Com carroça do pai, catador rala para fazer R$ 10 por dia em SP
Segundo Prefeitura, 87 mil toneladas de recicláveis foram recolhidos em 2017. Cerca de 90% dos materiais é coletado por catadores, diz ONG
São Paulo|Kaique Dalapola, do R7
Carroça para trabalhar, calçada para dormir, comidas e bebidas. Essas são algumas das coisas que Alexandre Henrique da Conceição Silva, 35 anos, faz questão de compartilhar com os companheiros de rua. Ele faz parte dos cerca de 20 mil carroceiros estimados pelas cooperativas de reciclagens em São Paulo.
É com a carroça do pai que Alexandre trabalha diariamente fazendo a coleta de materiais recicláveis em várias ruas do centro de São Paulo, para vender os materiais e conseguir uma renda diária de cerca de R$ 10. No entanto, segundo ele, “às vezes tem umas mudanças [pessoas trocando de residência] e rende uns 30, 40 reais”.
Toda a renda feita por Alexandre e seus outros seis companheiros de calçada é dividida. Eles usam o dinheiro para tomar banho em algum hotel na região, comer e comprar bebidas alcoólicas. Na situação de rua, Alexandre acredita que a cachaça é um dos auxílios na sobrevivência.
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As cooperativas destacam que os catadores de materiais recicláveis precisam resistir, porque são fundamentais para a limpeza da cidade. Os dados oficiais da Prefeitura de São Paulo mostram que mais 87 mil toneladas de resíduos recicláveis foram recolhidos na cidade em 2017. Só no primeiro semestre deste ano, ainda de acordo com as informações da prefeitura, já foram 38 mil toneladas de materiais recicláveis recolhidos.
Segundo o coordenador de comunicação do movimento Pimp My Carroça, João Bourroul, a "maioria esmagadora" dos recicláveis coletados em uma grande metrópole como São Paulo foram pelas mãos dos carroceiros. "A gente recicla muito pouco, mas cerca de 90% do que é reciclado foi coletado pelos catadores", diz.
Bourroul integra o movimento Pimp My Carroça, que é um coletivo que reúne artistas que estilizam os carros de coleta de recicláveis em algumas cidades do país, sobretudo na capital paulista.
Desde o início do Pimp My Carroça, em 2012, o movimento afirma que já atendeu mais de 1.400 catadores, mobilizou 1.200 artistas que fazem grafites, contou com apoio de cerca de 2.000 voluntários e revitalizou 10 cooperativas.
"No começo a gente brigava pela visibilidade dos catadores, agora lutamos também para que eles tenha uma rentabilidade com o trabalho que fazem", diz Bourroul.
A mesma luta do movimento, é a de Alexandre. Ele era morador da parte de baixo do prédio do Largo do Paissandu, que incendiou e desabou no dia 1º de maio deste ano. Desde a tragédia, ele fica migrando entre as calçadas do centro, na tentativa de escapar da prefeitura — que faz as limpezas e recolhem as carroças que obstruem as vias — e conseguir espaços cobertos para dormir. A carroça também carrega as roupas e pertences pessoais de Alexandre e dos companheiros.
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A queda do prédio ainda sensibiliza o carroceiro, de olhar triste e sem perspectivas. “É lógico que continuo triste, tudo mudou com a tragédia”. A rotina também mudou porque João Silva, pai de Alexandre, machucou a mão e parou de trabalhar com a carroça. Hoje, sobrevive em uma outra ocupação na região central.
João, que não quis falar com a reportagem, disse que espera tempos melhores para conversar. “Estou sem dinheiro, não consigo trabalhar, e nem sei o que vou comer mais tarde”, conta mostrando a sacola com um refrigerante Dolly guaraná de dois litros e um saco de pães, que estava levando para a família se alimentar à tarde.
Alexandre mora no centro paulistano há 10 anos por causa do pai. Reticente, o carroceiro usa poucas palavras para contar sua história. O pouco que fala, diz que morava na região de Parelheiros, extremo da zona sul de São Paulo, e tinha uma casa.
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“Abandonei tudo e vim para cá. Não tem motivo, eu só saí de lá para morar no centro, desentendia muito com a mulher”, conta. Quando fala do assunto, Alexandre tenta desconversar e fala que foi para o centro por causa da família.
Ele também fica acanhado para falar se está arrependido da mudança: “Eu não fico pensando nisso, só vou vivendo, estamos aqui, agora não tem como pensar o que poderia ter feito”. Praticamente a mesma resposta é dada quando é para falar sobre as perspectivas. “Não tem como pensar no futuro, temos que fazer hoje”, diz.
Alexandre atua de forma independente e não faz parte dos 1.200 catadores que trabalham sob controle do município, segundo a Prefeitura de São Paulo. Esses trabalhadores controlados atuam em 24 cooperativas habilitadas na cidade. Segundo a prefeitura, os resíduos recicláveis são levados às Centrais Mecanizadas de Triagem e cooperativas para vender e gerar de renda para esses os coletores.
É vivendo um dia de cada vez, sem planejamento, que Alexandre passa pelas calçadas e tenta se organizar minimamente para arrumar a carroça. No dia 5 de outubro, quando a reportagem passou com o carroceiro, o momento dele era na calçada da avenida São Paulo, dividindo a cachaça Corote com os companheiros e esperando a noite chegar.
Aplicativo de coleta
Desde julho do ano passado, a tecnologia chegou ainda com mais força para auxiliar os catadores de materiais recicláveis. O Pimp My Carroça lançou um aplicativo para Android e iOS que tem como objetivo, segundo o movimento, aproximar a pessoa que gerou o resíduo com o catador de material reciclável.
O app Cataki disponibiliza um mata, com informações de catadores de materiais recicláveis mais próximo de onde a pessoa que gerou o resíduo está. "Se a pessoa faz uma festa, ela pode colocar o resíduo que produziu na festa em uma sacola e colocar no portão de casa, ou pode acionar um catador para fazer a coleta", explica Bourroul.
O aplicativo tem cerca de 900 catadores de materiais recicláveis cadastrados. Todos eles aparecem com nome, apelido (se tiver), quais materiais coletam, uma frase que o próprio catador coloca, a região onde atua e a história de vida. O cadastro ainda indica o telefone para contato e se ele utiliza uma carroça grafitada pelo movimento. Com isso, a pessoa que quer descartar o material consegue ligar para o carroceiro e marcar para ele fazer a coleta.
O catador recolhe o material reciclável e costuma vender em ferro-velhos. "A pessoa que chama o catador não é obrigado a pagar, mas a gente estimula as pessoas a pagarem porque é um serviço público, então a gente fala para eles negociarem olho a olho", diz o coordenador do Pimp My Carroça.
Um dos cadastrados é o potiguar Lucena Rodrigues de Souza, 32 anos. Ele atua como carroceiro em várias regiões de São Paulo, entre eles Moema (zona sul), Lapa (zona oeste) e Jardins (centro).
Lucena afirma que cata todo tipo de material, mas diz que gosta mesmo quando pega latinha, que vende por cerca de R$ 3,50 o quilo. Ela também pega muito papelão (que está em torno de R$ 0,25 o quilo) e ferro (R$ 0,40 o quilo).
O carroceiro nasceu no município de São João do Sabugi, a cerca de 300 km da capital do Rio Grande do Norte, Natal. Ele foi abandonado pelos pais e veio para São Paulo com cinco anos de idade.
Aos 8 anos, começou a coletar material reciclável, inspirado em outras pessoas de rua que faziam isso e conseguiam ganhar dinheiro. Hoje, é o sustento dele e desperta até os sonhos de crescer com isso.
"Quero ter uma carroça com motor elétrico movido por energia solar e já estou me organizando para preparar uma televisão para transmitir os jogos da Copa do Mundo do Catar, em 2022, pela minha carroça", diz Lucena, com voz empolgada e esperançosa.
Trabalhando todos os dias, Lucena consegue tirar cerca de R$ 2.500 mensais. Mas para isso precisa de muita organização e foco, pegar todos materiais e ainda dar sorte de aparecer uns "carretos", que, segundo ele, "são quando as pessoas mudam de escritório e paga um pouco mais no nosso dia".
Muito ligado à tecnologia, Lucena diz que mora na carroça, em vários pontos da cidade. "Eu saio andando por onde consigo fazer gambiarras de energia, para conseguir assistir televisão, por que não vivo sem, e sempre quero fazer alguma coisa com luz".