Checagem comprometida: três meses de versões oficiais opostas sobre episódios da guerra
O 'MonitoR7' lista momentos em que russos e ucranianos, para acusar o outro lado, apresentaram informações desencontradas sobre o conflito iniciado em 24 de fevereiro
MonitoR7|Gabriel Herbelha, Do R7*
Nem mesmo a nomenclatura do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que nesta terça-feira (24) completa três meses, fica fora das divergências entre às duas nações. Para a Rússia, trata-se de uma operação especial militar, já para a Ucrânia e seus aliados, há uma guerra sendo travada no leste europeu.
Independentemente do nome dado, a invasão russa à Ucrânia já matou mais de 3.800 civis, segundo dados das Nações Unidas. Entre as vítimas, mais de 250 crianças.
Além das vítimas, há também as inestimáveis perdas materiais, com o bombardeio de cidades e a destruição de sítios e patrimônios históricos em território ucraniano. O Kremlin, no entanto, nega as acusações de violações de direitos humanos.
O MonitoR7 lista outros cinco pontos divergentes entre as autoridades dos dois países em meio à invasão russa à Ucrânia.
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Motivações para a guerra
Na madrugada do dia 24 de fevereiro, o mandatário russo Vladimir Putin, em discurso feito em rede nacional na Rússia, anunciou o início da operação militar.
Entre as justificativas apontadas por Putin estavam alcançar a “desmilitarização e desnazificação da Ucrânia” e dar uma resposta à expansão da Otan, grupo que reúne os países ocidentais, no leste europeu. Segundo os russos, a aproximação da organização causa insegurança ao país.
“A Aliança Atlântica [Otan], apesar de todos os nossos protestos e preocupações, continua se expandindo. O veículo militar avança. E, repito, está chegando mais e mais perto de nossas fronteiras”, afirmou Putin em 24 de fevereiro.
Por outro lado, a Ucrânia enxerga que a guerra seria um pretexto para a Rússia reestabelecer sua influência e controle sobre os países que faziam parte da antiga União Soviética.
Vale lembrar que a Ucrânia pleiteou nos últimos meses a intenção de integrar o bloco da União Europeia e da Otan, o que distanciaria ainda mais a Rússia das decisões tomadas pelo presidente Volodimir Zelenski e por outras autoridades do país futuramente.
Número de soldados russos mortos
A última atualização divulgada pela Rússia foi feita em 25 de maio, um mês após o início da operação especial, e falava em 1.351 soldados mortos em combate.
Já a Ucrânia fala em um número muito maior de mortos. Segundo autoridades ucranianas, 27 mil soldados russos morreram no país durante os combates.
No dia 15 de maio, o ministério da Defesa britânico divulgou uma atualização da guerra, dizendo que as forças russas já perderam cerca de um 1/3 de sua tropa desde o início da invasão. Segundo a inteligência britânica, esse número representa cerca de 50 mil pessoas.
Massacre de Bucha
Uma das imagens mais chocantes dos conflitos vieram de Bucha, cidade próxima da capital (Kiev), em que centenas de corpos de civis foram encontrados por tropas ucranianas após a libertação da cidade da ocupação russa, em abril, mais de um mês após a invasão.
Entre as vítimas, muitos idosos e até mesmo crianças, e entre eles corpos encontrados com as mãos amarradas e tiros na cabeça, indicando sinais de execução sumária, e claros indícios de crimes de guerra cometidos pelas forças russas.
O número de mortos na região passa de mil. Centenas deles encontrados em uma vala comum, ao lado de uma igreja, no centro de Bucha. As imagens rodaram o mundo, causando indignação.
“Estes são crimes de guerra e serão reconhecidos pelo mundo como genocídio. Sabemos de milhares de pessoas mortas e torturadas, com membros decepados, mulheres estupradas e crianças assassinadas”, disse Zelenski ao visitar a cidade e culpar os russos pelos crimes.
Já Vladimir Putin classificou como falsa a descoberta dos corpos na cidade ucraniana. “Uma provocação grosseira e cínica” de Kiev, segundo o presidente russo.
A porta-voz da diplomacia russa, Maria Zakharova, em complemento à fala de Putin, sugeriu que o próprio exército ucraniano matou os civis ou transportou corpos de outros lugares para fabricar uma cena de massacre em Bucha.
Siderúrgica Avovstal
Mariupol é uma das cidades mais citadas no conflito, cercada por tropas russas logo nas primeiras semanas de invasão, e alvo de intensos bombardeios, que destruíram ou causaram danos em 90% de seu território.
O antes e depois da cidade portuária, que fica dentro de Donetsk, região que teve a independência reconhecida pelo governo russo, é devastador.
A Ucrânia denuncia que a artilharia russa bombardeou alvos civis, como no caso do Teatro Dramático de Mariupol, em março, e prédios residenciais. A Rússia, em sua defesa, sempre nega ter feito ataques contra a população.
Segundo autoridades locais, mais de 20 mil civis foram mortos durante a ofensiva russa, e mais de 300 mil residentes deixaram a cidade. O conselho da cidade estima que a reconstrução da cidade custará 10 bilhões de dólares.
A importância de conquistar Mariupol para a Rússia é a possibilidade de ter acesso por vias terrestres para a península da Crimeia, região anexada por Putin em 2014, em outro conflito que precedeu a atual invasão à Ucrânia.
Há também outra questão estratégica envolvida, já que Mariupol sedia um porto que banha o mar de Azov. De lá é exportado grande parte das mercadorias do sudeste ucraniano. A tomada da cidade permite cortar o acesso da Ucrânia por vias marinhas.
Na última semana, após longas batalhas em que a resistência ucraniana definhava frente ao avanço russo, o cerco à cidade chegou ao fim com a vitória russa.
Cerca de 250 soldados ucranianos, os últimos na cidade, estavam encurralados na siderúrgica Azovstal, e na segunda-feira (16) se renderam, se tornando prisioneiros de guerra, em posse dos russos.
Do lado ucraniano, o presidente Zelenski não tratou o embate de Mariupol como uma derrota, e disse que o país “precisa de seus heróis vivos”.
As Forças Armadas do país, na mesma linha, disseram que os combatentes que estavam na cidade cumpriram sua missão, que era “salvar a vida do pessoal” que estava na siderúrgica.
Chernobyl
No mesmo dia em que a Rússia iniciou sua operação militar, uma das primeiras regiões ocupadas foi a de Chernobyl.
O mundo viu com preocupação a ocupação da planta da usina nuclear de Chernobyl pelas tropas russas, que permaneceram no local por mais de um mês, até devolverem o controle do local, no início de abril.
Palco do maior acidente nuclear da história, em 1986, Chernobyl tem uma zona de exclusão, área em que o acesso é restrito por causa do alto nível de radiação no local.
Durante o período em que os russos ocuparam essa região, foram registrados incêndios florestais. As imagens mostravam ainda cavamento de trincheiras, soldados sem o uso de proteção antirradiação e condições insalubres de trabalho para os poucos funcionários que permaneceram no local após a ocupação.
A soma desses eventos fez a comunidade internacional observar com preocupação o andamento da situação em Chernobyl.
A Energoatom, companhia nuclear estatal ucraniana, afirma que soldados russos foram com certeza contaminados por radiação após cavarem trincheiras na zona de exclusão, onde estavam agrupados.
Essa informação não foi confirmada por autoridades russas nem por autoridades independentes, de outros países.
Rafael Grossi, diretor da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica, ao visitar a região no final de abril, quando as tropas russas já estavam em retirada, disse que a ocupação da usina foi “muito perigosa”.
“Houve alguns momentos em que os níveis [de radiação] subiram por causa dos movimentos dos equipamentos pesados que as forças russas usavam”, disse Grossi, que ressaltou que naquele momento os níveis radioativos haviam voltado ao normal.
Apesar do risco observado, o controle da usina nuclear já voltou para as mãos dos ucranianos, após a Rússia concordar em devolvê-lo.
A retirada do local passa muito pela nova estratégia adotada pelas Forças Armadas russas em meio ao conflito, de concentrar seus esforços no leste da Ucrânia.
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* Estagiário do R7, com edição de texto de Marcos Rogério Lopes.