Mais de 10 mil crianças são geradas por tratamento de reprodução
Dos 36 mil tratamentos de fertilização in vitro realizados todo ano no país, 30% resultam em bebês; idade é principal obstáculo para obter sucesso
Saúde|Deborah Giannini, do R7
Mais de 10 mil crianças são geradas por tratamento de reprodução humana por ano no Brasil. Isso corresponde a cerca de menos de 0,5% dos 2,8 milhões de bebês que nascem todo ano país.
Um número que parece irrisório, mas que representa muito para mulheres com problemas de infertilidade que conseguiram, por meio do avanço da medicina, realizar o desejo de ser mãe. Sem a técnica, esses 10 mil bebês não existiriam.
Desde que o primeiro bebê de proveta, como era chamada a fertilização in vitro (FIV), foi gerado em 1978, na Inglaterra, a reprodução humana tem evoluído bastante, segundo os especialistas.
Mas, apesar de todos os avanços, o tratamento ainda não garante a gravidez. E o principal desafio é a idade da mulher.
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Atualmente, são realizados em torno de 36 mil tratamentos de reprodução humana por ano no país, de acordo com o Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões da Anvisa. Cerca de 30% deles resultam em bebês, segundo o ginecologista Eduardo Motta, diretor da Clínica Hungtinton, em São Paulo, uma das pioneiras em reprodução humana no Brasil.
Ele explica que a taxa de sucesso no tratamento para mulheres abaixo de 35 anos é de 50%. Entre os 36 e 39 anos, essa taxa cai para 35% e, aos 45 anos chega a quase zero.
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O ginecologista Pedro Monteleone, diretor da Clínica Monteleone, em São Paulo, também uma das pioneiras na técnica no Brasil, chama a atenção para o sucesso do tratamento em casais com problemas de infertilidade, a quem é destinado. "O desempenho da FIV nos últimos 15 anos é exuberante. A chance que um casal tem de engravidar em casa em um ano, com práticas regulares, é de 80%. E a chance da FIV em três ciclos é similar", explica.
"Muitos motivos que levam à infertilidade são facilmente transpostos hoje pela fertilização in vitro. Por outro lado existe um fator chamado qualidade do óvulo que não pode ser transposto. O sucesso do tratamento é baseado na qualidade do óvulo. Com a idade, o fator mais predisponente é a perda dessa qualidade", afirma Motta.
Na ovulação, ocorre uma divisão celular chamada meiose. O óvulo perde metade de seus cromossomos para receber a outra metade do espermatozoide de maneira a recombinar os genes. No caso de um óvulo “velho” – de mulheres acima de 40 anos –, ao restituir a sua meiose celular, ele está sujeito a produzir erros cromossômicos.
Motta ressalta que, mesmo que o tratamento não resulte em gestação, ele permite que se chegue a um real diagnóstico da infertilidade o que abre caminho para que o casal encontre alternativas. No caso de óvulos que perderam a qualidade por causa da idade, a alternativa seria o uso de óvulos doados, segundo os especialistas.
"É uma solução viável e funciona bem. É um tratamento com grande mistificação porque as mulheres pensam 'o DNA não é meu'. Mas vale lembrar que o DNA de indivíduos da mesma espécie difere em menos de 1%", afirma Monteleone.
Rejuvenescimento de óvulos
Há estudos já sendo desenvolvidos para tratar da questão do evelhecimento dos óvulos, segundo Monteleone. "Há pesquisas que estão tentando formar óvulos a partir de células somáticas [responsáveis pela formação de tecidos e órgãos], ou seja, pegar uma célula diploide [com dois conjuntos de cromossomos] e transformar em um óvulo viável para produção de gravidez".
Os especialistas aconselham mulheres que se aproximam dos 35 anos com desejo de ser mãe, mas sem perspectativa de gravidez, que congelem seus óvulos. "Uma forma de tentar preservar a fertilidade. Não são 100% das mulheres de 35 anos que engravidam com FIV, mas o desempenho delas é mais adequado do que de uma mulher de 42 anos", diz ele.
Avanços tecnológicos
Atualmente existem duas tecnologias que contribuem para o sucesso da fertilização in vitro que Motta chama de sinérgicas - que atuam em conjunto para um bom resultado.
Uma delas é a Time Lapse, incubadora que monitora o desempenho do embrião ao longo de cinco dias, tirando fotografias a cada 10 segundos. A outra é a biópsia do embrião que, por meio da remoção de um fragmento, avalia sua integridade cromossômica.
A Time Lapse fornece informações sobre a morfologia do embrião, enquanto a biópsia revela dados sobre sua integridade cromossômica. Um embrião pode estar morfologicamente perfeito, mas pode apresentar alterações cromossômicas, o que está relacionado a síndromes, como a síndrome de Down.
Há controvérsias em relação ao resultado oferecido pela biópsia do embrião. Como as células com defeito tendem a se localizar na parte superficial do embrião - justamente onde é feita a biópsia -, a análise pode não revelar sua real condição, ou seja, pode identificar um erro que será eliminado ao longo do desenvolvimento e que não reflete sua qualidade.
"Acredito que 3% das biópsias podem refletir isso. No entanto, se há um embrião com mais de três erros cromossômicos, ou seja, erros múltiplos, ele é considerado caótico e não vai para frente", explica Motta.
Monteleonde afirma que a maioria dos embriões formados na espécie humana tem alterações na sua carga cromossômica. "O principal efeito disso é a não-implantação na cavidade uterina ou o abortamento espontâneo. Eventualmente, o bebê pode nascer. O principal exemplo é a síndrome de Down."
Ele ressalta que o principal objetivo da biópsia é selecionar embriões que, quando transferidos para o útero, tenham grande chance implantação. "Erroneamente as pessoas pensam: olha, que bom, poderia ter nascido uma criança com síndrome. Não é isso. Poderia não engravidar ou abortar. A chance de nascer criança com síndrome, por exemplo, a síndrome de Down em mulheres com menos de 39 anos é menor que 1%. O exame se destina a identificar embrião normal para diminuir chance de falha de implantação".
"É importante dizer que, quando se usa esse recurso em determinados grupos, até 60% dos ciclos de tratamento são cancelados porque não há embrião estudado geneticamente normal", completa.
Há ainda uma terceira teconologia disponível em tratamentos de FIV que merece destaque que é a análise genética. Diferentemente da análise cromossômica, ela analisa genes específicos relacionados a doenças de origem hereditária, entre elas, a ELA (esclerose multipla amiotrófica) e o câncer de mama relacionado ao gene BRCA. "Esse exame é feito apenas com uma população específica que tem antecedentes familiares da doença. É preciso saber qual o gene alterado para pesquisar exatamente esse gene", explica Motta.
O mistério da implantação
A implantação do embrião no útero envolve não apenas a qualidade do embrião, mas também uma série de substâncias produzidas no útero relacionadas a hormônios e ao sistema imunológico. "A medicina têm identificado uma série de reações bioquímicas relacionadas à implantação, mas essa plena integração a gente ainda não conhece", afirma Motta.
Segundo o ginecologista, o sucesso de implantação depende dois terços do embrião e um terço do útero. "Vai depender da integração entre esses dois players [jogadores]".
A imunoglobulina é um dos medicamentos que ajudariam na implantação, mas seu uso é controverso. Trata-se de uma espécie de anti-anticorpo feito à base da extração de anticorpos de sangue de doadores. Aplicada via intravenosa ao longo de cinco horas, modula a atividade das células NK, que fazem o reconhecimento inicial dos corpos estranhos. Seria indicado para situações específicas, como mulheres com atividade imunológica em excesso e perdas gestacionais de repetição.
Monteleone considera a imunoglobulina "um tratamento empírico sem comprovação de eficácia na literatura médica".
Motta explica que houve banalização de seu uso, por isso o descrétido. "Como foi utilizada de maneira indiscriminada, as taxas de gestação acabaram não se refletindo em sucesso o que fez com que caíssem em descredito".
Efeitos a longo prazo
Uma das preocupações das mulheres em relação à fertilização in vitro são as consequências do tratamento para o corpo a longo prazo - se as altas doses de hormônios aplicadas para a produção de óvulos e manutenção do embrião aumetariam o risco do desenvolvimento de câncer de mama e de ovário.
De acordo com Monteleone, isso é "absolutamente improvável". Ele explica que a ação dos hormônios são transitórias e não cumulativas. "O tratamento é seguro e não há evidência de aumento da taxa de trombose, câncer ou infarto na população submetida ao FIV".
Motta concorda e apenas ressalta que mulheres com histórico familiar de câncer de mama ou outro tipo de tumor estrôgeno-dependente deve evitar um grande número de tratamentos - mais de dez.
O limite para tentativas varia em cada caso. Motta explica que há relatos de 50 tentativas, mas o máximo observado em clínicas é de 15.
Com o custo médio de R$ 20 mil, a fertilização in vitro não tende a baratear com o tempo, acredita o ginecologista. Ele explica que a tecnologia está avançando e está sendo incorporada, além das regulamentações sanitárias cada vez mais exigentes.
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