Em novembro de 2024, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) regulamentou o uso clínico de implantes hormonais e proibiu o manuseio e a propaganda do medicamento para fins estéticos e esportivos. Esses dispositivos estavam em alta no Brasil após serem usados para emagrecimento e ganho de massa muscular. De forma popular, eram conhecidos como “chips da beleza”. Apesar da aplicação desses chips para benefícios estéticos e esportivos ser considerada controversa pela comunidade médica, ela foi vista como promissora em casos de tratamentos para condições como a endometriose.O uso desses chips da saúde, ou pellets, como chamam especialistas, em mulheres com endometriose já é avaliado pela comunidade científica como promissor. O estudo Glade, realizado pelo Instituto de Pesquisa Science Valley, é pioneiro na área e identifica a eficácia desses medicamentos quando prescritos de forma correta.A ginecologista e pesquisadora na área de terapia hormonal Fabiane Berta cita o Glade e afirma que a pesquisa é a mais importante na área, pois fez uma mudança no cenário de estudos sobre a condição. A especialista explica que a proposta desses implantes hormonais é melhorar a qualidade de vida da paciente com endometriose e ter melhor desempenho no controle da dor em relação a outros métodos.“As cirurgias são ótimas, mas ainda existe a possibilidade de recidiva de 20%. Então, quando você avança em uma tecnologia como o implante, no caso o pellet, a gente consegue ter uma perspectiva muito melhor”, analisa.Berta diz acreditar que, no futuro, esse será um dos principais tratamentos para endometriose, “justamente pela praticidade, o benefício e o controle da dor, o que é o mais importante na doença”.A consultora comercial Lílian Lima, de 46 anos, pôde sentir esses efeitos após realizar um tratamento com pellet durante seis meses. “Faz dois anos que renasci”, foi o que ela respondeu após ser questionada com que idade aplicou o implante.Lílian é diagnosticada com endometriose profunda e relata que sentia cólicas insuportáveis, além de dores durante relações sexuais. Ela conta que era preciso fazer uma visita ao hospital todo mês no período menstrual para receber medicamentos para dor. Acompanhado do ciclo, vinha o inchaço, que a deixava, segundo ela, com “sensação de grávida”. Hoje, ela considera que foi a melhor decisão que tomou e afirma ter recuperado a qualidade de vida.“Hoje sou um ser vivo, tenho qualidade de vida, tenho alegria de viver, me sinto melhor para seguir sem aquelas dores enlouquecedoras. A endometriose acaba com famílias, com o físico e psicológico de qualquer mulher. Ela não nos deixa viver e o tratamento me trouxe liberdade. Estou livre de algo que por mais de 10 anos me deixou triste e inválida”, conta.O especialista em ginecologia endócrina Jorge de Aguiar explica que os implantes hormonais são um veículo pelo qual são administradas substâncias diferentes no organismo dos pacientes de acordo com a indicação e necessidade de cada um. Nesse tratamento, a gestrinona e o nestorone são os hormônios que se destacam.Berta explica que os hormônios podem ser aplicados pelo canal vaginal, por adesivos aplicados na pele ou por implantes, como os pellets. No procedimento por pellet, o implante é absorvível e é aplicado em um período de cinco a seis meses.A paciente é elencada para o procedimento quando o tratamento dela já é feito com uso de alguma substância que pode ser transferida para o implante, como explica Aguiar. O especialista aponta que a vantagem do “chip” é fazer uma dose personalizada que não depende da absorção pela via oral. Dessa forma, doses menores via sub dérmica podem ser aplicadas.Aguiar alerta para possíveis efeitos colaterais que são pertinentes ao tipo de substância que será usada. Drogas derivadas da testosterona são as que apresentam mais efeitos. Entre os principais sintomas estão queda de cabelo, acne e retenção de líquidos.Ele aponta que o uso prolongado do implante vai depender da necessidade individual de cada paciente e recomenda que aquelas que fizerem tratamento crônico sejam avaliadas a cada seis meses.“É feita a realização de exames de laboratório e imagem pertinentes ao tratamento específico que ela está fazendo para avaliar se teve alguma alteração clínico laboratorial que impeça a manutenção do tratamento. Caso não haja nenhuma alteração e a paciente ainda tenha a necessidade e, na balança de riscos e benefícios, os benefícios superem os riscos, que isso possa ocorrer a manutenção do tratamento”, explica.Os estudos continuam em andamento, mas a prática já apresenta segurança se for acompanhada da forma correta, como avaliam os especialistas. Entretanto, Berta reforça que existem circunstâncias em que não é recomendado o uso do medicamento. Pacientes com obesidade ou com síndromes relacionadas ao metabolismo podem não ser favorecidas pelo implante em um primeiro momento. Isso acontece devido ao desequilíbrio metabólico e reserva hormonal mais debilitada, como explica a ginecologista.Em todos os casos, com exceção dos citados acima, a segurança é criada a partir do acompanhamento médico. Berta recomenda que exames sejam feitos frequentemente para avaliar a fisiologia da paciente e identificar se há sobrepeso ou distúrbios metabólicos. Dessa forma, o organismo não fica sobrecarregado.“Quando a gente trata uma mulher, olhamos uma integralidade, focando no resultado que a gente precisa. A gente mantém os tratamentos em acompanhamento laboratorial e ultrassonográfico, mas a melhor forma de avaliar se a paciente está com bom controle é o exame clínico”, afirma.Quanto à credibilidade do aparelho hormonal, além de ser regulamentado pela Anvisa, a ANME (Associação Nacional Magistral de Estéreis) apoia as pesquisas na área de desenvolvimento de tratamentos para endometriose e está elaborando um selo de qualidade para certificar empresas que mantêm um padrão operacional alinhado às melhores práticas do setor.A presidente da ANME, Manuela Coutinho, explica que a certificação representa um marco na busca por mais segurança e transparência, e garante que médicos e pacientes tenham acesso a implantes hormonais fabricados dentro dos mais altos padrões de qualidade.Além disso, Coutinho afirma que a ANME investe em iniciativas de educação continuada e vai promover cursos, congressos e conteúdos técnicos voltados para médicos e farmacêuticos.“Nosso objetivo é garantir que os profissionais da saúde tenham acesso a informações qualificadas e atualizadas, permitindo que ofereçam aos pacientes um tratamento seguro, eficaz e respaldado pela ciência”, completa.*Sob supervisão de Leonardo Meireles