Superfungos surgiram em campos de tulipa devido a agrotóxicos
Fungo multirresistente mais temido no mundo, Candida auris, ainda não foi encontrado no Brasil; aqui o fungo resistente ao fluconazol já causa surtos
Saúde|Deborah Giannini, do R7
Os superfungos surgiram em plantações de tulipa na Holanda devido ao uso de fungicidas, uma classe de agrotóxicos. O aquecimento global também teria contribuído para sua proliferação, já que crescem em ambientes em torno de 35°C, equivalente à temperatura humana.
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“Os fungos que são resistentes e potenciais patógenos humanos têm que crescer na temperatura do corpo. Acreditamos que os fungos que não crescem em temperaturas elevadas estão sendo substituídos por esses fungos multirresistentes”, afirma o pesquisador João Nóbrega de Almeida Jr., do Hospital das Clínicas de São Paulo e do Instituto de Medicina Tropical da USP.
“Defensivos agrícolas que contêm antifúngicos propiciam que surjam mais fungos resistentes na natureza, como está acontecendo na Holanda”, completa.
Ele é um dos autores do estudo que descreveu o primeiro caso de morte por superfungo na América do Sul em um jovem de 17 anos, em São Paulo.
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Assim como as superbactérias, os superfungos ainda não são uma ameaça à população, ressalta o pesquisador. Apenas pessoas imunodeprimidas, ou seja, com o sistema imunológico vulnerável, são suscetíveis a desenvolver infecção.
O homem que contraiu o superfungo Lomentospora prolifican em São Paulo se enquadrava nesse perfil. Ele era portador de doença autoimune e fez um transplante de medula óssea. Após a alta hospitalar, voltou a ser internado devido à infecção pelo fungo multirresistente.
O pesquisador ressalta que o jovem não foi infectado no hospital, mas sim no meio ambiente. A suspeita é que teria contraído o fungo pela respiração. “Inalamos fungos o tempo inteiro na natureza, inclusive superfungos”, explica.
Surtos de fungo no Brasil
Existem os superfungos, que são resistentes a antifúngicos de maneira geral, e os fungos resistentes a apenas uma classe de medicamentos, como o fluconazol. São esses fungos que mais preocupam no Brasil.
Segundo o pesquisador, eles estão crescendo e já causaram surtos em hospitais em Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal. Sua proliferação se dá apenas em ambiente hospitalar. Somente em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, já foram encontrados fungos resistentes na natureza.
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“O problema é crescente, principalmente no meio hospitalar, local propício para sua proliferação, pois há muitos pacientes graves tomando múltiplos antibióticos e antifúngicos que podem fazer infecção por fungos mais resistentes”, afirma.
Fungos estão dentro do corpo
Em proporção menor que as bactérias, os fungos também fazem parte do microbioma humano, conjunto de micro-organismos que compõe o corpo. O pesquisador explica que, ao se tomar antibiótico, a flora bacteriana acaba sendo espremida promovendo o crescimento dos fungos, principalmente do gênero cândida.
Os fungos, principalmente do gênero cândida, também criam resistência pelo uso de antifúngicos. Dentro do hospital, podem ser transmitidos pelo cateter ou pela mão do enfermeiro ao transportá-lo de um paciente a outro. “O termômetro também é um foco de transmissão. A cândida coloniza muito a axila dos pacientes”, explica.
Superfungo Candida auris preocupa o mundo
A preocupação mundial é com o superfungo Candida auris. Ele ainda não foi encontrado no Brasil. Além de multirresistente, tem grande potencial de proliferação. Assim como a superbactéria KPC, se dissemina em ambiente hospitalar.
“Entre os pacientes que se infectam com a Candida auris, 40% morrem. Outras cândidas que causam infecção hospitalar também matam. A mortalidade na América do Sul é em torno de 40%”, diz.
A Candida auris já provocou surtos na Índia, Reino Unido e Estados Unidos, principalmente em Nova York. Na América do Sul, foram registrados casos na Venezuela e Colômbia, segundo o pesquisador.
O Ministério da Saúde emitiu um comunicado de risco, no ano passado, sobre a presença da Candida auris na América Latina. O Hospital das Clínicas de São Paulo é um dos únicos da região que dispõe de tecnologia para diagnóstico de fungos mais raros.
Diagnóstico: é superfungo ou superbactéria?
O superfungo e a superbactéria se manifestam da mesma forma, por meio de sepse. Para identificar qual está causando a infecção, o diagnóstico é feito por hemocultura, exame de sangue que isola o micro-organismo. “Esse exame identifica superbactérias, como a KPC, superfungos, como a Candida auris, e fungos que apresentam resistência ao fluconazol”, explica.
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O superfungo é a terceira causa de sepse em hospitais, segundo o pesquisador. As três primeiras são bactérias – staphylococcus e gran-negativos (entre eles a klebsiella). Estima-se que em cada mil admissões em UTIs, duas são casos de sepse por cândida, de acordo com o pesquisador.
Para se proteger das superbactérias e superfungos dentro de hospitais, ele orienta o uso racional de antibióticos e a higienização das mãos. “Já a pessoa imunodeprimida deve evitar se expor no ambiente, como ir ao campo, e evitar construções, onde há muitos esporos de fungos”, diz.
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