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Em casos graves, covid-19 pode afetar sistema neurológico

Cerca de 40% dos pacientes com a doença desenvolveram algum tipo de problema neurológico na China e na Itália

Saúde|Aline Chalet, do R7*

Falta de oxigenação e longo período de sedação podem afetar cérebro
Falta de oxigenação e longo período de sedação podem afetar cérebro

O novo coronavírus pode afetar o sistema neurológico, causando até encefalite (inflamação do cérebro geralmente provocada por uma infecção), segundo a neurologista Gisele Sampaio, da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, em São Paulo. Ela ressalta que esses casos são raros e, normalmente, muito graves.

“Normalmente causa dor de cabeça, sonolência. Depende muito da área do cérebro que o vírus ataca. Pode provocar dificuldades motoras e na fala, perdas cognitivas e até colocar a pessoa em coma permanente”, afirma.

Mais frequentes que as encefalites, outros acometimentos no sistema neurológico podem ocorrer pela falta de oxigenação do cérebro diante de um quadro pulmonar muito grave e por consequência das medicações utilizadas para a sedação, de acordo com a médica.

Cerca de 30% dos pacientes internados por covid-19 apresentam algum tipo de consequência neurológica como essa, ainda de acordo com a neurologista. “É uma combinação dos dois fatores: o pulmão do paciente muito debilitado absorve menos oxigênio e a própria medicação utilizada para sedar pode ter algum efeito.”


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A médica explica que não existe um período determinado para que a sedação comece a ter efeitos neurológicos, mas que a recomendação é deixar o paciente sedado o menor tempo possível. “É um recurso de último caso, mas na covid-19 e outras doenças nas quais é necessária a intubação e o uso de ventilação mecânica, acaba sendo necessário. Os respiradores são muito desconfortáveis e o paciente acaba não aguentando.”


Segundo ela, os pacientes de covid-19 mais graves estão ficando entre uma semana e 14 dias sedados. "Dados da França revelaram que 70% dos casos graves de covid-19 tiveram um acometimento neurológico", afirma.

“É comum que isso ocorra em pacientes com quadros pulmonares muito graves, de outras doenças também. São observadas confusão mental ou algumas alterações no nível de consciência”, acrescenta. 


A neurologista destaca ainda que cerca de um quarto dos pacientes que desenvolvem algum tipo de comprometimento neurológico por conta da sedação e baixos níveis de oxigenação também apresentam alguma perda cognitiva. “A maior parte se recupera. É comum que alguns pacientes fiquem com alguma sequela, mas coisas pequenas, que não consideramos clinicamente”.

Além disso, podem acontecer comprometimentos a longo prazo devido a possíveis paradas respiratórias, quando o paciente permanece muito tempo sem oxigenação, ressalta.

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Outra maneira possível de ter acometimentos no sistema neurológico é por meio de AVC (acidente vascular cerebral). “O vírus causa uma reação que altera o sistema de coagulação do corpo, gera uma tendência trombótica, se essa coagulação acontecer no cérebro pode acontecer um AVC.”

Gisele afirma que, segundo o que foi observado na China, cerca de 5% dos pacientes internados por covid-19 acabaram por ter um AVC. “Lembrando que esses dados são de pacientes que ficaram hospitalizados. Não há como coletar dados de todas as pessoas contaminadas. Entre todos seria um número muito menor”, frisa.

Além disso, observa-se a ação da covid-19 no sistema nervoso periférico. “A falta de olfato e paladar é por conta de um inchaço no bulbo olfatório, que é o nervo que leva a sensibilidade do nariz para o cérebro. Esse inchaço é verificado por meio de ressonância magnética durante a infecção e, depois, observamos a resolução.”

A falta de paladar e olfato é causada por uma inflamação no bulbo olfativo
A falta de paladar e olfato é causada por uma inflamação no bulbo olfativo

Gisele afirma que a anosmia, que é a perda de olfato e paladar, é um sintoma comum e específico da doença e que ajuda no diagnóstico. “É uma pista clínica quando o paciente fala que parou de sentir o cheiro das coisas. É praticamente certeza de que é covid-19.”

Segundo a neurologista, foram registrados alguns casos em que os pacientes desenvolveram síndrome de Guillain-Barré, doença na qual o sistema imunológico começa a atacar os nervos. Os sintomas são fraqueza e formigamento dos pés e pernas. Pode ocorrer paralisia em alguns casos, segundo ela.

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Com exceção da síndrome de Guillain-Barré e da anosmia, a maior parte dos acometimentos neurológicos ocorrem nos casos mais graves de covid-19. “Quanto maior a gravidade clínica, maior a chance de ter comprometimentos desse tipo.”

No caso da síndrome de Guillain-Barré, algumas pessoas possuem uma predisposição imune e genética para a doença, destaca a neurologista.

Pesquisa brasileira

A UNB (Universidade de Brasília) e o hospital da faculdade, junto ao Hospital Sírio-Libanês, farão uma pesquisa para analisar os impactos da covid-19 no sistema neurológico, segundo divulgado pela secretaria de comunicação da UNB.

O grupo de análise será composto por pacientes que desenvolveram algum tipo de acometimento neurológico, como encefalite, mielite, anosmia, AVC e Síndrome de Guillain Barré.

Os pacientes serão observados durante um ano por meio de coleta de material biológico e análises clínicas. Os primeiros resultados devem sair em três meses.

A ideia da pesquisa surgiu a partir de resultados de análises na China e Itália. Os estudos nesses locais mostraram que entre 30% a 40% dos pacientes com covid-19 desenvolveram algum tipo de problema neurológico.

Segundo o neurologista, Felipe Von Glehn, coordenador da pesquisa, o objetivo é entender qual o mecanismo de ação do vírus: se é o próprio vírus que ataca o neurônio ou se são as células do corpo que, ao se defender do coronavírus, acabam destruindo o neurônio.

Identificar esse mecanismo possibilitará encontrar medicamentos para tratar as doenças neurológicas associadas à covid-19.

A pesquisa também será realizada no Instituto de Medicina Tropical da USP, no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, no Hospital Israelita Albert Einstein e no Hospital Geral de Fortaleza.

*Estagiária do R7 sob supervisão de Deborah Giannini

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