Maternidade em cadeias do Rio: presas são negras, solteiras e têm pouco estudo, diz pesquisa da UFRJ
Pesquisa realizada por pesquisadoras da UFRJ entrevistou mulheres em dois presídios
Rio de Janeiro|Do R7
Uma pesquisa realizada por pesquisadoras da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) analisou a realidade de mulheres presas em duas penitenciárias do Rio de Janeiro, com foco nas detidas que são mães e/ou gestantes.
O levantamento chamado "Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro" mostra que 78% das mulheres presas, que são mães ou gestantes, são negras ou pardas e 82%, solteiras. Os dados revelam ainda a baixa escolaridade dessas mulheres: 75,6% não possui o ensino fundamental completo.
A maior parte dessas mulheres foi presa durante a gestação, sendo que algumas delas estavam com sete a nove meses de gravidez. Em geral, as detentas têm dois filhos e dizem não ter tido oportunidade de entrar em contato com a família após serem encarceradas. Quando perguntadas onde queriam que os filhos estivessem, a maioria disse preferir que eles ficassem com elas na cadeia.
Ao serem questionadas sobre quem seria a melhor pessoa para ficar com seu bebê, 61% das entrevistadas disseram que o avô é o mais indicado. Apesar disso, a maior parte dos parceiros foi avisada de que era ou seria pai.
Ao todo, 46,3% delas chegaram aos presídios por causa do tráfico de drogas, na maioria cocaína e maconha, sendo que 33,3% declararam ter tido a função de mula, agindo no transporte de entorpecentes. Entre as razões para terem entrado no mundo do crime, a mais comum foi a dificuldade financeira.
O estudo realizou entrevistas com 41 mulheres em situação de maternidade (grávidas ou mães), entre junho a agosto de 2015, em duas unidades do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio. São elas: o presídio Talavera Bruce, onde ficam as presas grávidas, e a UMI (Unidade Materno Infantil) para onde as mães são transferidas após o nascimento dos filhos e permanecem até por volta de seis meses depois, quando são separadas das crianças.
Violência
Outro dado apresentado no estudo mostrou o alto índice de vítimas de violência entre as pesquisadas antes de serem presas (41,5%). A agressão física foi a mais comum, seguida da violência doméstica e de estupro.
As mães ou grávidas presas também afirmaram que não recebem visitas na prisão — cerca de 34% das detentas que disseram serem visitadas por alguém citaram a mãe como a pessoa que vai vê-las na cadeia.
As mulheres entrevistadas disseram serem tratadas com descaso e que vivem em situações precárias nos presídios. Elas reclamam do uso indevido de algemas no parto, agressões físicas e verbais e até demora no atendimento, que levou algumas a darem à luz dentro do transporte ou da cadeia.
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As presas ainda disseram terem sido chamadas de “barriga de lombriga”, “mocreia” e “mentirosa”, além de afirmarem terem os direitos violados na prisão.
Em outubro deste ano, uma detenta grávida de 9 meses deu à luz dentro de uma solitária da penitenciária Talavera Bruce. A mulher estava em uma cela individual, pois, segundo a direção, tinha problemas psicológicos. No entanto, o juiz Eduardo Oberg da VEP (Vara de Execuções Penais) concluiu que a mulher não teve o atendimento necessário e que a decisão da diretora do presídio Talavera Bruce foi, no mínimo, incompreensível. Analisando os documentos e testemunhos de outras detentas, Oberg determinou que a diretora fosse afastada temporariamente do cargo.
Perfil
Dentre as entrevistadas, 85% trabalhavam sem carteira assinada quando foram presas. A maioria chegou à cadeia por medida cautelar (73,2%) — número maior que o nacional que é de 40%. A maioria delas foi condenada de cinco a nove anos de prisão e quase 80% tinham algum parente preso, sendo que metade disseram ser esse o companheiro.
A pesquisa foi coordenada pela professora de Direito Penal da UFRJ Luciana Boiteux e pela ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio Maíra Fernandes. A realização do estudo foi do Grupo de Pesquisa em Política de Drogas e Direito Humanos da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, com o apoio do Cperj (Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro) e do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros).
Caroline Brizon, do R7 Rio