Ar condicionado agrava risco de contrair covid-19 no transporte
Equipamento de vagões de trem e metrô filtra partículas grandes de poeira e mantém mais tempo partículas virais em circulação
São Paulo|Da Agência Brasil
Aglomeração de pessoas, pequenos espaços e pouca ventilação. A descrição de um ambiente propício para a propagação do covid-19 define também as cenas registradas pelo R7 nos últimos cinco dias no transporte público da capital paulista. Um dos problemas que agrava ainda mais o risco de contrair a doença é o ar condicionado, segundo alerta o médico sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo.
“Isso [ar condicionado] é mais perigoso. Esse ar condicionado [geralmente utilizado no transporte público] é sem filtro, então você tem a recirculação do aerossol, que o mantêm mais tempo ativo", afirma Vecina. "Num ambiente em que você tem a circulação do ar, o aerossol sofre uma dispersão e vai embora. No caso do Metrô, o ar condicionado recicla esse aerossol, o que é diferente dos aviões".
Segundo Vecina, nos aviões, o ar é continuamente sendo renovado, ao passar por um filtro absoluto, que filtra a partícula do vírus. "Mas esse ar condicionado, de uma forma geral, que temos em shoppings centers, cinemas e mesmo na nossa casa, esses [modelo] split, não têm filtros. Eles apenas retém partículas grandes de poeira. E essas partículas pequenas, que contém vírus, eles não filtram. Pelo contrário, eles mantêm mais tempo as partículas virais circulando”, detalha o especialista.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a chance de contrair covid-19 é maior em ambientes cheios e espaços sem ventilação adequada onde as pessoas passam longos períodos de tempo próximas umas das outras. "Esses ambientes são onde o vírus parece se espalhar por gotículas respiratórias ou aerossóis de forma mais eficiente, por isso, tomar precauções é ainda mais importante”, alertou o órgão. O uso de máscaras é obrigatório nos ônibus, metrôs e trens de São Paulo.
Vecina aponta explica que circular com janelas abertas e sem aglomeração diminuem a possibilidade de contaminação em transportes coletivo. "De preferência, ele não deve levar gente em pé, o que é absolutamente difícil na situação de uma cidade grande como São Paulo."
O período de chegada das estações mais frias oferece ainda mais risco, por conta da necessidade de fechamento de janelas dos ônibus. “É um risco bem elevado porque as pessoas se aglomeram e não há muita ventilação. As janelas teriam que estar abertas para que não houvesse a possibilidade da formação de aerossóis. No calor, isso é mais provável [janelas abertas]. Mas no frio será mais difícil e estamos entrando agora no inverno.”
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"Esses ambientes são onde o vírus parece se espalhar por gotículas respiratórias ou aerossóis de forma mais eficiente, por isso, tomar precauções é ainda mais importante”, alertou o órgão.
Depois de passar 28 dias em fase emergencial, o estado de São Paulo entrou, na segunda-feira (12) na fase vermelha do Plano São Paulo, que regula a retomada das atividades econômicas. Somente serviços considerados essenciais podem funcionar. Apesar das restrições, o transporte público coletivo em São Paulo continua superlotado.
“As atividades que foram mantidas [na fase vermelha] são suficientes para manter o transporte cheio. Temos a construção civil funcionando. E a construção civil movimenta mais de 150 mil trabalhadores todos os dias na cidade de São Paulo. Tem muita atividade, e que não necessariamente pode ser considerada essencial, que ainda está mantida”, avalia Vecina.
Na pandemia, seria necessário que a ventilação no transporte público fosse aumentada e que fossem desenvolvidos mecanismos para evitar a aglomeração de pessoas, com os passageiros, preferencialmente, todos sentados. Não é a relidade na capital paulista.
Vecina cita a suspensão do transporte em Araraquara, no interior do estado, como exemplo. “O sucesso do lockdown em Araraquara foi suspender o transporte coletivo e intermunicipal. Se [a prefeitura de Araraquara] não tivesse suspendido o transporte coletivo e intermunicipal – e eles fizeram essa suspensão por uma semana, eles não teriam tido o sucesso que tiveram na redução de casos e de mortes [por covid-19]”, destacou. “Uma coisa é ser difícil. Outra é ser impossível. Se você tiver inteligência suficiente no governo municipal, haveria possibilidade de propor algum tipo de alternativa, com certeza”, falou.
Redução de trens
Além de uma ventilação mais adequada, o transporte público deveria promover outra adequação neste momento de pandemia, que é aumentar o número de veículos disponíveis para evitar que as pessoas se aglomerem dentro deles. No entanto, o que se observou no Metrô de São Paulo nesse período foi o oposto: o número de trens em circulação caiu, mesmo no período de pico.
Houve reduação no número de trens em circulação e aumentou o tempo de espera nas plataformas. Exatamente no momento em que o distanciamento entre as pessoas precisa ser maior. Mesmo o governo paulista negando que tenha ocorrido diminuição no Metrô, o Relatório Integrado Anual Metrô, divulgado no Portal da Transparência da companhia, demonstra que houve queda.
Na Linha 1-Azul, por exemplo, o número de trens em operação no horário de pico passou de 41 para 36 entre os anos de 2019 e 2020. Já na linha 2-verde, foi de 27 para 19. Na Linha 3-Vermelha, que costuma ficar mais cheia diariamente, o total de trens em operação no ano passado foi de 38 no horário de pico, contra 41 que circulavam em 2019.
Para o médico sanitarista, a única solução para, de fato, diminuir a quantidade de pessoas aglomeradas no Metrô durante a pandemia é restringir a circulação. “Não vejo como diminuir o número de pessoas no transporte coletivo sem reduzir a atividade econômica. Não tem como. O transporte público na cidade já é um transporte colapsado por si. Ele é inferior à demanda. Isso é nítido”. “Transporte público é a única alternativa [para muitas pessoas]. Ônibus, trem e metrô são uma obrigação. A única alternativa é diminuir a atividade econômica e aumentar a frequência [número de vezes que esses veículos passam]. Mas estão fazendo justamente o contrário”, criticou.
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos não explicou porque o número de trens foi diminuído no período. Mas informou que, para prevenir os casos de covid-19 no transporte público, está fazendo a Operação Monitorada, que atua com avaliação sistemática a cada faixa de horário, para atender a necessidade do cidadão.
“Lembrando que o sistema de trilhos foi projetado e construído para transportar alto fluxo de pessoas da origem ao destino, aglomerado de pessoas em grandes escalas. Em março de 2020 a demanda chegou a cair 80% em relação a um dia normal e na semana passada – último dado disponível - a queda era de 61% na média entre as três empresas - Metrô, CPTM [trens] e EMTU [ônibus entre a região metropolitana]. Antes da pandemia, as empresas transportavam juntas cerca de 10,5 milhões de passageiros por dia”, informou.
Escalonamento
Para tentar diminuir o número de passageiros circulando no horário de pico, o governo paulista chegou a sugerir um escalonamento de horário. Os horários indicados são de entrada ao trabalho das 5h às 7h para profissionais da indústria, 7h às 9h para os de serviços, e das 9h às 11h para os trabalhadores do comércio. A medida, no entanto, é apenas uma recomendação, que ainda não tem sido cumprida.
“O escalonamento é uma boa ideia. Mas as pessoas têm que assumir [essa ideia]. Mas ninguém mudou o horário de início de trabalho ou de saída do trabalho. Seria mais uma boa possibilidade para você colocar nessa cesta de possibilidades para conseguir controlar o uso do transporte coletivo. Mas teria que ser algo mais duro [uma obrigação]”, falou Vecina.
Espere o próximo, se puder
A lotação e a aglomeração no transporte público se tornaram também uma preocupação do governo federal. Esta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o governo pretende lançar um protocolo com orien Campanha nacional tações para o transporte público. Em encontro com os jornalistas, o ministro da Saúde cobrou disciplina e uso de máscaras por quem utiliza transporte público, como forma de evitar ainda mais a disseminação do novo coronavírus.
Segundo Vecina, embora a melhoria nas condições para a prevenção da covid-19 no transporte público seja responsabiliadade dos governos, individualmente, a pessoa pode tomar algumas atitudes para diminuir os riscos de ser infectada. “Individualmente, cada um de nós pode melhorar a vida, com certeza. Por exemplo, usar uma máscara mais eficaz. Uma máscara de três camadas de pano ou uma máscara N95 bem ajustada à face. Outra questão é: se o ônibus passa muito cheio, espere o próximo, se você puder”, alertou.