Mulher que deu à luz presa em São Paulo: "Queriam meu filho morto"
Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil e liberou habeas corpus para mãe e filho na última sexta-feira (16)
São Paulo|Plínio Aguiar, do R7
Um dia após deixar a Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte de São Paulo, a jovem que deu à luz presa disse que toda a situação foi humilhante.
"Eles queriam ver meu filho morto porque mandaram ele pra cadeia comigo, pra dormir no chão e com friagem, sem tomar banho, para ver se ele morresse mais rápido", afirmou em entrevista ao R7 neste sábado (17).
A jovem, de 24 anos, ficou detida em uma cela durante seis dias. O filho, recém-nascido, por quatro. Ela foi abordada por pelo menos dez policiais militares por volta de 7h de sábado (10) com mandado de prisão por tráfico de drogas — 90 gramas de maconha. Há cenários na legislação brasileira que indicam que essa quantidade não seja enquadrada como tráfico. Vale a interpretação do juiz.
Ela ficou presa e algemada em celas do 12° DP (Pari) e 8° DP (Brás), além do Hospital Municipal DR. Ignácio Proença de Gouvêa, onde deu à luz — o bebê nasceu com 47 centímetros e 2,910 kg. Voltou para o 8° DP e seguiu para a Penitenciária Feminina.
A Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pediu que a jovem cumprisse prisão domiciliar e o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o pedido na última sexta-feira (16). Desde ontem à noite, ela e o filho estão em casa, no Brás. Em entrevista ao R7, ela conta o que aconteceu.
Relato
Eu acordei bem cedo no sábado e estava com o meu outro filho, de três anos. De repente, um bando de policiais chegou entrando e falando que eu ia ser presa por tráfico de drogas. Eu falava que não tinha feito nada e que estava grávida, para eles olharem a minha situação, mas não adiantou nada. Eles me respondiam que não tinham pena de mim e que eu ia ter o filho dentro da prisão.
Um bando de policiais chegou entrando e falando que eu ia ser presa por tráfico de drogas. Eu falava que não tinha feito nada e que estava grávida%2C mas não adiantou nada
Fui levada para o 12° DP, no Pari, que é de flagrante, porque queriam ter um motivo para me prender. Fiquei umas horas por lá e depois fui transferida para o 8° DP, no Brás. E lá começou tudo. Por causa de todo o estresse, comecei a ter muita cólica e muita dor. Eu precisava de um atendimento médico, porque estava com 39 semanas, não era para nascer naquela hora, mas por conta de tudo que aconteceu, eu estava mal e sentia que ia ter ele logo.
Eu nunca passei por isso. Sou ré primaria, não sabia como funciona. Me falaram para assinar uns documentos e esperar. Naquele momento, fiquei apenas pedindo a Deus para me tirar dali porque aquele lugar não era lugar para ter um filho. Eu pedi que me levassem a um hospital. Daí me levaram no Ignácio Gouvêa e foi um constrangimento total. Eu estava num quarto, algemada, com a porta aberta e todos os policiais me olhando, me julgando. Não sabiam da minha situação. Foi uma humilhação.
Dei à luz no hospital e me levaram de volta para o 8° DP. Ligaram para a minha família mandando buscar o meu filho, porque eu ia continuar presa. Sempre querendo tirar ele de mim. Eles queriam ver meu filho morto porque mandaram ele pra cadeia comigo, pra dormir no chão e com friagem, sem tomar banho, para ver se ele morresse mais rápido, até porque ele não tem imunidade ainda.
Eles queriam ver meu filho morto porque mandaram ele pra cadeia comigo%2C pra dormir no chão e com friagem%2C sem tomar banho%2C para ver se ele morresse mais rápido
Aí consegui um advogado e as coisas começaram a melhorar. Durante a noite de terça, fui transferida para a Penitenciária Feminina de Santana para ficar em uma cela com outras detentas lactantes. A cela até que era confortável. Tinha várias camas e vários berços. Eu fui bem tratada, mas ainda assim não era digno estar ali. Fiquei na penitenciária por quatro dias. Na quarta, a Cármen Lúcia conversou comigo. Ela viu a minha situação e me garantiu que eu ia ter a liberdade de volta. “Fica tranquila que você vai sair daqui”, ela dizia pra mim. Isso foi muito confortante.
Na sexta-feira eu consegui a prisão domiciliar e foi um alívio. Eu sei que não era para estar passando por isso, mas penso mais pelo meu filho. Ele é uma graça, supertranquilo, dorme a noite toda e acorda só para mamar. Um dia eu sei que eles [meus filhos] vão perguntar sobre tudo que aconteceu, mas por enquanto não vou contar. Só estou feliz de estar de volta a casa com meus filhos e meu marido.
Agora é continuar com a vida. Sei que vai ser difícil arrumar um emprego com um processo nas costas. Vou continuar fazendo meus bicos, de faxineira e de manicure. Sempre vivi na minha. Criando meus filhos, de forma sofrida, mas feliz.
Mas confesso que estou com medo. Fiquei sabendo que os policiais que me prenderam irão fazer ronda amanhã. Não sei se eles irão vir aqui, fazer alguma coisa, me ameaçar, não sei. Mas estou com medo de eles fazerem algo comigo. Só sei que vou seguir lutando pela minha vida, pela minha liberdade e pelos meus filhos.
Procurada pela reportagem, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou por meio de nota que "as Corregedorias das polícias não foram comunicadas sobre qualquer irregularidade na prisão ou no tratamento recebido pela jovem". O texto diz, ainda, que é "importante ressaltar que estão à disposição da jovem para que seja feita uma denúncia formal e a ação dos policiais possa ser investigada".
O R7 entrou em contato com o STF para confirmar a conversa entre Cármen Lúcia e a jovem, mas não houve resposta.