Com o fim da vacinação contra aftosa, pecuarista precisa de garantia
São Paulo eliminou vacinação contra aftosa, mas pecuarista não tem fundo indenizatório robusto em caso de surto
Trilha do Agro|Do R7 e Valter Puga Jr

Autorizado pelo Ministério da Agricultura, São Paulo fez em novembro de 2023 a última campanha de vacinação contra a febre aftosa no estado. Daqui para frente, os pecuaristas de São Paulo não vacinam os mais de 11 milhões de bovinos e bubalinos contra aftosa no estado.
A autorização veio após São Paulo atender às exigências do Plano Estratégico do Programa Nacional de Vigilância para a Febre Aftosa (PE-PNEFA), que visa obter para o Brasil, até 2025, o status de país livre de aftosa sem vacinação junto a OMSA (Organização Mundial de Saúde Animal).
Para os pecuaristas, o status de “país livre de aftosa sem vacinação” significa redução de custos: a vacina não raras vezes causa nódulos ou abscessos no local de aplicação, o que diminui o aproveitamento da carne, com prejuízos em toda a cadeia produtiva, sobretudo para o pecuarista.
Fora isso, elimina gastos diretos com vacina, a mobilização de tratadores na aplicação, evita manejo, estresse e perda de peso dos animais. De quebra, ainda possibilita abertura de novos mercados para a carne bovina brasileira dentro do circuito não-aftósico, que pagam mais pelos produtos.
Só no estado de São Paulo o rebanho é de mais de 11 milhões de bovinos e bubalinos que recebiam duas doses nas campanhas de vacinação em maio e novembro. Pouco? São Paulo possui apenas o 9º maior rebanho do país.
No chamado Bloco IV, onde além de São Paulo estão outros 10 estados — entre eles os maiores produtores como Mato Grosso e Pará, o IBGE aponta um rebanho de quase 178 milhões de cabeças. Estima-se que a pecuária brasileira gaste em vacinas contra a aftosa cerca de R$ 600 milhões por ano.
OS RISCOS PARA O PAÍS
O fim da vacinação contra a febre aftosa, no entanto, exige rigorosa vigilância, a chamada vigilância passiva executada pelos pecuaristas e a vigilância ativa de responsabilidade do SVO (Serviço Veterinário Oficial), dos governos estaduais e do Ministério da Agricultura.
Doença de notificação obrigatória, a aftosa é uma das doenças de rebanho mais contagiosas com uma circulação viral de extrema rapidez, disseminada por animais infectados e seus produtos, de difícil controle e por isso considerada a doença infecciosa mais importante do mundo e carro-chefe dos Serviços Veterinários Oficiais.
Como causa grandes perdas econômicas, a aftosa é barreira sanitária no comércio internacional dos produtos de origem animal e vegetal (por exemplo, feno), pois países importadores proíbem e ou só permitem o comércio mediante rígidas regras sanitárias.
Por isso, há quem veja com preocupação o fim da vacinação no Brasil. “Qualquer falha pode causar prejuízos imensos para o país”, lembra Maurício Nogueira, analista de mercado da Athenagro.
Entre 2016 e 2017, menos de 10% dos pecuaristas ouvidos por pesquisadores do Rally da Pecuária eram favoráveis ao fim da vacinação contra aftosa. A resistência tem motivo e o Brasil já viveu esse “pesadelo”.
Em 2005, a ocorrência de aftosa em fazendas de criação de bovinos no Mato Grosso do Sul e no Paraná provocou a imediata suspensão das importações de carne bovina brasileira pela Rússia, maior mercado para carne do país na época. Atrás dos russos vieram suspensões ou restrições de outros 58 países à carne brasileira, que somados respondiam por quase 87% da carne bovina exportada.
O impacto nos preços do boi gordo e da carne no Brasil foram assustadores. Se uma semana antes da detecção do primeiro foco da doença, em outubro de 2005, o indicador de preços da ESALQ/BMF para boi gordo avançava 9%, pouco mais de duas semanas depois recuava 8%, como mostram os dados do Cepea/USP.
Pesquisadores da Universidade de Brasília e do Ministério da Agricultura, ao analisarem os efeitos negativos da aftosa em 2005 no MS e PR, apontam que as margens de lucro recuaram para pecuaristas e indústrias. Em janeiro de 2006, os preços do boi gordo atingiram o nível mais baixo desde 2003, e só após 11 meses retornaram aos valores de 2004.
QUEM PAGA EM CASO DE ABATE SANITÁRIO
A detecção de aftosa em área de criação de bois causa prejuízos imediatos: decretação de Estado de Emergência veterinária, proibição de saída de animais e de qualquer produto (ou material) susceptível a transmissão viral; restrição a circulação de veículos e de pessoas não autorizadas.
Mais: proibição de comércio das carnes, produtos e subprodutos frutos dos abates, que ficam retidos até liberação da autoridade sanitária (quando ocorre). Pior do que isso: em alguns casos o controle exige o sacrifício sanitário, ou seja, o abate dos animais da área foco da doença.
Embora o pecuarista brasileiro — em situação de abate sanitário — tenha direito a uma indenização do Governo Federal por volta de 50% do valor do animal abatido (Lei de 1948, época de Eurico Gaspar Dutra), o pagamento não contabiliza e nem remunera as perdas com lucros cessantes e anos de investimentos em melhoramento genético dos rebanhos com alto valor agregado. “São perdas imensuráveis e irrecuperáveis”, como argumentam pesquisadores da UnB.
O PNEFA (Programa Nacional de Vigilância para a Febre Aftosa) exige de cada estado a criação de um fundo para indenizar pecuaristas em caso de abate sanitário. Nesse aspecto, São Paulo carece de evolução, apesar dos esforços da Defesa Pecuária Paulista e da grande maioria dos representantes do setor privado.
Para cumprir essa exigência, os líderes paulistas do setor reativaram o FUNDEPEC-SP, o Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de SP, uma associação civil, sem fins lucrativos, com autonomia administrativa e financeira.
O fundo tem no conselho a Federação de Agricultura e Pecuária de São Paulo (FAESP), a Sociedade Rural Brasileira (SRB), a Organização das Cooperativas do Estado (OCESP), o Grupo Pecuária Brasil (GPB), e a Associação Nacional da Pecuária Intensiva (ASSOCON).
Mas o modelo de contribuição atual do pecuarista paulista para o Fundepec é voluntário. “Diante da resistência de alguns representantes do setor, foi o que conseguimos até o momento para reativarmos e estruturarmos o Fundepec de São Paulo e fazê-lo caminhar. Mas este modelo é frágil”, diz Cyro Penna Júnior, pecuarista e presidente do conselho do FUNDEPEC. O potencial de arrecadação do modelo voluntário é pequeno e não suportaria uma indenização aos criadores em caso de um foco de febre aftosa no estado.
Os representantes do FUNDEPEC-SP tentam há dois anos estruturar uma legislação que permita arrecadar recursos e obter contribuição financeira robusta, defendendo dois pontos primordiais: sem oneração ao pecuarista e garantia da proteção que a pecuária paulista necessita. Inexiste modelo voluntário de arrecadação de fundos sanitários em outros estados do país.
O Governo de São Paulo mostra-se sensível e reconhece a necessidade de um modelo efetivo de arrecadação, que carece da participação do poder público. Em 2023, a Secretaria de Agricultura de SP criou uma EGE — Equipe Gestora Estadual — e desenvolveu um modelo de arrecadação. Assim que recebeu a proposta, e para garantir segurança jurídica, o governador Tarcísio de Freitas criou uma equipe inter-secretarial para estudar o assunto, formada pela Secretaria de Agricultura, Secretaria da Fazenda e Advocacia Geral do Estado. Enquanto isso, os pecuaristas aguardam.
“A última campanha em novembro de 2023 foi absolutamente exitosa, com 100% dos animais vacinados e, diante disto, podemos contar com a imunidade do rebanho paulista em todo 2024. O que nos deixa com um certo alívio”, diz Cyro.
Para ele, “a pecuária brasileira é muito evoluída -- e a paulista não fica fora disso --, seja em genética, ou em reprodução, manejo, nutrição, bem-estar animal, produtividade, proteção ambiental e segurança social. A sanidade animal não fica atrás, e os setores público e privado estão engajados nessa evolução da pecuária nacional”.
Entretanto, o tempo corre e o pecuarista paulista necessita de proteção caso surja um foco. O tempo não para.