Legislação permite que o chocolate brasileiro tenha baixa qualidade
Instituto de defesa do consumidor acredita que a lei é muito branda em relação a esses doces, com poucos critérios para os produtos e falta de informação aos compradores
MonitoR7|Diego Alejandro, do R7*
Coelhinho da Páscoa, o que trazes para mim? No Brasil, essa resposta é mais difícil do que parece.
Por aqui, ao contrário do que ocorre em outros países, o chocolate pode ser feito com ingredientes naturais ou ser cheio de aditivos, usar a manteiga apropriada ou gordura vegetal e ter muito ou bem pouco cacau.
Para muitos especialistas, alguns produtos vendidos no país mal deveriam ter o direito de ser chamados de chocolate.
Para um doce no Brasil ser considerado chocolate precisa ter em sua composição pelo menos 25% de cacau, segundo resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
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Comparado a outros países, o índice é baixo. Nos Estados Unidos, são necessários 35% de cacau. Na União Europeia, o mesmo percentual, mas com legislação bem mais rígida que a nossa.
A Europa exige ainda a configuração original do chocolate: manteiga de cacau, massa de cacau, açúcar, leite em pó, emulsionante e aroma de baunilha. Qualquer ingrediente a mais ou a menos retira do produto o rótulo de chocolate.
Nas indústrias nacionais vemos ingredientes que em outros locais não entram na receita do chocolate: gordura vegetal, manteiga desidratada e outros aditivos.
Essas gorduras são mais baratas e de pior qualidade que a manteiga de cacau, mas ajudam no transporte e no armazenamento do chocolate, pois elevam o ponto de derretimento.
Outros lugares do mundo também permitem essa substituição por gorduras equivalentes e mais baratas. O anormal é não haver sequer regulamentação da quantidade permitida para cada produto usado na composição do chocolate brasileiro.
Ou seja, o fabricante pode colocar gordura vegetal, que é líquida, até o chocolate deixar de ser sólido. Além de colocar quantidades mínimas de manteiga de cacau.
Marketing e status
Todas essas liberdades na receita permitidas aos fabricantes deveriam levar à redução do preço do ovo de Páscoa, mas não é isso o que acontece.
Levantamento da Apas (Associação Paulista de Supermercados) mostra que neste ano os ovos estão até 40% mais caros do que em 2021. A inflação oficial do país em 12 meses está em 11,30%.
Em outra comparação que mostra que o status e o marketing desses produtos é que define seus preços é que o quilo do chocolate costuma ser três vezes mais caro nos ovos do que nas barras vendidas nos supermercados.
'Baixa qualidade'
A chef de confeitaria premiada e professora universitária Carolina Garofani vê nessa falta de legislação sobre o tema sérios problemas. “Como a legislação brasileira é muito frouxa, quem determina como é feito o chocolate é a grande indústria, e, como ela busca baratear ao máximo o processo de fabricação, o que chega para nós é um produto de baixa qualidade.”
Carolina diz ainda que os melhores cacaus colhidos no país são exportados, e os frutos que sobram “produzem pouco, são meio doentes e têm o processo de fermentação acelerado”.
“Acho que é seguro dizer que o que chega para a gente é o pior que a legislação permite”, opina a chef.
Ela também diz que há ovos de Páscoa e chocolates "muito bons" no Brasil, mas são caros e, geralmente, não vão para as prateleiras dos supermecados.
Regras eram mais rígidas no passado
No passado, o país já chegou a exigir um percentual maior de cacau no chocolate. Uma resolução de 1978 exigia que o alimento tivesse ao menos 32% do fruto.
No fim dos anos 80, uma doença, chamada vassoura-de-bruxa, dizimou plantações e fez a produção cair. Esse mal destrói o fruto e é causado por um fungo.
Para reduzir os efeitos da praga, o percentual mudou para os atuais 25%, em 2005. O Brasil já voltou a ser um dos maiores exportadores mundiais, porém a regulamentação nunca avançou nem voltou a ser como antes.
Faltam informações ao consumidor
Outro problema do chocolate nacional é a falta de informação nos rótulos. Isso é o que concluiu a pesquisa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
Entre 11 marcas de chocolate ao leite pesquisadas, apenas uma informou o percentual de cacau na embalagem. As outras dez não fizeram nenhuma menção à quantidade.
De acordo com o Idec, não existe nenhuma lei que obrigue as empresas a colocarem esse dado na embalagem, mas, para o instituto, seria "razoável que essa iniciativa partisse dos próprios fabricantes".
Projetos de lei querem melhorar chocolate
Dois projetos de lei procuram fazer incluir mais informações nos rótulos e o aumento da porcentagem de cacau. Ambos, no entanto, estão parados no Congresso Nacional.
Um dos projetos, que tramita na Câmara dos Deputados, propõe mudança de 25% para 27% na quantidade da matéria-prima. Outro, que está no Senado, sugere subir o percentual para 35%.
O que dizem os fabricantes
A Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Confeitaria e Derivados) diz que os fabricantes nacionais fazem, sim, bons produtos, de acordo com o gosto dos consumidores brasileiros. “A qualidade do chocolate não é proporcional à quantidade total de cacau", alega a associação.
"O mercado demanda diferentes tipos de produto à base de cacau para utilização como insumo e o paladar do consumidor é bastante diversificado", prossegue a Abicab.
A associação disse acreditar que a oferta do produto precisa atender às necessidades dos brasileiros, que preferem o chocolate ao leite.
De acordo com a entidade, os produtores seguem a legislação brasileira vigente, que define o percentual de cacau para cada categoria de produto.
Ela lembra ainda que seus associados "possuem um amplo portfólio e entregam produtos com diferentes porcentagens de cacau, para atender aos diferentes perfis de consumidores, e acompanham as tendências dentro deste mercado".
A Abicab diz ainda que em relação à falta de menção da quantidade da matéria-prima no rótulo dos produtos, as empresas seguem a resolução da Anvisa, que não os obriga a essa prática, mas lembra que "as indústrias já informam voluntariamente em suas embalagens o porcentual de cacau para os produtos das categorias amargo e meio amargo”.
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*Estágiario do R7, com edição de Marcos Rogério Lopes.