade inimaginável de pessoas queridas. Em entrevista exclusiva ao R7, Mara falou sobre a dura realidade que está enfrentando.
Mara Pereira, 35, é técnica de enfermagem do trabalho nas instalações da Vale, em Brumadinho (MG). Na sexta-feira (25), dia do desastre, ela iniciaria o expediente às 19h mas, por volta das 13h, o local de trabalho não existia mais. “Eu ia render a Angelita às 19h. A barragem é bem próxima à Medicina [setor de trabalho], ela ficava no fundo da Medicina. Iria me atingir à noite, eu nem ia ver”, afirma a funcionária, analisando o que poderia ter acontecido com ela, caso a barragem tivesse se rompido durante o seu expediente noturno.
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A Angelita a que Mara se refere é Angelita Cristiane Freitas, também técnica de enfermagem do trabalho na Vale. Casada e mãe de dois filhos, a funcionária é uma das vítimas desaparecidas. Mara se emociona quando fala da amiga: “Pense numa pessoa que não tem maldade no coração. Nós trocávamos o plantão juntas [Mara rendia Angelita]. Sempre que você precisava, ela te dava uma palavra, porque ela é evangélica. Às vezes eu chegava e comentava as coisas com ela e ela me dava uma palavra de sabedoria. Ela é casada, os dois filhos são maravilhosos e tem um excelente marido. A família chega perto de uma perfeição”, lembra Mara, chorando.
Nossa reportagem perguntou a Mara quantos amigos próximos ela pode ter perdido na tragédia. A resposta é assustadora: “Mais de 30”, contabiliza a funcionária, que desabafa: “No trabalho a gente acaba construindo uma segunda família. No meu caso, não tinha só as meninas da Medicina. A gente tinha contato também com os outros empregados, até mesmo com os familiares. A gente acaba se apegando. Eu estou sem chão”.
Sobre o desastre, a funcionária afirma que não tinha receio de que uma tragédia de tamanha proporção pudesse acontecer: “A Vale é muito rigorosa com essa questão de segurança. A importância para eles é a vida em primeiro lugar. Eles se preocupam muito com os empregados. A gente nunca teve preocupação com essa questão. Sabia que a barragem sempre foi monitorada. A gente não tinha medo que acontecesse alguma coisa parecida”, relata a técnica de segurança do trabalho.
Até o fechamento desta reportagem, as autoridades já haviam confirmado 60 mortos em Brumadinho. Das vítimas, 192 foram resgatadas, e 292 pessoas permanecem desaparecidas.