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Especialistas veem falta de vontade política diante de enchentes em SP

Professores sugerem gestões integradas e obras de longo prazo como soluções ao problema que se repete a cada período de verão

São Paulo|Guilherme Padin, do R7

Mesmo com barreira, estabelecimento é afetado pela enchente
Mesmo com barreira, estabelecimento é afetado pela enchente

As enchentes decorrentes das chuvas de verão em São Paulo, que se repetem ano a ano também no restante do país, podem ser enfrentadas efetivamente ou, ao menos, ter o efeito mitigado a partir de obras de curto prazo aliadas a um planejamento de longo prazo. Entretanto, na capital paulista, por exemplo, somente metade dos piscinões prometidos foi entregue pela última gestão da prefeitura, que em 2019 utilizou 55% da verba para saneamento básico na cidade.

Já nas duas primeiras semanas do ano, os temporais causaram mortes na capital paulista, deslizamentos na Grande São Paulo e no interior, além dos frequentes pontos de inundação.

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No verão passado, somente entre 1º de dezembro e 12 de fevereiro, aproximadamente 3.000 pessoas ficaram desalojadas e 21 morreram em razão das chuvas.

Para especialistas em urbanismo ouvidos pela reportagem do R7, a postura diante do enfrentamento às inundações em São Paulo é uma questão de falta de vontade política, que abrange seguidas gestões do município – e de outras cidades do Estado, de modo geral – além da atual.


'Tem que haver gestão integrada', diz professora
'Tem que haver gestão integrada', diz professora

“Falta às prefeituras [em São Paulo] um senso de urgência do problema, não somente essa ou a anterior. É um problema que tem solução ou, pelo menos, uma melhoria substancial em relação a hoje”, comenta Angelo Filardo, professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), que prossegue:

“Para resolver o problema, é necessário o empenho da parte dos governantes, mas eles fazem o que a sociedade está achando importante. E parece que a gente só se lembra uma vez por ano das enchentes: quando inunda”.


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Angélica Benatti Alvim, professora e diretora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, entende que a questão ambiental tem que ser tratada de forma integrada, um problema que, para ela, é dessa e de outras gestões. “O próprio planejamento nem sempre é levado adiante, muitas vezes os planos não saem do papel. Para reverter não é fácil, porque tem que ter gestões contínuas nesse sentido”, diz.


Soluções possíveis

Para os dois especialistas, um dos caminhos necessários para se enfrentar as inundações na cidade de São Paulo é aliar obras não estruturais (ou de longo prazo), com investimentos na permeabilização do solo e em áreas verdes, às obras estruturais, como o piscinão, investimento comum entre as gestões da capital paulista.

Angelo Filardo aponta que seria necessário um outro padrão de ocupação de solo na cidade. Isto porque, segundo ele, na maioria dos lotes urbanos paulistanos, o padrão comum é o impermeabilizado: “tudo foi cimentado e pavimentado, nos imóveis, estacionamentos. É um dos fatores que agravaram o problema das enchentes”.

Inundações causam danos no saneamento em SP
Inundações causam danos no saneamento em SP

O professor sugere, ainda, que se busque incentivos tributários a proprietários de imóveis que recuperarem áreas permeáveis em seus lotes – “como um pouco menos de IPTU a se pagar quando for uma área permeável, e um pouco a mais se não tiver”.

Para ele, a inclusão de medidas de longo prazo, como lidar melhor com o reuso de água, garantir permeabilidade do solo em áreas públicas e privadas e investir em áreas verdes, são essenciais no enfrentamento às enchentes na cidade. A ideia é endossada pela professora Angélica Benatti.

Benatti destaca, ainda, que seria de suma importância pensar os planos da cidade de São Paulo de enfrentamento às enchentes junto aos de outros municípios da região: “tem que haver uma gestão integrada, um trabalho de articulação dos municípios a partir das bacias hidrográficas pra controlar as enchentes, porque não é um problema do município”.

O olhar das gestões deve ser sobre a bacia hidrográfica, prossegue a professora, que ressalta que o modelo de planejamento paulistano é municipal, e não metropolitano ou regional a partir da bacia.

Piscinões

Piscinão é uma das soluções mais comuns entre as seguidas gestões em SP
Piscinão é uma das soluções mais comuns entre as seguidas gestões em SP

A respeito dos piscinões, os professores divergem. Benatti acredita se tratar de uma solução que deve ser revista – e da qual não é partidária. O que é importante, segundo a professora, “é que o planejamento da cidade seja combinado entre ações estruturais e não estruturais. Além disso, piscinão, quando está vazio, é um vetor de disseminação de doenças”.

Ao sugerir o investimento em obras não estruturais e de drenagem urbana e macrodrenagem, ela afirma que “ou a prefeitura assume a questão ambiental como central para pensar de forma sistêmica, e pensando na concepção de uma cidade com maior qualidade de vida, ou não vamos conseguir combater nunca. Porque piscinão já fizemos vários”.

Já para Filardo, piscinões são obras necessárias e que podem contribuir neste processo, mas com a ressalva de que devem ter seu conceito revisado: estas obras são impopulares, segundo ele, porque ocupam a área livre de um bairro, que poderia ser usada para outros equipamentos públicos, e tornam-se uma “grande banheira de água suja”.

Ele nota, para esta e as próximas gestões da cidade, que é preciso rever o conceito dos piscinões e da detenção de vazões. “É sempre bem-vindo rever projeto de piscinões que estão postos. E mesmo pensar em reciclagem de piscinões existentes”, diz.

Histórico

O sofrimento com as enchentes na cidade de São Paulo se justifica não somente pelas fortes chuvas como também pela história do município. “Temos um modelo de desenvolvimento histórico que é baseado nessas obras estruturais, que prioriza sistema viário em detrimento aos cursos d’água”, afirma Angélica Benatti.

Professor da FAU, Filardo explica que, resumidamente, São Paulo cresceu suprimindo vegetação e evitando que a água se infiltrasse nos terrenos.

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Este processo, entre o fim do século 19 e o início do 20, se agravou com a canalização dos córregos da cidade, o que, segundo ele, tem um efeito de aumentar a velocidade da água – e em maior quantidade.

“A ocupação urbana tem esse efeito de aumentar a quantidade de água que chega e diminuir o tempo que demora para chegar essa água ao leito dos rios principais. A maneira como isso foi feito em São Paulo agravou muito o efeito de concentração e aumento das vazões de enchente. É um problema conhecido desde a segunda metade do século passado: a ideia de que nós ocupamos de uma maneira errada o sítio urbano”, comenta o professor.

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Prefeitura de São Paulo

Perguntada a respeito da entrega de apenas metade dos piscinões prometidos e a respeito de possíveis obras de longo prazo para a cidade de São Paulo, a prefeitura paulistana não respondeu diretamente a estas questões, mas ressaltou os trabalhos realizados pela última e atual gestão. A administração informou ter encerrado a gestão entre 2017 e 2020 com a entrega de dez piscinões e quatro pôlderes.

A prefeitura paulistana indica ainda que, em janeiro, terminará um piscinão e iniciará a obra de um segundo. Entre outras frentes como zeladoria, monitoramento e ações emergenciais e preventivas, a gestão também apontou que concluiu as obras de canalização em oito córregos da cidade e segue os trabalhos em mais sete.

Entre as obras emergenciais, a gestão pontua que concluiu 13 obras desde 2017: intervenções em ruas e avenidas na cidade, além dos córregos Ipiranga, Tiquatira e Moinho Velho. Por fim, a prefeitura destacou o sistema de monitoramento que está sendo instalado em 23 piscinões e oito túneis da cidade, para centralizar o acompanhamento de chuvas, drenagem, operação dos reservatórios e escoamento da água.

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