Argentina: resultado exigirá ginástica política e moderação do Brasil
Eventual vitória de Milei deve congelar relações bilaterais, até segunda ordem. Já possível eleição de Massa necessitará de colaboração para tirar país da crise
Christina Lemos|Christina Lemos e Christina Lemos
Quando os argentinos souberem o resultado da eleição mais polarizada e difícil de sua história recente, no Brasil as cédulas envelopadas neste domingo pelos vizinhos de fronteira também terão selado mudanças importantes nas relações entre os dois países. Seja qual for o resultado da decisão popular, num ambiente de polarização extrema, a escolha exigirá, tanto da diplomacia brasileira quanto do chefe do Executivo, uma ampla correção de rota na política e na diplomacia.
Ao longo da campanha, como parte inerente a seu discurso de ultraconservador, Javier Milei deixou claro o tratamento de desafeto que pretende dar ao presidente Lula — “comunista agressivo” e “ladrão”, como se refere ao chefe de Estado da maior nação do continente e crucial parceiro comercial da Argentina. Avisa também que não pretende negociar com países como Brasil e China, colocados numa espécie detábula rasa ideológica.
As declarações seriam arroubos de campanha — esperam setores econômicos dos dois lados da fronteira, mas, mesmo que tomadas como minimamente verdadeiras, causam imensa preocupação aos setores público e privado. A Argentina vive longa e danosa crise econômica, com o derretimento diário da moeda e das reservas, num cenário que leva a drástico empobrecimento da população. O isolamento comercial, com a anunciada ideologização extrema das relações, aprofundaria ainda mais um quadro já dramático.
O presidente Lula vem dando sinais constantes de moderação, alertado sobre o impacto de uma eventual declaração politicamente desequilibrada, no momento que vive a Argentina. Disse que países têm de se relacionar no interesse do bem-estar de suas populações, e se furtou de retrucar ataques de Milei — ciente de que haveria tréplica, ampliando ainda mais o estrago político.
Até mesmo entre os mais otimistas e ponderados na equipe de governo e no meio diplomático no Brasil, em caso de vitória do candidato da extrema direita argentina, a expectativa é de, no mínimo, imediato congelamento das relações institucionais, e até a ausência de Lula na posse do eventual eleito. A situação exigirá tempo para observar os movimentos do novo chefe do Executivo e em que medida o ultra-agressivo discurso de campanha será transformado em medidas práticas. A resposta deverá ser modulada a partir de atitudes práticas, e não retóricas — é o pensamento neste grupo.
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Tampouco é completamente confortável para o Brasil — ao contrário do que se imagina — a eventual vitória de Sergio Massa, visto como uma versão cisplatina de Fernando Haddad. O ministro da Economia de Alberto Fernández em tudo faz lembrar o ministro petista de Lula — inclusive no estilo racional-equilibrado, focado nos resultados sociais e nas promessas de equilíbrio fiscal, até mesmo nos ternos e no tom de voz. O conjunto da obra do ministro candidato tenta se contrapor ao apelo radical do oponente. Porém, sem trunfos na cesta de realizações para apresentar ao eleitor.
O candidato da continuidade — como é visto pelos adversários — estaria levemente em desvantagem nas urnas neste domingo, segundo a maior parte de mais de uma dezena de pesquisas, interrompidas há uma semana, como manda a lei no país. Porém, Massa pode surpreender, impulsionado pela força latente do peronismo, pela moderação dos indecisos na hora do voto, e até pela ida às urnas dos que se abstiveram no primeiro turno. O resultado é loteria pura, ante um empate técnico que seria de menos de 2 pontos percentuais, de acordo com alguns institutos.
Em caso de vitória de Massa, haverá comemoração reservada no Alvorada e arredores. Mas tanto o Planalto quanto a área econômica sabem que o afilhado de Fernández está longe de ter a bala de prata — muito menos qualquer artilharia — capaz de enfrentar a complexidade da crise que devora o peso argentino com uma inflação que ultrapassa os 140% ao ano.
Uma vez eleito o novo presidente argentino, mantido o status quo atual, Massa espera abraçar o aliado petista em 10 de dezembro, em Buenos Aires. Um abraço recheado de simbolismo. A Argentina precisará do Brasil de todas as formas para tentar alavancar uma proposta de saída para o turbilhão de problemas acumulados pelo fracasso de sucessivas gestões, da direita à esquerda. Restará saber em que medida o Brasil terá pernas e ambiente político interno para colaborar.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.