Justiça nega pedido de shopping para tirar crianças de rua à força
Em decisão, juíza diz que Shopping Pátio Higienópolis quer um "salvo-conduto para efetivar no estabelecimento uma genuína higiene social"
São Paulo|Ana Maria Guidi* e Kaique Dalapola, do R7
O Shopping Pátio Higienópolis, que fica em uma área nobre do centro de São Paulo, se envolveu em uma nova polêmica após pedir à Justiça autorização para que os seguranças possam apreender e encaminhar para a Polícia Militar ou ao Conselho Tutelar "crianças e adolescentes em situação de rua".
Leia mais: Jovem negro relata ter sido agredido e impedido de entrar em shopping
De acordo com o pedido, esses menores desacompanhados "praticam atos de vandalismo, depredação, agressão, furtos e intimidação de frequentadores". Além da apreensão, o shopping pede ainda que o conselho tutelar faça inspeções periódicas para "constatar a presença de menores" e "adotar as medidas pertinentes".
Na descisão, a juíza Monica Gonzaga Arnoni, da Vara da Infância e da Juventude, negou o pedido. Segundo ela, o shopping pede "um salvo-conduto para efetivar no estabelecimento uma genuína higiene social", uma vez que inclui, no pedido, menores que estejam "esmolando nas dependências do empreendimento".
O Shopping Pátio Higienópolis é cercado de escolas particulares tradicionais, e os alunos, que também são crianças e adolescentes, frequentam diariamente o estabelecimento. Entretanto, o alvo do pedido foram as crianças moradoras de rua.
Segundo o advogado Ariel de castro Alves, especialista em Direito da Criança e do Adolescente, o shopping tentou marginalizar, excluir e “limpar” o estabelecimento. O advogado concorda com a decisão, e afirma que a juíza "deu uma aula de Estatuto da Criança e do Adolescente pra eles [shopping]".
"Se o Shopping quisesse tratar a questão com seriedade, poderia fazer parcerias com organizações sociais para que educadores sociais realizassem a abordagem dessas crianças, e não recolhimento ou opressão, e encaminhamentos em conjunto com os Conselhos Tutelares, Varas da Infância e Juventude, Secretária Municipal de Assistência Social, visando o reestabelecimento dos vínculos familiares, frequência escolar e em programas de educação por tempo integral, para que saiam das situações de risco, de exclusão social e de trabalho infantil", afirmou Alves.
Outras polêmicas
Essa não é a primeira vez que o shopping e o bairro se envolvem em polêmicas. Em junho de 2017, o artista plástico Enio Squeff, de 73 anos, relatou que seu filho havia sido alvo de racismo. Na ocasião, o Squeff e a crianças estavam tomando um chá, quando seguranças se aproximaram e perguntaram se o menino estava incomodando, conforme o homem relatou à época.
A situação foi rapidamente solucionada depois que o artista plástico disse que a criança estava com ele. Squeff disse ainda que a segurança que fez o questionamento era uma mulher negra e, para não engressar a fila de desemprego, não levou o caso à polícia. Na ocasião, o shopping disse que "todos os frequentadores são sempre bem-vindos, sem qualquer distinção”.
Outro caso de racismo registrado no Shopping Pátio Higienópolis aconteceu em setembro do ano passado. Um auxiliar administrativo afirmou que chegou no local em um carro, com o filho de 14 anos, e pediu informações para um segurança sobre como chegar em uma loja. Antes de informar, o segurança mandou o adolescente tirar a mão do bolso. Questionado pelo pai sobre o motivo para isso, o funcionário teria dito que estava armado e poderia mandar.
Na ocasião, quando procurada pela reportagem, o shopping disse que solicitou a substituição do funcionário, que é de uma empresa terceirizada e afirmou, por meio de nota, que "o empreendimento repudia veementemente qualquer tipo de discriminação e reforça que todos são bem-vindos no shopping".
Em 2012, o shopping já havia sido local de uma manifestação denominada como "churrascão de gente diferenciada". O ato foi promovido em protesto contra moradores da região que fizeram um abaixo-assinado e se posicionavam contrário à construção de estação de metrô na região por causa da possibilidade de trazer "gente diferenciada", como afirmado por morador à época.
Em nota, o Shopping Pátio Higienópolis diz que lamenta o ocorrido e pede sinceras desculpas por gerar qualquer tipo de interpretação contrária à intenção de proteger os menores desacompanhados. O empreendimento esclarece que seu pedido de apoio tutelar a Vara da Infância foi mal interpretado e reforça que nunca quis ultrapassar os direitos das crianças e adolescentes.