Guarulhos quer status de 'cidade fronteira' e verba extra para atender refugiados
Prefeito Guti protocolou ofício em Brasília em busca de ajuda com refugiados que chegam ao aeroporto internacional de SP
São Paulo|Lucas Ferreira, do R7
O prefeito de Guarulhos, Gustavo Henric Costa (PSD), o Guti, protocolou na última semana um pedido ao Ministério de Portos e Aeroportos para tornar o município paulista uma cidade de fronteira. O ofício foi enviado pelo governante após mais uma onda de chegada de refugiados afegãos ao aeroporto internacional da cidade.
Sem terem para onde ir, homens, mulheres e crianças se espalham pelo terminal à espera de uma vaga em abrigos do município ou em outras cidades da região. Entre pousos e decolagens, estima-se que mais de 30 milhões de passageiros passem anualmente pelo local, chamado de casa pelos refugiados.
Desde agosto de 2022, centenas de imigrantes fogem do Talibã, grupo que reassumiu o controle do Afeganistão em agosto de 2021, e têm o Brasil como um dos seus destinos.
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Segundo o Itamaraty, até 14 de junho, o governo brasileiro autorizou a concessão de 11.576 vistos de acolhida humanitária para cidadãos do Afeganistão. Desse total, 9.003 vistos foram efetivamente entregues aos requerentes.
A cidade de Guarulhos, por sua vez, conta com 177 vagas de acolhimento para imigrantes, 127 delas geridas pela prefeitura. Atualmente, todas essas vagas são ocupadas por refugiados afegãos.
O professor de gestão de pessoas da ESPM, Victor Richarte Martinez, explica, em entrevista ao R7, as vantagens que o município de Guarulhos ganha com o status de cidade de fronteira.
“Tem uma certa aparelhagem que a cidade pode receber por meio da criação de centros [de acolhimento] e, claro, destino de verbas, recursos para atender essa população”, conta Martinez. “Tendo esse aporte financeiro, esse investimento de recursos estaduais e federais, principalmente, pode garantir um acolhimento básico."
Além da questão humanitária, Martinez vê o movimento da Prefeitura de Guarulhos como uma forma de proteger a imagem da cidade diante da mídia nacional.
“Se acontecem problemas sérios com os afegãos no aeroporto, por exemplo, uma doença, uma violação dos direitos humanos, isso se torna também um ponto muito sensível para a gestão municipal”, comenta o especialista.
Atualmente, o cenário no aeroporto de Guarulhos é de abandono para parte dos refugiados. Uma afegã, que não quis se identificar, veio ao país com seu marido para fugir do Talibã e em busca de melhor qualidade de vida. Há 22 dias dentro do terminal, ela diz estar doente e afirma que toma apenas um banho por semana.
“Estou vivendo aqui há 22 dias e ninguém veio aqui para nos ajudar, nos levar daqui [do aeroporto]. E é tão difícil a situação. Eu mesma estou doente. Aqui não temos nada para dormir. E estamos dormindo aqui com muito barulho. Tomamos banho somente uma vez por semana”, disse a refugiada em entrevista à Agência Brasil.
Quem são esses afegãos?
O Talibã retomou o poder no Afeganistão em agosto de 2021, 20 anos após os soldados dos Estados Unidos invadirem o país e derrubarem o grupo radical da capital, Cabul.
A saída depois de duas décadas de missão, planejada por Washington ao longo dos anos, foi considerada um desastre por especialistas. Milhares de afegãos e cidadãos estrangeiros que trabalhavam em Cabul se amontoavam no aeroporto da capital para tentar fugir do país por temer uma represália talibã.
Segundo o Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur, na sigla em inglês), 8 milhões de afegãos deixaram o país após solicitar asilo. Nesse grande grupo, estão pessoas que tinham uma vida estruturada, com profissão sólida no Afeganistão.
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Em entrevista ao R7, a coordenadora do programa de acolhimento e proteção da ONG Adus, Larissa Teixeira, explica que a falta de locais públicos para receber refugiados faz com que juízes e médicos afegãos dividam acomodações com pessoas em situação de rua em abrigos no Brasil.
“Os abrigos para a população imigrante estão superlotados. Qual é o caso atual? A gente vê refugiados ficando em abrigos destinados à população de rua. A gente sabe muito bem que são populações diferentes, populações com demandas distintas”, destaca Teixeira.
O diretor da ONG Planeta de TODOS, André Naddeo, afirma que os afegãos têm optado pelo Brasil pela facilidade de conseguir o visto humanitário. Apesar de a Europa ser mais próxima do Afeganistão, entrar no Velho Continente, muitas vezes, pode custar a vida.
“O perfil dessas pessoas, você pode imaginar, não é qualquer um que tem dinheiro para vir para o Brasil. Todos os custos são das pessoas: visto, trâmite burocrático, passagem aérea. Estas pessoas estão em um limite tão grande de querer escapar que, quando elas souberam dos vistos humanitários mais fáceis no Brasil, preferiram vir para cá a tentar rotas inseguras na Europa”, conta Naddeo.
Grupos humanitários, como a Adus, têm auxiliado os afegãos a dar os primeiros passos do outro lado do mundo. São em ONGs como essa que os refugiados são direcionados para a emissão dos primeiros documentos, oportunidades de emprego e até aprendem o português.
Apesar de o Brasil prover uma série de serviços públicos gratuitos, tanto a coordenadora da Adus quanto o diretor da Planeta de TODOS afirmam que muitos afegãos decidem sair do país e se arriscam, até mesmo com coiotes, por rotas que levem até os Estados Unidos.
“É muito triste, porque a gente vê situações de família com crianças indo com coiotes para esses outros países. Aqui na Adus, nosso trabalho é também mostrar que o Brasil é um país aberto, com sistema de saúde e educação gratuita. Mas a gente não pode prender ninguém. É a vontade do migrante”, lamenta Teixeira.
“Muitos afegãos, até pela dificuldade de se adaptar ao Brasil, estão subindo pela América do Sul para os Estados Unidos, fazendo a rota considerada a mais perigosa do mundo. É praticamente uma rota de nove dias pela selva entre a Colômbia e o Panamá, em direção ao México, para chegar aos EUA”, conta Naddeo.
Para Martinez, o título de cidade de fronteira para Guarulhos exige que o município tenha também um projeto de articulação para evitar que afegãos, como os citados por Teixeira e Naddeo, deixem o país e se arrisquem em travessias ilegais.
“A cidade fronteiriça tem um olhar obviamente mais emergencial, mas, se tem esse aporte do governo estadual e federal, ela precisa também ter articulação e projetos para pensar na inserção social mais a longo prazo”, conclui o professor da ESPM.