O Ensino nos Tempos do Cólera
Será que o varal, que vive de embalar roupas ao vento e ao sol, também anda saudoso das aulas?
Eduardo Olimpio|Do R7

Podem dizer o que for, mas o certo mesmo, e não é de hoje, é que a ilimitada e infindável tolice humana tem recebido destaque nos meios de comunicação tradicionais e, mais recentemente e em larguíssima escala, nas chamadas redes antissociais digitais. É um elenco estarrecedor de coisas, nas 24 horas do dia, que pouco tempo e espaço sobram para aqueles fustigados cidadãos que querem desligar-se da realidade, nem que por instantes apenas.
Uma atividade que relaxa e, ao mesmo tempo, dá algum condicionamento físico (!) e, por sorte, um fiapo de lucidez — quando feita sem TV ligada ou rádio —, é estender uns panos no varal. Tarefa das mais odiadas dentre as atribuições do lar, colocar pregadores em roupas, lençóis, toalhas...máscaras etc., transporta a mente para algum lugar que poucos GPS’s conseguem achar.
Dia desses, nessa empreitada noturna e solitária, percebi que já há uns 2 meses e pouco não vejo frequentar o local o uniforme da escola do meu filho. Busco na trouxa ainda a ser dependurada e nada encontro de logotipo de ensino. As calças, bermudas e camisetas que compõem o arsenal de guerra cotidiana que o herdeiro trava contra canetinhas e sujeiras de toda espécie simplesmente sumiram da vista. Óbvio, deduzi logo que descansavam das suas lutas em plenas gavetas.
O simbolismo de ter reparado que dias a fio não as pego mais nas mãos para secá-las foi fulminante. Dei (mais) conta ainda de que não só eu, mas milhares de outros pais, mães, cuidadores e responsáveis, também devem ter se deparado com varais iletrados, calmos, quase sem graça por não mais sustentarem a energia de crianças e adolescentes em fase estudantil.
Exclamei: - Nossa, é mesmo, cadê o desenvolvimento pleno que meu filho trazia consigo na sua — ainda que preguiçosa — narrativa, e nas roupas marcadas pelo dia produtivo na escola, repito, com manchas, rasgos nos joelhos, tintas nos punhos, costuras prestes a se desenlaçarem, botões pendentes...? Cadê a vida escolar dele...?
O susto foi perceptível pelos minutos que lá fiquei a contemplar o vazio deixado pelas circunstâncias. Um compasso de espera tomou o ambiente da área da lavanderia entre a ‘bruxa’ máquina de lavar – que apaga com água e sabão tais marcas da lida escolar do infante – e o famigerado varal, que por instantes travestiu-se de vilão por esconder de mim os tecidos que carregam em si a parte da crônica não contada pela língua.
Os uniformes do Joãozinho, do André, da Mariazinha, da Olivia, que não mais secam porque não molham, e se não molham é porque não estão sendo devidamente sujados, dão um aperto no coração e despertam uma saudade de pinçar os pregadores para dependurá-los na noite, depois de um dia letivo protegendo e ensinando os corpos deles e delas.
Esta espera pela saída das gavetas onde dormitam gera ansiedade, mas espero que todos possam ter a devida paciência, mesmo sabendo que esta já caminha para a desintegração depois de dias e dias de involuntário e sofrido homeschooling.
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