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Após denúncia, idosa escravizada em bairro nobre de SP é resgatada

Uma das empregadoras foi presa em flagrante. Ela e outros dois foram indiciados também por abandono de incapaz e omissão de socorro

São Paulo|Do R7

Idosa dormia em depósito no quintal sem acesso ao banheiro
Idosa dormia em depósito no quintal sem acesso ao banheiro

Uma doméstica de 61 anos, que estava sendo vítima de agressão, maus tratos, constrangimento, tortura psíquica, violência patrimonial e exploração do trabalho pelos empregadores foi resgatada da casa onde morava no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A inspeção foi motivada por denúncias recebidas pelo Disque 100 do governo federal.

Em uma operação conjunta do Ministério Público do Trabalho, com a participação do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado, uma equipe do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) cumpriu um mandado de busca e apreensão no imóvel.

Uma das empregadoras foi presa em flagrante. A vítima trabalhava para a família desde 1998. 

Ao chegarem na residência, o grupo encontrou a empregada morando em um depósito de tralhas e móveis, no quintal da casa, dormindo em um sofá velho, sem receber alimentação, sem acesso a banheiro e sem salário regular. Os relatos de testemunhas confirmaram a situação de “trabalho escravo moderno”, agravada pela vulnerabilidade da vítima.


Em depoimento, moradores vizinhos ao imóvel informaram que a doméstica trabalhava para os moradores da residência praticamente em troca de moradia e que, por várias ocasiões, a ajudavam com alimento e itens de higiene. Eles também relataram episódios de discussão e de omissão de socorro.

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Após o resgate da trabalhadora, a procuradora do MPT, Alline Pedrosa Oishi Delena, ajuizou uma ação cautelar contra os três empregadores e pediu o pagamento imediato do valor correspondente a um salário-mínimo por mês à vítima até o julgamento final do processo.

O órgão também solicitou à Justiça do Trabalho a expedição do alvará judicial para que a vítima possa fazer o saque junto à Caixa Econômica Federal do seguro-desemprego, assim como o bloqueio do imóvel para futuro pagamento de verbas trabalhistas e indenizações. 


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Os pedidos de urgência foram feitos, segundo o MPT, para garantir a subsistência da vítima. “Não faz sentido algum que, após o resgate, a vítima acabe numa situação ainda pior do que já estava, além de tudo, desabrigada e vivendo da boa vontade de vizinhos”, comentou a procuradora.

Por causa da pandemia de covid-19, o quadro tende a se agravar: “É do grupo de risco e trabalho torna-se muito mais difícil de ser conseguido nesta época. Precisamos garantir que as necessidades básicas sejam disponibilizadas à trabalhadora, que se encontra em extrema vulnerabilidade, sem casa, sem comida, sem renda”, argumentou Alline Delena.

Justiça

Em decisão liminar, a juíza que conduz o caso acolheu os pedidos de bloqueio de bens e de expedição do alvará para o recebimento do seguro-desemprego. Já o pagamento de um salário mínimo por mês não vai acontecer até que sejam feitas novas oitivas. 

Segundo a procuradora, o bloqueio de bens é necessário porque a doméstica tem direito à rescisão indireta em decorrência do resgate, verbas não pagas no curso do contrato de trabalho, além de danos materiais e morais. “Em um cálculo inicial, esse valor pode chegar a mais de R$ 500 mil”, avaliou a procuradora.

O caso

Contratada em 1998 por uma executiva do ramo de cosméticos, sem registro em carteira, sem férias ou 13º, nos primeiros anos, a doméstica não morava no emprego. Mas em 2011, segundo depoimentos, a casa em que morava foi interditada e a patroa ofereceu para que ela fosse morar na casa de sua mãe, onde ficou cerca de cinco anos.

Ainda de acordo com depoimentos, naquele mesmo ano a patroa passou a residir em outra cidade, mas manteve os serviços para servir à uma das filhas que continuou na casa. A partir de então, a doméstica passou a receber cerca de R$ 400, esporadicamente, ainda que realizasse todos os serviços domésticos, menos cozinhar.

Vítima trabalhava para a família desde 1998
Vítima trabalhava para a família desde 1998

Cerca de dois anos depois, a filha da patroa foi morar no exterior e uma outra filha e seu então namorado, hoje marido, mudaram-se para a casa do Alto de Pinheiros e ficaram responsáveis pelo salário da doméstica. Ela recebia R$ 250 em dinheiro, no início do mês.

De acordo com depoimentos, a doméstica trabalhava de segunda a sexta-feira na casa da patroa e, paralelamente, cuidava da casa da mãe da patroa, onde morava, fazia a limpeza e pagava as contas de água e luz da residência porque temia que fossem cortadas.

No ano de 2017, a casa da mãe da patroa foi vendida e a doméstica passou a morar no depósito no quintal da casa.

Desde o decreto da quarentena, os patrões não permitiram mais a entrada na casa e trancaram o quintal e o banheiro, impedindo que a vítima realizasse as necessidades sanitárias. Para o banho, a idosa usava um balde e caneca.

Segundo depoimentos, em maio, a doméstica sofreu um grave acidente de trabalho e não foi socorrida. Ela passou uma semana com dores e hematomas, sem receber alimento ou cuidados.

No dia 16 de junho, os empregadores mudaram-se para Cotia, na Grande São Paulo, sem comunicar a vítima ou deixar qualquer contato. A doméstica foi abandonada no quintal.

No dia 18, uma equipe da Polícia Civil entrou na casa para o resgate e outra foi até o novo endereço dos patrões buscar os responsáveis para resolver a situação.

Em depoimento, a moradora confirmou que a doméstica dormia desde 2017 no cômodo destinado a depósito e que realmente não tinha conhecimento de como ela fazia para o usar o banheiro.

Eles negam a relação de emprego, alegando que, no passado, a vítima trabalhava como diarista, mas que nos últimos anos não mais fazia trabalhos domésticos.

A proprietária do imóvel afirma que a vítima chegou a morar “de favor” na casa de sua mãe e, quando foi vendida, por pena, a acolheu enquanto ela procurava um lugar para se mudar.

Após pagamento de fiança, a patroa foi liberada. A proprietária da casa, a filha e o genro vão responder por omissão de socorro, abandono de incapaz e redução a condição análoga à de escravo.

O caso está sendo investigado pela 1ª Delegacia de Proteção à Pessoa.

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