Promotor diz que lucro da Vale é "notícia triste de Natal"
Segundo dados, valor que será repassado aos acionistas é maior do que o gasto com a reparação de danos em Brumadinho (MG) até dezembro
Minas Gerais|Pablo Nascimento, do R7
O anúncio da Vale de que vai distribuir R$ 7,25 bilhões aos acionistas referente ao lucro de 2019 gerou fortes críticas de instituições envolvidas diretamente na luta pelos direitos dos atingidos pela tragédia de Brumadinho. O valor supera os US$ 1,6 bilhão (R$ 6,5 bilhões na cotação do dia) destinados até agora à reparação dos danos causados pelo rompimento da estrutura, em 25 de janeiro deste ano.
O assunto foi adiantado pela Folha de S. Paulo, neste domingo (22). O R7 apurou, no entanto, que dados apresentados no Vale Day, encontro de acionistas em Nova York, ocorrido entre 6 e 8 de dezembro, indicam que o orçamento da companhia prevê que até US$ 1,85 bilhão (cerca de R$ 7,52 bilhões) podem ser gastos nas ações referentes à cidade mineira. Até 2031, este valor pode chegar a US$ 8 bilhões (em torno de R$ 32,5 bilhões).
André Sperling, promotor da força-tarefa que investiga as consequências da tragédia, criticou a postura da companhia. Sperling lembra que durante as audiências que discutem os direitos dos atingidos, representantes da Vale sempre tentam “dar o mínimo aos atingidos”, enquanto é notório que a empresa “continua lucrando”.
O representante do MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) explica que não vê, inicialmente, a possibilidade de mover uma ação contra a mineradora para reverter o quadro, uma vez que a empresa já teve R$ 11,8 bilhões bloqueados judicialmente para garantir a reparação dos danos causados pelo colapso. Ainda assim, Sperling classifica a decisão como “perversa”.
— Duro é perceber que mesmo matando tanta gente, a empresa se preocupa mais com o lucro. É uma lógica perversa de diminuir direitos. É uma notícia ruim de Natal.
Segundo a Vale, ainda não há data definida para fazer a distribuição dos lucros da mineradora, já que dois dias após o colapso da barragem, o conselho suspendeu a política de remuneração ao acionista. “A destinação do JCP será deliberada em momento oportuno”, informou a nota da companhia.
Repúdio
A Articulação dos Atingidos e Atingidas pela Vale, grupo que se dedica defender direitos das pessoas afetadas pela mineradora, divulgou uma nota de repúdio ao anúncio da Vale, nesta segunda-feira (23). A equipe do mesmo grupo da Ong Justiça Global, que atua em casos em que os direitos humanos são infligidos.
Leia também
Liquefação causou rompimento de barragem, diz relatório da Vale
Vale terá que manter pagamentos a famílias de Brumadinho (MG)
Vale é condenada a pagar R$ 11 milhões por quatro mortes em Brumadinho
CVM abre inquérito sobre rompimento da barragem em Brumadinho
Polícia Federal indicia 13 por rompimento da barragem da Vale
No comunicado, a instituição lembra que o rompimento da barragem completa 11 meses no dia em que é comemorado o Natal e que a decisão da companhia em manter a distribuição dos valores aos acionistas está “longe de demonstrar o respeito e a solidariedade que esta época do ano inspira”.
Maíra Mansur, representante da equipe, ressalta que é contrária ao anúncio da companhia, mesmo que ainda não exista data para a distribuição dos lucros aos acionistas.
— Não importa que a Vale ainda não tenha efetivamente distribuído esses dividendos. Anunciá-los é uma estratégia para satisfazer o mercado e forjar uma imagem de empresa socialmente responsável e lucrativa. Por detrás desta estratégia corporativa, mora uma perversidade brutal contra as milhões de famílias atingidas em Brumadinho e também por toda a bacia do Rio Paraopebas e o do Rio Doce
"A Articulação dos Atingidos e Atingidas pela Vale repudia veementemente este anúncio da Vale S.A., como repudia toda a estratégia corporativa empreendida pela mineradora para falsear as medidas de reparação e reestabelecer sua imagem junto ao mercado e aos investidores. A esses, seguiremos alertando: investir na Vale é investir na dor”, destacou nota da Ong.
Choro
Para a articuladora social Marcela Rodrigues, de 26 anos, o anúncio da mineradora foi um “trauma”. A jovem perdeu o pai no colapso do dia 25 de janeiro. Denilson Rodrigues tinha 49 anos de idade e trabalhava na Vale há 17.
Marcela afirma que mesmo sua família tendo fechado o acordo de indenização mediado pela Defensoria Pública de Minas Gerais, ela considera que as ações de reparo aos danos não são suficientes para o tamanho da perda de cada um dos atingidos. Para a articuladora social, os investidores da empresa devem analisar os riscos já existentes no negócio onde estão aplicando dinheiro e apontar a corresponsabilidade que eles têm sobre a situação.
— Eu estou chorando desde quando eu li isto. Eu estou muito nervosa. A Vale comete o crime e escolhe como quer reparar. Isto não é justo.
Procurada para comentar as críticas em relação à distribuição de lucros, a Vale reafirmou que o JCP (juro sobre capital próprio) não será distribuído enquanto a política de remuneração ao acionista estiver suspensa, o que não há "prazo legal" para ser nornalizado. "Trata-se de um dever fiduciário para aproveitamento fiscal. A empresa segue focada na reparação", concluiu a empresa em nota.
Balanço
O rompimento da barragem da Vale completa 11 meses nesta quarta-feira (24). A tragédia deixou 270 mortos e desaparecidos, sendo que 13 vítimas ainda não foram encontradas.
Segundo levantamento da Vale, até o momento, a companhia destinou R$ 2 bilhões apenas em relação a indenizações fechadas em 4.000 acordos. Os ressarcimentos abragem pessoas que perderam parentes, casas e fonte de renda.
Vale detalha projeto para recuperação de Brumadinho: