‘Como posso votar na cadeira?’: internautas debocham de agressão, que descredibiliza debate
Em ambiente de hostilidade recorde, debate eleitoral, antes instrumento democrático, agora estimula extremismo
Para além do ímpeto de fazer humor a partir de fatos absurdos da realidade — traço cultural do brasileiro —, a reação das redes sociais ao lamentável incidente deste domingo na TV Cultura chama a atenção pela demolição de um dos mais importantes instrumentos do processo eleitoral: o confronto de ideias e propostas entre concorrentes a um mesmo cargo, ao vivo, na TV.
Basta uma rápida leitura dos milhares de comentários nas redes sociais, arena política digital, para observar a reação geral à cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB), após sequência de ataques verbais e provocações de toda ordem do ex-coach ao tucano. Não foi um soco, nem um tapa, nem um empurrão. Foi o arremesso de um objeto contra um adversário: recurso ainda mais expressivo da selvageria que nos devolve às cavernas.
O gesto extremo de explosão emocional foi traduzido em deboche, piadas de toda ordem e até comemoração — como se a cena pertencesse a mais um espetáculo de entretenimento, sem qualquer relação com a vida real. E sem qualquer consequência na vida da maior e mais complexa megalópole brasileira.
Festivamente, investidos da irresponsabilidade e descompromisso típicos das redes, e talvez convencidos da desimportância do show em cartaz, não faltaram comentários do tipo: “a cadeira me representa!”, “como eu faço para votar na cadeira?”, “alguém perguntou se a cadeira passa bem?”.
De fato, diante da truculência graúda e antologicamente arcaica, nada mais resta a não ser o deboche. E o objeto arremessado torna-se mais importante que os atores em cena. A sanidade mental ainda assiste aos brasileiros, felizmente.
A cena coroa o recorde de hostilidade que a eleição municipal de São Paulo alcançou. Dez minutos depois, no entanto, os candidatos remanescentes decidiram continuar como se nada houvesse acontecido. E mantiveram trocas de ofensas verbais e acusações gravíssimas, como se a alegada prática de crimes como associação ao crime organizado, corrupção, consumo de cocaína fossem coisa rotineira.
A apresentação de propostas aos moradores de uma cidade com sérios gargalos e carências, a contestação sobre a consistência desta ou daquela ideia, o questionamento sobre a coerência política do adversário — nada disso tem mais apelo do que uma cadeirada. Nem ficará na memória do eleitor.
Se é para troca de agressões, o chamado ao público deveria ser para outro tipo de programa. São Paulo, no entanto, merece e precisa de muito mais do que isso.
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