A polêmica da xícara da Tânia Bulhões e a ostentação de marcas: por que muitos fazem questão de mostrar o que têm?
Reflexo de insegurança ou uma escolha consciente? Entenda como o luxo pode iludir e criar uma falsa sensação de status

A marca Tânia Bulhões, famosa por seus produtos de porcelana, perfumaria e decoração sofisticados, se envolveu em uma polêmica após um vídeo viralizar nas redes sociais. Nele, um usuário comparava uma xícara usada em um café na Tailândia com uma peça similar vendida pela empresa brasileira.
A controvérsia surgiu porque o produto no país asiático custava apenas R$ 5, enquanto o modelo semelhante no site da Tânia Bulhões era vendido por R$ 210. A grande diferença de preço levantou questionamentos sobre o real valor dos produtos de luxo e a precificação no mercado brasileiro.
Após a polêmica, Tânia Bulhões anunciou que iria retirar quatro coleções de porcelanas do mercado. O comunicado foi publicado na página oficial da empresa.
“Tomamos a decisão de descontinuar sua fabricação até que a nossa própria fábrica de porcelana, atualmente em construção em Uberaba (MG), esteja apta a produzi-las”, afirmou.
A nota também explicou que a decisão foi tomada após a exposição de vídeos mostrando consumidores encontrando esses itens, vendidos como produtos de luxo, por preços mais baixos.
Recentemente, Tânia Bulhões publicou um comunicado em suas redes sociais esclarecendo o processo de fabricação da xícara e informando que tomaria “medidas cabíveis contra aqueles que estão espalhando informações falsas.”
Por que ostentamos marcas?
Há muitas reflexões para se fazer sobre esse caso. Mas, o que eu gostaria de falar hoje é sobre o verdadeiro valor das marcas, o consumo aspiracional e a necessidade de ostentação. Afinal, o que faz uma xícara custar centenas de reais? A qualidade do material ou o peso do nome estampado nela?
O consumo de marcas de luxo vai muito além da funcionalidade do produto – também está ligado ao desejo de status e pertencimento.
A Hermès, por exemplo, não vende bolsas Birkin para qualquer um - o cliente precisa “construir um relacionamento” com a marca antes de ter acesso ao item.
Chama atenção um relatório da consultoria Bain & Company que revelou que o mercado global de bens de alto padrão movimentou 1,5 trilhão de euros em 2023, sendo impulsionado, em grande parte, pelo chamado luxo aspiracional – ou seja, pessoas que compram não só pelo produto, mas pelo que ele representa socialmente. Somente no Brasil, a expectativa é um crescimento médio de 18% ao ano.
Esse comportamento se intensificou com as redes sociais, onde exibir marcas virou uma forma de “conquistar reconhecimento”. Ter uma bolsa Chanel, o carro do ano ou até uma xícara Tânia Bulhões não é apenas uma questão de gosto pessoal para alguns, mas também de reforçar o poder de sua imagem.
Quando a marca vale mais que o produto
O episódio lembra um experimento famoso conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley e do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech).
No estudo, os participantes receberam o mesmo vinho, mas foram informados de preços diferentes para cada amostra – algumas taças eram rotuladas como sendo de vinhos mais caros, enquanto outras eram apresentadas como opções mais baratas. O resultado?
A maioria afirmou que o vinho supostamente mais caro tinha um sabor melhor, mesmo sendo idêntico ao de menor preço. O experimento demonstrou como a percepção de valor pode influenciar a experiência sensorial.
Isso mostra como nossa visão a respeito da qualidade pode ser manipulada. Um fenômeno que se repete em diversos setores.
O que essa polêmica ensina?
Já conheci pessoas que escolheram se endividar para ostentar um cinto com as iniciais de marcas famosas e, ao mesmo tempo, outras que poderiam ter vários cintos desses, mas que não o fazem. Pessoas que preferem pagar aluguel para comprar um carro que vale centenas de milhares, enquanto outras escolhem ter a casa própria em vez de ostentar o “carro do ano”.
Essas atitudes refletem valores distintos: para alguns, a imagem que projetam ao mundo é prioridade, enquanto, para outros, o conforto e a segurança financeira falam mais alto do que qualquer logotipo.
Essa diferença de mentalidade mostra que ostentação nem sempre tem a ver com poder aquisitivo, mas sim com uma necessidade de “mostrar”.
Para quem vê status no consumo, um objeto de luxo pode ser um passaporte para um grupo social, uma maneira de sinalizar sucesso. Já para aqueles que realmente têm riqueza consolidada, o consumo tende a ser mais racional, voltado para o que faz sentido em sua rotina e não para buscar aprovação dos outros.
Não é raro ver milionários andando de camiseta básica e tênis simples, enquanto aqueles que estão em busca de afirmação fazem questão de exibir diferentes grifes da cabeça aos pés.
No fundo, a polêmica da Tânia Bulhões revela o quanto o valor que damos a um objeto pode ser mais emocional do que real.
O problema não está em gostar de marcas ou de itens sofisticados, mas na ilusão de que esses símbolos têm o poder de definir quem somos. Afinal, o verdadeiro luxo não precisa ser gritado, e a verdadeira segurança não vem do que mostramos aos outros, mas do que sabemos sobre nós mesmos.
Mais do que nunca, as pessoas precisam de transparência, autenticidade e um propósito real de vida.