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Intervenção no Rio deixou de lado ações de inteligência, diz relatório

De 66 ações do Plano Estratégico, apenas quatro foram de inteligência; sentimento de insegurança cresce com confrontos, dizem especialistas

Rio de Janeiro|PH Rosa e Rayssa Motta*, do R7

Intervenção
no Rio de Janeiro tem mais mortes em operações, diz estudo
Intervenção no Rio de Janeiro tem mais mortes em operações, diz estudo Intervenção no Rio de Janeiro tem mais mortes em operações, diz estudo

A falta de medidas de inteligência nas ações do GIF (Gabinete de Intervenção Federal) foi considerada por pesquisadores uma das causas para o “fracasso” da intervenção no Rio de Janeiro.

Em um relatório divulgado nesta quinta-feira (16) pelo Observatório da Intervenção, os conselheiros do grupo avaliaram que, apesar das 372 operações realizadas e da presença ostensiva das tropas nas comunidades, a violência no estado aumentou durante os seis meses em que a responsabilidade pelo setor da segurança passou para as mãos do governo federal.

Segundo a coordenadora geral do Observatório, Silvia Ramos, o clima de insegurança se mantém, apesar das Forças de Segurança estarem atuando no Rio, já que as mortes em decorrência de intervenção policial, chacinas, disparos de arma de fogo e confrontos armados cresceram.

Dados incluídos na pesquisa apontam que nos últimos seis meses, o número de tiros disparados aumentou cerca de 39,48% — passando de 3.477 nos seis meses anteriores para 4.850 durante a intervenção. O levantamento foi feito pelo aplicativo Fogo Cruzado.

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“É muito preocupante um cenário em que os indicadores mais sensíveis estão piorando e há uma política de segurança voltada para o aprofundamento dos confronto e tiroteios, que causam insegurança, e muito pouca inteligência”, destacou a coordenadora.

De fato, as propostas direcionadas à inteligência ganharam pouco destaque no Plano Estratégico da Intervenção Federal divulgado no mês passado — foram apenas quatro entre as 66 metas estabelecidas pelo Gabinete. Desse total, só 11 foram entregues nesses primeiros meses de intervenção.

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Crimes contra a vida x crimes contra o patrimônio

O documento diz ainda que “as propostas dedicadas à estruturação e ao fortalecimento das corporações policiais têm ficado em segundo plano. As ações já cumpridas focam no patrulhamento ostensivo e no reaparelhamento das polícias, ao passo que medidas voltadas à inteligência e à redução dos crimes contra à vida andam a passo mais lento”.

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Silvia comparou a relação entre o aumento do número de mortes provocadas por agentes de segurança durante operações e a queda dos roubos de cargas nesses seis meses de intervenção. Para ela, a redução de 9,5% desse tipo de crime em relação ao ano passado expõe a priorização que o GIF dá aos crimes contra o patrimônio.

“Tem um aumento e uma presença muito forte de crimes ligados à vida e uma redução de crimes ligados ao patrimônio, principalmente roubos de cargas, que parecem ter uma redução sustentada, porque já entramos no terceiro ou quarto mês de queda. Não é ruim que tenha redução de roubos de carga, mas fica uma interrogação quando a gente faz o balanço geral: será que carga é mais importante que vida?"

Outro ponto levantado pelos conselheiros do Observatório é a falta de ações sociais nas comunidades, que são os principais alvos das operações armadas.

De acordo com Raull Santiago, que também integra o coletivo Papo Reto, a “militarização da vida cotidiana com foco único nas favelas e periferias” é um fator preocupante das políticas de segurança do Rio de Janeiro.

Intervenção no Rio apreende, em média, só uma arma por operação

“Na favela, a principal política pública que chega para nós sempre é através da Secretaria de Segurança, sempre é a militarização da nossa vida no dia a dia. Esses projetos são publicitados como se estivessem dando certo, mas na verdade a gente continua sangrando, sendo presos e a nossa vida continua não tendo importância.”

"Intervenção aprofundou o preconceito"

De fevereiro a julho, 736 pessoas foram mortas pela polícia, a maioria durante as incursões nas comunidades. No balanço das operações, raramente seus nomes são divulgados, sendo identificados apenas como "suspeitos". "A intervenção aprofundou o preconceito da sociedade em relação a favela e, com isso, a licença para matar foi institucionalizada.

Hoje a gente não consegue nenhuma resposta oficial das investigações das mortes nas favelas. A gente tem uma ação de estado que produz a desvalorização da vida nessas áreas e o não diálogo com a sociedade a partir das nossas cobranças", completou Itamar Silva, diretor do Conselho.

Para os colaboradores, a dinâmica continua a mesma já utilizada pela polícia em outras ações. É o que aponta Julita Lemgruber, coordenadora do Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), órgão responsável pelo Observatório da Intervenção, que considera “ultrapassada” a guerra contra o tráfico nas comunidades.

“A polícia entra nas favelas supostamente para combater o varejo do tráfico. Mas nas favelas acontece o tráfico de drogas miúdas. No entanto, a gente continua a justificar essa mortandade a partir de uma política de drogas equivocada e ultrapassada”, afirmou.

Essa política deve continuar fracassando enquanto os órgãos de segurança pública continuarem apostando nela, conforme disse Filipe dos Anjos, um dos conselheiros do grupo e secretário geral da Faferj (Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro).

“Somos um terço da população, somos a força de trabalho que move a cidade e nós queremos participar das políticas públicas que chegam até as comunidades. Não queremos mais as políticas públicas implementadas de cima para baixo. É bom que fique claro que as favelas nunca declararam guerra à ninguém.”

Participação

A falta de diálogo com a população para identificar que tipo de medidas deveriam ser adotadas também foi um problema mencionado pelos conselheiros do Observatório. Durante a coletiva de lançamento do relatório, alguns apontaram que esse é um dos fatores responsáveis por afastar a sociedade do debate sobre as políticas públicas.

Wesley Teixeira, articulador da rede de ativistas do Observatório, foi um dos que apontou a falta de diálogo com a população por parte das Forças de Segurança, principalmente na Baixada Fluminense.

“A intervenção segue o mesmo caminho das UPPs: chegou sem consulta da população e sem acompanhamento de outras políticas públicas e sai sem dar muitas respostas.”

Teixeira também destacou a disparidade nos índices de violência na Baixada Fluminense em relação à zona sul da capital. O relatório aponta, com base nos dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), que Copacabana, Leblon, Ipanema e Botafogo somaram, ao todo, 35 assassinatos de fevereiro a junho. Por outro lado, municípios como Nova Iguaçu e Caxias registraram mais de 100 mortes.

Para o conselheiro, a baixada é onde os piores índices estão concentrados, e onde há menos ações das Forças de Segurança.

“A Baixada Fluminense, como não tem visibilidade, fica no escanteio. Inclusive parte das mortes na Baixada partem da própria Polícia Militar. Um índice inédito é que a Baixada Fluminense tem o dobro de mortes em decorrência de ações policiais em relação à capital. O interventor tem poder para intervir sobre as polícias e nada foi feito, apesar do Exército ser visto como instituição mais honesta que a PM”, disse Teixeira.

Maria Celina D’Araújo, cientista política, concluiu dizendo que, apesar das Forças Armadas terem boa visibilidade, a Intervenção pode acabar desfazendo essa imagem.

“A vinda das Forças Armadas para o Rio de Janeiro acabou sendo um fiasco em dois sentidos: não só não estão contribuindo para resolver um problema gravíssimo como estão se desmoralizando. Elas estão perdendo um jogo para o narcotráfico e para as milícias.”

O R7 procurou o Gabinete de Intervenção e a Secretaria de Segurança, mas ambos não quiseram comentar o relatório.

*Estagiária do R7, sob supervisão de PH Rosa

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