Em busca de trocados, pessoas sobrevivem no fechar do semáforo
Com malabarismo, pedindo ou limpando vidros de carros que aguardam o sinal verde, pessoas complementam renda ou vivem da doação de motoristas
São Paulo|Kaique Dalapola, do R7
Walter Silva, de 20 anos, sai do Jardim Imperador, na zona leste de São Paulo, e caminha mais de duas horas para limpar parabrisas de carros que param em um dos faróis embaixo do elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, no centro.
Leia também: Caminho do Lixo: garis recolhem 20 mil kg e percorrem 10 km por dia
Nem sempre ele está no mesmo lugar. Na última quinta-feira (7), estava no cruzamento da avenida São João com a alameda Nothmann. Com jeito tímido, sem se aproximar muito dos carros, ele mostra o pano e a garrafa com água e oferece o serviço, antes de pedir dinheiro. Poucas pessoas dão atenção.
Alguns motoristas, quando veem a aproximação do jovem, fecham o vidro. No entanto, segundo ele, “no geral, as pessoas tratam bem. Só algumas que não tratam”. Walter não tem nenhum ponto fixo para ficar, mas chega cedo todos os dias para o trabalho.
Segundo o sociologo Nivaldo Correia da Silva, professor da Fundec (Fundação Dracenense de Educação e Cultura), há dificuldades para os motoristas reconhecerem as pessoas que trabalham no fechar do farol principalmente por terem realidades diferentes e serem “socialmente invisibilizadas”.
Walter conta que não dá para precisar quantas pessoas aceitam a limpeza ou o ajudam ao longo do dia, mas é “em torno de uns 20”. Sempre com moedas e raramente surgem algumas notas de dois ou cinco reais. Não passa disso.
De acordo com o professor, a violência urbana faz com que as pessoas já estejam com medo, mesmo com as pessoas que estão trabalhando. “Todo estereótipo construído e a questão do racismo, além de ser um trabalho invisibilizado, contribuem para este tipo de trabalho não ser reconhecido”.
Em outro ponto da cidade, com grande movimento de vendedores, artistas e pedintes nos faróis, a aposentada Sara, 52 anos, pede ajuda para complementar sua renda familiar no cruzamento entre a rua Estados Unidos e a avenida Nove de Julho, nos Jardins.
Veja mais: Com carroça do pai, catador rala para fazer R$ 10 por dia em SP
Sara é cega e conta com a ajuda da amiga Dora, 39 anos, para ir até o carro falar por que está pedindo dinheiro. Elas são moradoras de Santana, na zona norte da capital, e saem de casa diariamente por volta das 5h para pedir ajuda em diferentes faróis, principalmente na região central.
“Quando a gente tem esses problemas [de ser cega], fica ainda mais difícil. As empresas contratam pessoas com deficiência visual, mas nunca quando perdeu totalmente a visão, como é o meu caso. Fica ainda mais difícil quando é uma pessoa que não tem muita intimidade com computadores e essas coisas”, conta Vera.
Ela afirma que o dinheiro que consegue no semáforo ajuda na renda de sua casa, que conta com o salário que ela recebe por conta da deficiência. “O aluguel é caro, também tenho que ajudar meus filhos e criar um neto. Além disso, tenho um filho internado em clínica de recuperação, então preciso trabalhar para ganhar uma renda extra”, explica.
Leia também
Uma esquina depois, sentido centro pela avenida Nove de Julho, está João dos Santos, 25 anos. Ele é malabarista desde a infância e se apresenta para os motoristas. “No começo, quando eu era criança e ainda estava aprendendo, fazia com três bolinhas, agora já faço com cinco, seis”, conta.
O rapaz mora com a tia, em Santo Amaro, na zona sul, sai cedo todos os dias e vai de ônibus até o semáforo que faz malabarismo. Ela conta que começou ganhar o primeiro dinheiro ainda quando era criança e, sozinho, aprendeu a arte.
João fica um pouco para frente da faixa de pedestre, próximo ao carro da faixo do meio que espera a abertura do semáforo. Ele faz o malabarismo e, faltando pouco tempo para o semáforo abrir, passa o chapéu para o público, no caso, os motoristas.