Moradores instalam sirene de alerta de enchente na periferia de SP
Córrego Itaim costuma transbordar e precisa de obras. Na pior enchente, em 2016, a água atingiu 1,80 m e encobriu móveis e pessoas nas casas
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
Quando a sirene, instalada pelos próprios moradores da Vila Alabama, região do Itaim Paulista, extremo leste de São Paulo, toca é sinal de chuva forte pela frente. Ela fica no alto de uma das casas que beiram o córrego Itaim, na avenida Tarciso Mendes Lima. “Salvamos vida com essa sirene. Colocamos por iniciativa própria o equipamento após a maior enchente da região, em 2016, para alertar os moradores”, conta Francisco Jerry Alves da Silva, fundador da Associação dos Moradores da Vila Alabama.
Francisco relata que o 1º toque é para avisar que, por enquanto, está tudo normal (sinal verde). O segundo já é o amarelo, para ter atenção e retirar os carros das ruas, levantar móveis e pegar documentos. Agora o terceiro é o vermelho, significa que o córrego já transbordou e a prioridade é salvar vidas: tirar os moradores enfermos, crianças e idosos da área de risco.
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Cícera Vieira Bezerra Amaral, de 73 anos, mora na rua Moisés José Pereira e jamais vai esquecer da enchente de 2016. “A água chegou de repente e subiu muito, eu fiquei pendurada no vidro da janela do banheiro, e não conseguia encostar o pé no chão. Meu marido estava debilitado e ficou apenas com a cabeça pra fora da janela do quarto”, revelou a moradora que vive há 30 anos no bairro.
Os traumas permanecem porque a família só foi resgatada com o auxílio de vizinhos, que usaram uma escada para removê-los da casa. “Todo mundo veio acudir a gente, eu ouvia gritar: a família da Dona Ciça tá morrendo”, lembrou.
A casa de dona Cícera fica abaixo do nível das demais residências da rua. Quando o temporal é forte, o esgoto não dá conta e a casa enche. Apesar de limpo, o imóvel cheira a mofo, todas as portas têm comporta e as paredes azuis do quarto do filho caçula ainda têm as marcas da última enchente.
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Ela diz que não tem mais prazer em comprar nada novo para a casa: “só me dá tristeza, não tenho alegria em comprar nada. Há 30 anos é a mesma história. Eu recebo coisas dos outros, como o guarda-roupa (sem portas e danificado), meus filhos compram algumas outras. Tenho vontade de chorar e entrei em depressão”, disse a moradora. Quando chove, Cícera diz que se preocupa também com os vizinhos: “Tem gente de cadeira de rodas, com bebê, que precisa de ajuda”.
Térreo desativado
Uma das moradoras que está sempre de prontidão em caso de enchentes é a Sônia Silva de Lima, de 60 anos. Ela mora em um sobrado há 22 anos. A casa é bonita, foi recentemente reformada, mas o que chama a atenção é o andar térreo, que está completamente vazio. “Antes eu ficava embaixo, só tinha quarto em cima. Mas, na chuva, a água me encobriu e decidi transferir tudo para cima, fiz até uma cozinha. Faz 4 anos que desativei a parte de baixo. Se não, nem morava mais aqui”, revelou a antiga moradora.
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Já pensando nas enchentes, ela escolheu forrar as paredes de azulejo para facilitar a limpeza. Alguns objetos, como máquina de lavar, já ficavam suspensos. Sônia conta: “não comprei mais nada, doei o que pude para quem perdeu tudo. Às vezes nem fecho a comporta porque não adianta nada. Fiz uns degraus altos [de azulejos], mas só piorou. A água sobe ainda mais”.
No terreno hoje vivem ela, a irmã e a sobrinha-neta Valentina, de 1 ano e 10 meses. A casa é grande, tanto que ela já chegou a pagar R$ 1.400 de IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano). Mas, após a grande cheia em 2016, ela foi até a subprefeitura e reclamou das perdas, de não poder mais morar no andar térreo. O preço caiu e muito. Em 2019, ela disse ter pago apenas R$ 189.
Hoje Sônia nem se preocupa mais com a própria moradia, mas sim com a vizinhança: “como a casa da Cícera é baixa, já vou logo chamar pra vir pra cá, no alto. Ela teima em ficar, mas a vida ninguém compra”.
Não é à toa que nas ruas do entorno do córrego Itaim há diversas casas com a placa "vende-se". Mesmo com comportas e ações preventivas, o problema das enchentes é recorrente no bairro.
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Traumas
A sede da Associação de Moradores da Vila Alabama é na casa de Dirce Silva Soares, que é aposentada e tem 62 anos. Ela afirma que, quando chove, fica sem reação: “já me dá logo dor de barriga, fico muito nervosa, começo a orar a Deus, fico quieta chorando sentada. Meu marido que corre para fazer tudo”.
Com problemas de saúde, Dirce conta que ficou 2 anos de cama após as enchentes de 2016. “A gente se preocupa com um, com outro. Moramos num lugar bom, em 10 minutos estamos no centro do Itaim Paulista, mas a gente fica nessa tristeza por causa da enchente”, relatou.
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A antiga moradora do bairro disse que a água chegou a subir 1 metro e 80 centímetros. “A força da água derrubou portão, não adiantou comporta. A gente foi padrinho de casamento e não estava em casa. Quando cheguei, a TV tinha caído da parede e a geladeira estava passeando pela casa. Horrível”, destacou Dirce.
Não só os humanos carregam marcas das tragédias, mas também os animais. A poodle Judite é um dos 4 cachorros de Dirce. Com 9 anos de vida, a dona conta que basta começar o temporal que o animal treme sem parar de medo.
Sujeira
Alguns dos moradores também não ajudam, descartando lixo perto do córrego Itaim. Com as chuvas, a sujeira é arrastada pela água. Até um portão foi colocado às margens do rio para evitar o descarte irregular na região.
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Eliane Vilarindo da Silva mora em frente ao córrego e traz na fachada da casa a altura que a água barrenta subiu, ao menos uns 30 centímetros além da altura dela. Ela, que tem problemas psicológicos e mora com a neta Maria Heloísa, contou que já “perdeu tudo” algumas vezes. Ainda assim, a reportagem do R7 presenciou lixo e entulho colocado na porta da casa que beira o rio.
O terreno, que está para alugar ao lado da casa de Cícera, reúne entulhos, lixo e o mau cheiro é intenso. Moradores do entorno alegam que, desde a saída de um ferro-velho que funcionava no local, a situação só tem piorado, com a presença de ratos e escorpiões.
Esperança
Os moradores da Vila Alabama acreditam que as enchentes pioraram depois que o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) fez uma obra no córrego Itaim, que acabou por reduzir o espaço de vazão da água. Segundo Francisco Alves da Silva, da Associação de Moradores, um muro de contenção avançou mais de 1 metro dentro do rio, que já estava assoreado, encurtando a galeria. Resultado: quando chove, a água transborda com mais facilidade.
O córrego Itaim é extenso, nasce no Itaim Paulista, na zona leste, passa por Ferraz de Vasconcelos e a foz é em Poá, na Grande São Paulo. Há agora a expectativa de que uma obra seja realizada no córrego pela subprefeitura de Itaim Paulista. De acordo com os moradores, os trabalhos, que incluem um muro de contenção, devem ter início em março.
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Mas, em nota, a Subprefeitura Itaim Paulista informou que, na elaboração do orçamento 2020, foi encaminhada proposta para a realização de obra para contenção de enchentes no córrego Itaim. Liberado o recurso, a primeira fase será a elaboração de projeto, em seguida o processo licitatório, mas não há previsão para início das obras.
Os moradores continuam esperançosos: "com a obra, vamos poder comprar de novo nossas coisas para casa”, sonha Dirce. Veja fotos da região e dos reflexos dos alagamentos:
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