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Cury diz que se arrepende de 'gesto inadequado', mas nega crime

Deputado estadual apresentou defesa no processo em que é acusado de importunação sexual. Ele concedeu entrevista ao R7

São Paulo|Plínio Aguiar, do R7

O deputado estadual Fernando Cury (Cidadania-SP)
O deputado estadual Fernando Cury (Cidadania-SP)

Em sua primeira entrevista exclusiva após retomar o mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo, do qual foi suspenso devido a processo de acusação de importunação sexual, Fernando Cury (Cidadania-SP) pede desculpas à deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), afirma que se arrepende do que chama de “gesto inadequado”, mas afirma que não houve crime.

O caso ocorreu na sessão extraordinária de 16 de dezembro de 2020 e foi registrado pelas câmeras da Assembleia. Imagens mostram o momento em que Cury dá um abraço na deputada por trás, com a mão direita na lateral do corpo dela. O episódio levou à suspensão de 180 dias do mandato do parlamentar, que retornou ao cargo no dia 6 de outubro.

Cury avalia o episódio como o mais triste de toda a sua vida, mas que, ainda sim, trouxe aprendizados, em que destaca a mudança de como cumprimentar as pessoas — ele conta, inclusive, que durante o período de afastamento do mandato estudou a “questão do machismo e do patriarcado”.

Na última segunda-feira (1º), o parlamentar apresentou sua defesa prévia no processo em que responde, no Tribunal de Justiça de São Paulo, por importunação sexual — de acordo com o Código Penal, o crime se dá a partir do momento em que se pratica contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, com pena de um a cinco anos de prisão.


No documento, a defesa de Cury apresenta perícia inédita feita por Edmundo Braun, técnico que já trabalhou para o TJ e o MP (Ministério Público). Em suas considerações finais, a peça argumenta que o parlamentar não teve o propósito de assediar sexualmente a deputada, que não houve má-fé nem intenção libidinosa. Diz ainda que não ocorreu toque em regiões de maior intimidade nem crime de importunação sexual.

O perito afirma que, em relação a Isa, “não há aspectos ou elementos técnicos que permitem afirmar que houve apalpação ou encoxada”. Ele acrescenta: “Se houve um toque na região da lateral direita (cintura), ele ocorreu sem pressão, de forma tão leve que no momento não foi ao menos percebido pela deputada, que não esboçou uma mínima reação para o seu lado direito (lado da pretensa apalpação/toque)”.


Cury vai enfrentar a análise do caso pela Executiva Estadual do Cidadania, seu partido. A expectativa é que o órgão valide a expulsão do parlamentar, que já conversou com ao menos cinco partidos. O deputado expõe ainda seu apoio à pré-candidatura de Rodrigo Garcia (PSDB), o atual vice-governador, para o comando do estado paulista e diz acreditar que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é uma pessoa bem-intencionada.

Confira, abaixo, a entrevista com o deputado estadual Fernando Cury:


O senhor teve o mandato suspenso por seis meses pelo episódio ocorrido em sessão da Alesp em dezembro de 2020, em que a deputada Isa Penna (PSOL) o acusou de assédio. Imagens mostram o senhor conversando com deputados num clima amistoso e, na sequência, o senhor se dirige até a deputada e a abraça. A parlamentar, por sua vez, o repele duas vezes. O que aconteceu? Qual foi o seu pensamento antes de tomar essa atitude?

Em primeiro lugar, eu reconheço, sim, que foi um gesto inadequado, mas que não teve nenhuma intenção de qualquer contato sexual. Inclusive, ontem foi o prazo para que eu entregasse a minha defesa prévia no Tribunal de Justiça de São Paulo e isso foi feito. Eu vou mostrar que nunca houve crime. Houve, sim, da minha parte, o gesto inadequado, mas que não teve nenhuma intenção em momento algum de qualquer contato sexual. Eu estou bastante confiante na Justiça, de que realmente vamos ter a oportunidade de demonstrar que nunca houve crime.

No período do meu afastamento, a deputada disse que eu estava foragido, mas o que aconteceu foi talvez um desencontro do oficial de Justiça, porque ele me procurou a princípio para fazer uma notificação e não me encontrou. Mas eu sempre fiquei à disposição da Justiça, tanto é que, quando eu voltei para o meu mandato e meu escritório começou a funcionar normalmente, ele marcou para que pudesse vir aqui e eu assinar a notificação.

Sobre o episódio, queria te dizer que nós estávamos ali naquela madrugada do dia 16 para o dia 17. Nós estávamos conversando, eu com outros deputados, sobre projetos que estavam sendo votados naquele momento, como a reforma administrativa e o Orçamento de 2021, entre outros assuntos.

E a minha ida até o presidente Cauê [Macris, do PSDB, então presidente da Assembleia] era justamente para pedir maior celeridade na sessão, haja vista que era tarde da noite. Nós tínhamos alinhamento em cima de alguns projetos, que estavam sendo discutidos, e com possibilidade de esse alinhamento não ser cumprido. Então me desloquei da conversa com os deputados para conversar com o presidente Cauê e, nesse momento, interrompi a conversa da deputada Isa Penna com o presidente Cauê.

O senhor disse que a sua ida até o presidente Cauê era para pedir celeridade na sessão. Antes disso, o senhor estava com os colegas num clima descontraído.

Na verdade, tinha sido um ano bastante difícil para todos nós. Nós aprovamos a reforma da Previdência, reforma administrativa, todo o trabalho que fizemos em relação à pandemia, que por si só já foi uma dificuldade muito grande. A última sessão já estava naquele ambiente de vamos terminar, para podermos voltar para casa, enfim. Esse clima de última sessão é o do último dia de trabalho.

O vídeo mostra de forma clara o senhor abraçando a deputada de lado, colocando a mão direita em seu corpo, na altura da região próxima ao seio e às costelas. Onde o senhor a tocou?

A própria deputada disse isso em depoimento ao Ministério Público, em que me acusou de importunação sexual. Ela disse que foi um toque muito leve, muito rápido e nas costelas. O crime de importunação sexual só existe quando você tem a intenção de satisfazer o próprio prazer pessoal sexual ou proporcionar prazer sexual a uma terceira pessoa. Tem que existir o que a gente chama de ato libidinoso, de fazer a própria lascívia, e isso, evidentemente, as perícias comprovam, não ocorreu naquela madrugada.

Hoje o senhor avalia o fato de forma diferente em relação a como o enxergou na ocasião?

Eu sou descendente de árabe, de libanês, e temos isso de abraçar, de beijar, de tocar. Sempre foi muito normal. Agora, a partir desse episódio, vi que boa parte das pessoas, boa parte das mulheres não permite que isso aconteça. Foi um momento muito difícil para mim, mas mesmo nesses momentos difíceis a gente tem condição de tirar bons frutos, bons aprendizados. Eu estudei a questão do machismo, do patriarcado.

Agora eu preciso rever a minha forma de como abraçar as pessoas, de cumprimentá-las, e fazer isso com quem eu realmente tenho intimidade. Evidentemente que eu conheço a deputada Isa Penna. Ela, inclusive, disse que não me conhecia, que não sabia nem meu nome. Não é verdade. Se você olhar o vídeo, eu conversei com ela naquele dia. Ela sabe quem eu sou, me conhece, somos colegas de Parlamento. Lógico que não é grande amiga, não é uma pessoa próxima, mas ela sabia quem eu sou.

Eu acredito que esse episódio me trouxe bons aprendizados. Foi muito triste, não queria ter passado por isso. Me solidarizo com a deputada Isa Penna, já pedi desculpas e volto a pedir desculpas. Foi difícil para os meus pares na Assembleia Legislativa e para minha família.

Agora, essa política do cancelamento, essa lacração, principalmente nessa polarização que a gente vive, essa questão ideológica da esquerda, criando narrativa, buscando maior engajamento político... Recentemente tivemos o episódio do Maurício, atleta de vôlei. O que dizer, o tribunal inquisitório das redes sociais é muito pesado. Grande parte da imprensa também. É um julgamento, uma condenação, sem nenhum tipo de processo em andamento.

E, se você olhar esse caso como um todo, é cercado de contradições, de diferentes versões, inclusive da própria deputada, que no depoimento do Ministério Público disse que não houve toque no seio, que foi um toque muito rápido nas costelas e, nas redes sociais, outro, talvez buscando um engajamento político maior. Lógico que eu entendo todo esse episódio e me solidarizo com a deputada, reconhecendo que foi um gesto inadequado da minha parte, mas que não houve nenhum crime de importunação sexual.

Fernando Cury
Fernando Cury

O senhor diz que foi um ato inoportuno e inadequado, então por que ainda assim o fez? Qual foi o pensamento antes da atitude? O senhor pensou se isso geraria algum incômodo para a deputada?

Eu confesso que não. Eu fui ali para conversar com o presidente e, como consequência, acabei interrompendo a conversa da deputada com o presidente. É uma coisa do momento, não [se] pensa nem antes nem depois, vou fazer, não vou fazer, vou interromper, não vou interromper. Foi o momento, não foi uma coisa pensada, nada disso.

Em coletiva, a parlamentar informou que o senhor exalava álcool. O senhor bebeu durante a sessão na Alesp?

Isso não é verdade. É possível observar que nós dois estávamos de máscara. Como é que alguém consegue sentir ou exalar cheiro de bebida? Isso faz parte da política do cancelamento, da criação de uma narrativa. Não sei se pela deputada ou pela imprensa, mas não houve nada disso.

Renata Cury, sua esposa, pronunciou-se nas redes sociais em apoio ao senhor e confrontando Isa Penna, criticando quem denuncia assédio e contando que, inclusive, já sofreu assédio. Meses depois da publicação, ela se arrepende? O texto foi bastante criticado, uma vez responsabiliza a deputada.

A minha família, e evidentemente a família da deputada Isa Penna, sofreu. A Renata foi o meu esteio, foi quem me segurou no colo durante todo esse período. Ela sofreu muito, ela foi perseguida e violentada nas redes sociais também. Pessoas que nem a conheciam foram em suas redes para xingar. Ela foi se manifestar quatro meses após o episódio e explicitou a opinião dela, como tantas outras opinaram.

E ela mantém a opinião?

Ela mantém. Nunca mais conversamos sobre o texto em si, mas ela já se manifestou em outros encontros nessa linha.

O episódio como um todo ainda é debatido?

Sim. A gente reconhece que foi um gesto inadequado, que foi um episódio muito triste também, sobre como vamos falar disso com as crianças, que são muito novas.

O senhor conversou com seus filhos de 7 anos e 5 anos sobre o que aconteceu?

A Renata já conversou um pouco com o Fernando, obviamente não de fato sobre o assunto porque ele é muito pequeno, mas isso é uma coisa com que vamos deparar daqui a um tempo e vou explicar tudo certinho e como aconteceu. Eles conhecem o pai deles. No momento oportuno e na idade correta, com maior discernimento das coisas, vamos ter um papo aberto.

O senhor se arrepende?

Claro. Foi o momento mais triste em toda a minha vida. Isso vai levar marcas por toda a minha vida. Se eu tivesse oportunidade, não teria feito o gesto. Claro que não foi uma coisa pensada. Eu me arrependo de ter feito, embora não tenha tido crime nenhum, e vou demonstrar isso na Justiça, trouxe muito sofrimento — para Isa, os pares, as famílias e pessoas envolvidas.

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Após 180 dias suspenso, o senhor retornou ao seu mandato em 6 de outubro. A suspensão se deu de forma unânime, com 86 votos, o que representou de certa forma uma vitória para Isa Penna. A sua relação com os outros colegas mudou?

Eu não esperava nada diferente disso. A minha volta se deu da forma mais tranquila possível, num clima tranquilo, porque eu fui condenado e cumpri a minha pena. Ainda que pese, e eu me sinto perseguido pela própria deputada. Ela tinha dito que eu estava foragido. Ela foi requentar um assunto, porque em quatro oportunidades a Justiça não me encontrou. Eu estava afastado, meu escritório não estava funcionando. Eu não tinha equipe. Nos primeiros dias após minha volta, fizeram contato com meu escritório e eu fui encontrado.

Por que então o senhor não foi antes e se apresentou?

A prerrogativa da notificação é da Justiça.

O senhor pediu desculpas à deputada? O senhor a encontrou após o seu retorno?

Não tive a oportunidade de ver a deputada Isa Penna desde o dia 17 de dezembro. Mas eu pedi desculpas diversas vezes, na tribuna, no Conselho de Ética, em plenário.

O senhor, desde que retornou no mês passado, não apresentou projeto de lei. Há a construção de algum projeto relacionado ao episódio?

Eu quero, sim, ter a oportunidade de usar o meu mandato e minha atuação política para fazer trabalho em prol das mulheres, contra a violência doméstica e sexual. Eu sempre respeitei as mulheres. Em todo o meu histórico de vida nunca tive nenhum processo, até os meus 42 anos de idade, até o dia 17 de dezembro. Eu não tenho nada que desabone a minha conduta a não ser esse episódio que durou dois segundos. Mas quero contribuir, sim, com muita cautela para não aparecer oportunismo político.

Eu fiquei afastado e não tinha força do meu mandato. Mas, agora, pretendo fazer isso e estou preparando algumas coisas. Nesta semana vou ter uma reunião importante porque quero contribuir com a pauta. Tive encontro com lideranças feministas no período também.

A minha ideia é discutir políticas públicas, inclusive em projetos que estão tramitando na Casa, em ser um parceiro da causa. Quero dar contribuição mais efetiva, no sentido de construir na ponta, na cidade, por meio de entidades e associações, trazendo recursos.

Como o senhor avalia o problema da importunação sexual e assédio contra mulheres no Brasil, inclusive, no cenário político?

É difícil. A gente vive, inconsciente ou conscientemente, numa sociedade que em grande parte é machista. Eu venho de uma geração mais machista, e a gente está aprendendo a lidar com isso. Na política não é diferente. Nós temos muito mais homens do que mulheres.

Mas as mulheres vêm ganhando espaço. Primeiro na quantidade de cargos e, segundo, na qualidade da atuação. A gente tem evoluído, mas tem muito a crescer. Avanços estão sendo feitos. A Assembleia inclusive aprovou um projeto importante da própria deputada Isa Penna nesse sentido. O espaço tem não só aumentado, mas qualificado.

Como está sua relação com o seu partido, o Cidadania?

Eu confesso que fiquei muito triste com meu partido. Eu tenho uma história com a legenda desde 2009. A minha primeira eleição foi dentro do Cidadania. Agora, o partido também me julgou e condenou sem oportunidade de defesa. Eu fui cerceado no meu direito de me defender, de apresentar as testemunhas. Eu tive que buscar esse direito na Justiça.

O Conselho de Ética Nacional fez parecer recomendando a expulsão, que foi encaminhado para a Executiva Estadual, que vai avaliar o caso e dar a palavra final. A expectativa é que, constituído o rito processual e de forma transparente, a expulsão [ocorra] nos próximos dias.

E em qual partido vai se filiar?

Eu tive conversas com diversos deputados e partidos. Ainda são conversas superficiais. Estou focado na minha volta, no meu trabalho e, no momento oportuno, eu penso sobre partido.

Eu pergunto isso por causa das eleições de 2022. O senhor será candidato novamente?

Hoje faltam praticamente 11 meses para a eleição. Muita água para passar debaixo da ponte. Estou pensando no meu mandato parlamentar. Isso vou deixar para pensar no ano que vem, pouco mais próximo das eleições.

As eleições já estão sendo discutidas. Quem o senhor apoia como pré-candidato ao governo de São Paulo?

Rodrigo Garcia.

E para a Presidência?

Está tudo indeciso. Confesso que faço parte [do grupo] daqueles que estão indecisos, até porque eu preciso saber para onde vou, com quem o meu partido vai caminhar, isso depende de uma questão partidária também. Então não tenho posição firmada ainda.

Qual sua avaliação sobre Bolsonaro?

O país está vivendo um momento muito difícil, uma polarização política muito grande, uma rivalidade, que eu acho que a gente precisa fazer com que os ânimos se apaziguem e temos muito a evoluir ainda. Eu acho que o governo, como todos os que o antecederam, tem seus altos e baixos, erros e acertos.

E sobre o presidente Bolsonaro?

Eu quero crer que ele é uma pessoa que acorda e dorme pensando em ajudar o país, pensando em dar o melhor de si. Como governo, tem erros e acertos, mas o que eu quero acreditar [é que] não só ele, mas toda pessoa pública que exerce mandato, sempre acorda e dorme pensando em acertar, em melhorar a vida das pessoas. Eu quero acreditar que ele é uma pessoa que está se esforçando ao máximo para fazer um bom governo. Se ele está fazendo ou não, a população vai poder avaliar nas urnas no ano que vem. Mas eu quero acreditar que ele é uma pessoa bem-intencionada.

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