Polícia não diz quem atirou em 4 jovens mortos em rodovia de SP
Policiais militares envolvidos em ação na rodovia Presidente Dutra foram apontados apenas como testemunhas no boletim de ocorrência
São Paulo|Kaique Dalapola e Fabíola Perez, do R7
Os policiais militares envolvidos em uma suposta perseguição na rodovia Presidente Dutra, na região de Guarulhos (Grande São Paulo), na noite da última quarta-feira (17), não disseram quem efetuou disparos contra os quatro jovens mortos.
O boletim de ocorrência foi registrado no 7º DP de Guarulhos como "Morte Decorrente de Internvenção Policial", pouco depois da 1h de quinta-feira, cerca de quatro horas depois do início da perseguição que teria percorrido 21 km.
A perseguição policial terminou com a morte do dono do Hyundai HB20 envolvido na ação, Vitor Barbosa, 21 anos, além de Nicolas Canda, 19 anos, Leonardo Carvalho, 23 anos, e Roney Oliveira, 20 anos.
De acordo com o subtenente da Rota Dorival Ramos dos Santos, responsável por apresentar a ocorrência na Polícia Civil, os PMs da Rota — inicialmente apontados como autores dos disparos — receberam informações de que viaturas do 8º Batalhão estavam perseguindo o carro que teria “envolvimento anterior em crimes”.
No depoimento à Polícia Civil, o subtenente afirma ainda que passou a dar apoio ao policiamento de área no acompanhamento ao HB20. Os jovens, que teriam iniciado a fuga na avenida Celso Garcia, região do Tatuapé (zona leste), seguiram sentido Guarulhos, entrando na rodovia Presidente Dutra. O carro de Vitor só teria parado na altura do km 227, quando um pneu estourou.
A reportagem questionou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) sobre quais crimes o HB20 de Vitor estaria envolvido, conforme relatado pelo policial militar à Polícia Civil. A pasta, no entanto, não respondeu.
Por meio de nota, a secretaria disse que “o caso é investigado pelo Setor de Homicídios da Delegacia Seccional de Guarulhos”, e que “todas as circunstâncias dos fatos são apuradas pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar, que avocou o Inquérito Policial Militar e segue em caráter sigiloso”.
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Para o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), "até agora não comprovaram nada que motivasse a suposta perseguição, nenhum crime anterior cometido pelos jovens para que fossem perseguidos em situação de possível flagrante".
Ainda conforme o depoimento de Ramos à Polícia Civil, os quatro jovens desceram do veículo e atiraram contra policiais militares da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas). Neste momento do relato, o subtenente não diz quem foram os PMs que teriam revidado e acertado os jovens, que morreram no local.
O depoimento do subtenente diz apenas que os jovens “atiraram contra os policiais da Rocam que estavam no apoio, onde os mesmos, juntos aos outros policiais, revidaram, atirando contra os agentes, onde os mesmos vieram a óbito no local”.
O R7 também questionou a SSP-SP sobre quem foram os policiais que atiraram contra os jovens. A pasta respondeu apenas que “os PMs que participaram diretamente na ocorrência estão afastados do serviço operacional até o final das investigações, como de praxe em ocorrências de MDIP [Morte Decorrente de Intervenção Policial]”.
Além de Ramos, os outros PMs da Rota envolvidos na ação são: cabo Wallace Araújo da Silva, sargento Felipe Freitas da Silva e o soldado Alex Pequeno Oliveira.
O cabo Cristiano Mendes dos Santos, da Força Tática do 31º Batalhão, e os soldados Luiz Gustavo da Silva Barbosa, da 5ª companhia do 15º Batalhão, Marcelo Henrique Espindola Leite, da Força Tática do 15º Batalhão, e Fábio Oliveira Moutinho, da Rocam, são os outros PMs que participaram da ocorrência.
Todos policiais militares envolvidos na ocorrência foram postos apenas como testemunhas da ação. E os jovens mortos apontados pela Polícia Civil como autor/vítima. Ou seja, eles teriam sido responsáveis por suas próprias mortes decorrentes de intervenção policial.
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O R7 também ouviu um especialista em segurança pública, com ênfase em ocorrências da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que disse que “não faz sentido” todos policiais serem registrados apenas como testemunhas. Por questões de segurança, ele pediu para não ser identificado.
“Segundo o relato dos policiais, eles foram vítimas. Teriam que ser registrados no boletim como vítimas, e não como testemunhas”, afirma o especialista. Ele afirma que teme que esse tipo de registro se torne praxe, como uma tentativa de impedir as investigações.
Ainda de acordo com ele, da forma como está registrado o boletim de ocorrência, os PMs não teriam participado diretamente da ação, apenas presenciaram o ocorrido, e desta forma “não tem como sustentar legítima defesa”.
Para o advogado Ariel, colocar os policiais militares apenas como testemunhas "já vicia e macula as investigações, que notoriamente em casos de violência policial já são marcadas pelo corporativismo".
Já desembargadora do TJ-SP (Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo) Ivana David acredita que colocar todos policiais apenas como testemunhas tenha sido uma determinação da SSP-SP.
Segundo ela, como os policiais alegam que houve troca de tiros e vários policiais teriam atirado, o registro na Polícia Civil optou por esperar o laudo pericial e, depois de saber quem foram os responsáveis pelo disparo, faz um boletim complementar indicando os PMs autores.