Os bastidores da queda da corretora FTX: da batalha de bilionários à desistência do negócio
Erros de comunicação e tentativas de escapar de regulações prejudicaram um dos maiores fiascos recentes do mercado de criptomoedas
Tecnologia e Ciência|Do R7
As sementes da queda da corretora de criptomoedas FTX foram plantadas meses antes de o acordo com a rival Binance colapsar, decorrentes de erros cometidos pelo presidente-executivo, Sam Bankman-Fried, depois que ele interveio para salvar outras empresas de criptomoedas em meio ao aumento das taxas de juros.
A avaliação vem de várias fontes próximas a ele e também tem como base comunicações de ambas as empresas que não foram reveladas anteriormente.
Alguns desses negócios que envolvem a empresa de trading de Bankman-Fried, Alameda Research, levaram a uma série de perdas, que acabou se tornando a ruína do executivo, de acordo com três fontes.
Após a Binance desistir da aquisição, que envolvia os negócios fora dos Estados Unidos da FTX, Bankman-Fried disse por mensagem à equipe de sua exchange que a Binance não havia feito anteriormente nenhuma ressalva sobre o acordo e que ele estava "explorando todas as opções".
Nem a Binance nem a FTX responderam aos pedidos de comentários. Bankman-Fried disse à Reuters na terça-feira (8) que "provavelmente estarei sobrecarregado" para dar entrevistas. Ele não respondeu a nenhuma outra mensagem.
A Binance disse anteriormente que decidiu desistir do acordo como resultado de sua "due diligence" na FTX e notícias sobre as investigações que miram a empresa.
As informações da crise de liquidez na FTX — avaliada em 32 bilhões de dólares em janeiro (R$ 171 bilhões), com investidores como SoftBank e BlackRock — repercutiram no mundo das criptomoedas.
Ao abandonar o acordo, a Binance também evitou o escrutínio regulatório que provavelmente acompanharia a aquisição.
Relação azeda
O relacionamento entre o presidente-executivo da Binance, Changpeng Zhao, e Bankman-Fried começou em 2019. Seis meses após o lançamento da FTX, Zhao comprou 20% da empresa por cerca de 100 milhões de dólares, disse uma fonte. Na época, a Binance disse que o investimento era "destinado a expandir a economia de ativos digitais em conjunto".
Mas, em 18 meses, no entanto, a FTX cresceu rapidamente, e Zhao passou a ver a companhia como uma concorrente genuína de aspirações globais, disseram ex-funcionários da Binance.
Quando a FTX, em maio de 2021, solicitou uma licença em Gibraltar para uma subsidiária, teve que enviar informações de seus principais acionistas. Porém, a Binance não respondeu aos pedidos de informação da exchange, de acordo com mensagens e emails entre as empresas vistas pela Reuters.
Entre maio e julho, advogados e consultores da FTX escreveram à Binance pelo menos 20 vezes para obter detalhes sobre as fontes de riqueza de Zhao, relacionamentos bancários e propriedade da Binance, apontam as mensagens.
Em junho de 2021, um advogado da FTX disse ao diretor financeiro da Binance que a empresa não estava "se envolvendo adequadamente conosco" e que corria o risco de "interromper gravemente um projeto importante para nós".
Um executivo jurídico da Binance respondeu à FTX que estava tentando obter uma resposta do assistente pessoal de Zhao, mas as informações solicitadas eram "muito gerais", e eles poderiam não fornecer tudo.
Em julho daquele ano, Bankman-Fried cansou de esperar e comprou de volta a participação de Zhao na FTX por cerca de 2 bilhões de dólares, disse uma fonte. Dois meses depois, com a Binance não mais envolvida, o regulador de Gibraltar concedeu uma licença à FTX.
Essa quantia foi paga à Binance, em parte, na própria moeda da FTX, a FTT, disse Zhao — uma participação que ele mais tarde ordenaria que a Binance vendesse, o que precipitou a crise na FTX.
Ajuda à Alameda
Em maio e junho deste ano, a empresa de trading de Bankman-Fried, Alameda Research, sofreu uma série de prejuízos com negócios, segundo três fontes familiarizadas com as operações. Isso inclui um contrato de empréstimo de 500 milhões de dólares com a Voyager Digital, disseram duas das fontes. A Voyager entrou com pedido de recuperação judicial no mês seguinte, para o braço americano da FTX pagar 1,4 bilhão de dólares por seus ativos em um leilão em setembro.
Para sustentar a Alameda, que detinha quase 15 bilhões de dólares em ativos, Bankman-Fried transferiu pelo menos 4 bilhões de dólares em fundos da FTX, garantidos por ativos como FTT e ações da plataforma de negociação Robinhood, disseram as fontes. A Alameda havia divulgado, em maio, uma participação de 7,6% na Robinhood.
Bankman-Fried não contou a outros executivos da FTX sobre a medida para sustentar a Alameda, disseram as fontes, e acrescentaram que temiam que isso pudesse vazar.
Em 2 de novembro, no entanto, uma reportagem do canal de notícias CoinDesk detalhou um balanço patrimonial que supostamente mostrava que grande parte dos 14,6 bilhões de dólares em ativos da Alameda eram mantidos em FTT. A presidente-executiva da Alameda, Caroline Ellison, tuitou que o balanço patrimonial era meramente para um "subconjunto de nossas entidades corporativas", com mais de 10 bilhões de dólares em ativos não refletidos. Ellison não retornou os pedidos de comentários.
Zhao, então, disse que a Binance venderia toda a sua participação no token FTT, no valor de pelo menos 580 milhões de dólares, "devido a revelações recentes que vieram à tona". O preço do token caiu 80% nos dois dias seguintes, e uma torrente de saques da FTX ganhou ritmo.
Salto nos saques
Em sua mensagem para a equipe nesta semana, Bankman-Fried disse que a empresa viu um "salto gigante de retirada" de recursos. Os usuários sacaram 6 bilhões de dólares em tokens da FTX em apenas 72 horas, segundo ele, enquanto a média diária era de cerca de dezenas de milhões de dólares.
Mesmo após o tuíte de Zhao de que a Binance venderia sua participação em FTT, Bankman-Fried mostrou confiança de que a FTX resistiria aos ataques da rival. Ele disse à equipe, por meio da plataforma Slack, que os saques "não surpreendentemente foram altos", mas que a empresa havia conseguido processar as solicitações.
"Estamos prosseguindo", escreveu. "Obviamente, a Binance está tentando nos perseguir. Que assim seja."
Mas, na segunda-feira (7), a situação tornou-se terrível. Incapaz de encontrar rapidamente um investidor ou vender outros ativos ilíquidos sem aviso prévio, Bankman-Fried entrou em contato com Zhao, de acordo com uma fonte. Mais tarde, Zhao confirmou que Bankman-Fried havia ligado.
Bankman-Fried assinou uma carta de intenções não vinculante para a Binance comprar os ativos fora dos EUA da FTX. O negócio avaliava a FTX em vários bilhões de dólares, disseram duas fontes que tiveram acesso à carta — o suficiente para a empresa cobrir todos os pedidos de saque. Ainda assim, seria uma fração da avaliação que a empresa tinha recebido em janeiro.
Então veio o anúncio da Binance na quarta-feira da anulação da aquisição. "Os problemas estão além do nosso controle ou capacidade de ajudar", disse a Binance. Zhao tuitou: "Dia triste. Tentei", com um emoji chorando.
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