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Tecnologia e Ciência

O pacote salarial de US$ 46 bilhões explica a queda de Elon Musk e as dificuldades da Tesla

Empresa deveria estar focada em melhorar seus carros elétricos, mas segue concentrada no crescimento das ações

Tecnologia e Ciência|J. Bradford DeLong, do The New York Times


Muita coisa mudou no mercado desde 2018, ano em que a Tesla idealizou um pacote de remuneração bilionário Steve Jurvetson/Flickr (Sob Licença Creative Commons)

Elon Musk não é apenas mais um bilionário inconsequente do Vale do Silício.

A maioria de seus colegas inconsequentes tem duas realizações principais: aparecer no lugar certo na hora certa e ser suficientemente arrogante para continuar se mantendo no curso, em vez de diversificar. Se não estivesse ali, outra pessoa teria ocupado o lugar, e as coisas seriam praticamente as mesmas.

Mas Musk mudou o mundo.

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Ele queria dar o pontapé inicial na descarbonização da energia da civilização humana e foi bem-sucedido. Levou a Tesla a criar o setor de veículos elétricos tal como o conhecemos hoje. Mas prometeu coisas demais. Muitas vezes se superou, e se superou novamente, de forma espetacular. Foi realmente maravilhoso o desempenho da Tesla como inventora, fornecedora e implantadora de tecnologia.


Reparem que a frase acima está no tempo passado. Muita coisa mudou desde 2018, ano em que a Tesla idealizou um pacote de remuneração pouco ortodoxo que, em teoria, vinculava a remuneração de Musk ao desempenho da empresa. O problema é que o desempenho não foi atrelado à fabricação em escala de carros de alta qualidade ou acessíveis, mas sim ao aumento do preço das ações da Tesla.

Na minha opinião, esse pacote de remuneração não foi bom para Musk. E estou certo de que foi ruim para a Tesla. Por extensão, foi ruim também para a luta crucial de nosso país contra o aquecimento global. A Tesla agora pede a seus acionistas que aprovem novamente esse pacote de pagamento, que daria a Musk a impressionante quantia de aproximadamente US$ 46 bilhões, tornando-o o homem mais rico do mundo e um dos executivos mais bem pagos.


Minha recomendação aos acionistas da Tesla é que votem “não”.

A pedido do próprio Musk, o conselho da empresa prometeu ao executivo-chefe que, se ele tornasse o conselho e os acionistas realmente ricos aumentando o preço das ações, por qualquer meio, receberia 12% da empresa. No entanto, acredito que esse pacote de remuneração ajudou a impulsionar sua queda do posto de líder empresarial visionário para um bizarro vendedor de ingressos para o desfile de carnaval, de modo que esse conjunto de incentivos e remuneração não deve ser validado.


Memes e ações

Aqui, preciso voltar atrás e dizer o que são ações meme (meme-stock) – ações de uma empresa que ganhou popularidade graças ao aumento da audiência social resultante de atividade online em plataformas de redes sociais. O exemplo padrão de uma ação meme é a GameStop, empresa que administra cerca de quatro mil lojas de videogames e eletrônicos. Negociada a US$ 5 por ação, no início de dezembro de 2020, seu preço subiu para incríveis cerca de US$ 150 por ação no fim de janeiro de 2021. Musk se juntou à diversão ao tuitar uma palavra: “Gamestonk!!!” (algo como “Gamexplode!!!”). As ações subiram para US$ 483 dois dias depois, antes de iniciar um longo e irregular declínio.

No início de 2024, o valor da ação era de quase US$ 17, muito acima dos US$ 5 de 2020. Isso depois do desdobramento de quatro por um (em que um acionista consegue quatro vezes mais ações do que tinha antes), embora nada tivesse mudado nos negócios da empresa. Recentemente, a GameStop reascendeu e, desde então, as ações subiram para US$ 30 por unidade.

Quem está por trás de toda essa loucura? Não são os que querem investir em uma fatia do negócio da GameStop em longo prazo. São pessoas que estão comprando ações da GameStop como uma forma de fidelidade a uma ideia, um meme, um movimento cultural-tecnológico de algum tipo. Algumas delas esperam ficar ricas acompanhando o mercado e vendendo na alta.

No passado, os movimentos e bolhas de ações atraíam aqueles que acreditavam que a empresa em que investiam seria lucrativa. Ou, pelo menos, acreditavam que podiam ganhar dinheiro vendendo posteriormente suas ações para um ignorante maior do que eles, que acabara de chegar ao mercado e ainda acreditava na pureza do negócio. Mas as ações da GameStop ficaram praticamente desconectadas das demonstrações de lucros e das perdas ocorridas nas quatro mil lojas que possuem.

O mesmo aconteceu com a Tesla. Não se tratava mais de melhorar a fabricação de veículos elétricos de alta qualidade para os quais havia uma forte demanda. Para Musk, incentivado por seu pacote de remuneração, a questão passou a ser o preço das ações que precisava subir.

Depois de 2018, Musk apostou tudo. Fez barulho principalmente no Twitter. Prometeu demais, mas não cumpriu. Em vez disso, pulou de um tema para outro para impulsionar a associação de acionistas de ações meme da Tesla. Robôs humanoides! Caminhões cibernéticos! Frotas de robotáxis Tesla! Um supercomputador de inteligência artificial cujo cérebro seria todos os Teslas ociosos do mundo, conectados em rede! Anunciando todos esses temas, conseguiu que o preço das ações realmente subisse, tornando-o o homem mais rico do mundo. Em 2018, cada ação custava, mais ou menos, cerca de US$ 20, e chegou a US$ 400, no fim de 2021, antes de iniciar um declínio irregular e frequentemente interrompido, indo aos atuais e ainda elevados US$ 174.

Problemas de produção

A Tesla sempre teve problemas de qualidade de construção, mas tinha um roteiro para corrigi-los. E costumava ter um roteiro para adquirir experiência em manufatura, aumentar a capacidade de produção e introduzir novos modelos, tudo isso para sair dos rarefeitos mercados de carros de luxo e de experimentos tecnológicos. A empresa queria entrar no enorme mercado de fornecimento do que os americanos consideram seu transporte básico: o carro. Mas isso parece ter caído por terra.

A ideia de que em breve haveria um Tesla realmente acessível para o mercado de massa passou de “muito em breve” para “talvez algum dia”. Em vez disso, temos a Cybertruck (caminhonete elétrica de tamanho médio com bateria, construída pela Tesla desde 2023), para a qual a demanda é bastante limitada, pois não está preparada para fazer as coisas de que as pessoas que usam uma caminhonete precisam. Enquanto isso, na China, as tecnologias de baterias de lâminas e a experiência em processos de fabricação da BYD cresceram a passos largos.

Ao contrário da GameStop, fabricante do game Call of Duty, a Tesla vende produtos um pouco mais importantes para nosso futuro. Para o mundo, a Tesla tem sido nada menos do que um farol de esperança, uma ponte de lançamento tecnológica de transição de carbono para um futuro mais sustentável, com menos danos causados pelo aquecimento global, fazendo isso por meio de um rápido desenvolvimento de veículos movidos a energia elétrica. Para que nosso futuro seja melhor, o mundo precisa do retorno da Tesla para o que era antes de 2018, quando criou as condições sociais para projetar e construir veículos elétricos de forma eficiente em um ritmo veloz.

Uma administração direcionada ao negócio real da Tesla é muito melhor para a sociedade do que uma administração focada em levar a empresa a se tornar geradora de ações meme. Foi o que o pacote de remuneração fez com Musk, obrigando-o a se concentrar nisso todas as horas que passa na empresa.

John Maynard Keynes escreveu em 1936, com a característica ironia britânica: “Quando o desenvolvimento do capital de um país se torna um subproduto de um cassino, é provável que a tarefa esteja malfeita.” Votar a favor do pacote salarial validaria esse princípio, e isso é uma pena, pois Elon Musk é realmente importante. E esse é um grande negócio.

Pensando de outra forma, talvez os acionistas devessem votar a favor do pacote de remuneração por medo: caso Musk se considere traído, talvez não gaste mais tempo falando sobre a Tesla. Mas, sem seu melhor divulgador, o preço de suas ações poderia cair. A Toyota fabrica carros geralmente de maior qualidade e tem receitas que, em 2023, foram mais de quatro vezes superiores às da Tesla, embora detenha apenas cerca de três quintos da sua capitalização de mercado total. É assim que as ações da Tesla podem cair.

Defendo que devemos aceitar a possibilidade de dor no curto prazo para obtermos um retorno ilimitado. É quase certo que a Tesla é responsável por uma grande parte da fortuna de Musk. A SpaceX representa a maior parte do restante. E a SpaceX parece estar em ótimas mãos. Musk confia na incrivelmente competente Gwynne Shotwell, diretora de operações da SpaceX, que administrou o casamento entre o fogo e o gelo, criando uma cultura organizacional que combina uma atenção surpreendente aos detalhes com uma disposição para fazer experimentos além dos limites do possível. Ela é a prova de que Musk é capaz de fazer julgamentos comerciais muito bons. Julgamentos comerciais de que a Tesla precisa desesperadamente. Já.

(J. Bradford DeLong leciona história econômica na Universidade da Califórnia, em Berkeley. É autor de “Slouching Towards Utopia: An Economic History of the Twentieth Century”. Foi vice-secretário adjunto do Tesouro, no governo Clinton, e faz parte do comitê consultivo da empresa de consultoria de investimentos Birnam Oak Advisors.)

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