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Tecnologia e Ciência

Presidente de gigante das criptomoedas agiu para enganar reguladores nos EUA e Reino Unido

Executivos da Binance, a maior corretora de criptomoedas do mundo, criaram empresas separadas para contornar autoridades

Tecnologia e Ciência|Do R7

Executivos da Binance agiram para contornar autoridades financeiras
Executivos da Binance agiram para contornar autoridades financeiras

No início de 2022, Changpeng Zhao estava voando alto. Em menos de cinco anos, o fundador e presidente-executivo da Binance transformou sua jovem empresa na maior corretora de criptomoedas do mundo, respondendo por mais da metade das negociações em um mercado na casa do trilhão de dólares.

É verdade que as autoridades globais estavam monitorando as corretoras de criptomoedas cada vez mais de perto. Mas o bilionário nascido na China, conhecido pela equipe e pelos fãs por suas iniciais, CZ, tinha isso coberto. Ele disse aos clientes em uma publicação feita em janeiro que a Binance “abraça os regulamentos” e “sempre trabalhou em colaboração com reguladores de todo o mundo”. Nos bastidores, no entanto, os problemas aconteciam.

Por pelo menos um ano antes dessa publicação, o Departamento de Justiça dos EUA investigava denúncias de lavagem de dinheiro na Binance, buscando extensos registros sobre as políticas da companhia e a conduta de Zhao e outros altos executivos, publicou a Reuters em 1º de setembro. A empresa afirmou que tais pedidos de informação das autoridades eram um "processo padrão" e que trabalha com agências em todo o mundo para resolver suas questões sobre a companhia.

Agora, novos detalhes sobre a estratégia da Binance para manter os reguladores a distância surgem em nova investigação da Reuters. A reportagem inclui entrevistas com cerca de 30 ex-funcionários, consultores e parceiros de negócios e uma análise de milhares de mensagens, emails e documentos da empresa datados entre 2017 e início de 2022.


O levantamento mostra que em 2018 Zhao aprovou um plano para "isolar" a Binance das investigações das autoridades dos EUA, estabelecendo uma nova corretora americana. A nova empresa desviaria a atenção dos reguladores da plataforma principal, servindo como uma "câmara de compensação de consultas regulatórias", de acordo com a proposta. Os executivos passaram a pôr o plano em ação, mostram as mensagens da empresa.

Em público, Zhao disse que a nova corretora nos EUA — chamada Binance.US — era uma “entidade totalmente independente”. Na realidade, Zhao controlava a Binance.US, direcionando sua gestão do exterior, de acordo com registros regulatórios de 2020, mensagens da empresa e entrevistas com ex-membros da equipe. Um consultor, em uma mensagem aos executivos da Binance, descreveu a unidade nos EUA como uma "subsidiária de fato".


Neste ano, a operação de compliance da Binance.US está em turbulência. Quase metade da equipe dessa área na empresa nos EUA se demitiu em meados de 2022 depois que um novo chefe foi nomeado por Zhao, de acordo com quatro fontes que trabalharam na Binance.US. A equipe saiu, disseram essas fontes, porque o novo executivo pressionou os funcionários a registrar usuários na plataforma tão rapidamente que eles não podiam realizar verificações adequadas de lavagem de dinheiro.

As novas informações surgem quando o Departamento de Justiça dos EUA está investigando se a Binance violou a Lei de Sigilo Bancário, que exige que as corretoras de criptomoedas se registrem no Departamento do Tesouro e cumpram os requisitos criados para evitar práticas de lavagem de dinheiro se conduzirem negócios "substanciais" no país.


“A estrutura da Binance nos EUA levanta questões sobre o grau em que a controladora está disposta a cumprir as leis e regulamentos dos EUA”, disse Ross Delston, advogado independente, ex-regulador bancário e especialista em questões de combate à lavagem de dinheiro.

No Reino Unido, a Binance também buscou maneiras de contornar a fiscalização de autoridades, mostram mensagens da empresa. Zhao assinou um plano em 2020 elaborado por um executivo da Binance para alterar um documento da empresa para evitar uma revisão de uma unidade da Binance UK sob novas regras de finanças ilícitas. "Estou bem com isso", escreveu ele em uma conversa sobre o plano.

A Reuters buscou comentários de Zhao, Binance e Binance.US.

O diretor de comunicações da Binance, Patrick Hillmann, disse que, nos últimos dois anos, a Binance "trabalhou com a aplicação da lei global para apreender ativos de algumas das organizações criminosas mais prolíficas" do mundo. Ele não abordou as perguntas detalhadas da Reuters.

Depois da veiculação desta reportagem, Zhao disse em uma publicação online que "rejeitou pessoalmente" o plano de 2018 para isolar a Binance dos reguladores dos EUA. A Binance.US foi criada "com base em conselhos dos principais escritórios de advocacia dos EUA", disse ele.

Changpeng Zhao é o presidente e fundador da empresa
Changpeng Zhao é o presidente e fundador da empresa

Um porta-voz da Binance.US disse que as perguntas da Reuters apresentaram uma "narrativa tendenciosa", fornecendo uma "representação distorcida da Binance.US com base em imprecisões, deturpações e falsidades que simplesmente não condizem com a realidade".

A Binance.US foi fundada "com o propósito expresso de operar como uma entidade licenciada e regulamentada nos Estados Unidos", disse o porta-voz. "No último ano, sob a gestão atual, investimos em talentos, tecnologia e recursos financeiros para manter os mais altos padrões de conformidade", a empresa aumentou substancialmente o número de funcionários e o orçamento. "Todos os usuários do Binance.US, sem exceções, passam pelo mesmo processo rigoroso de triagem e validação."

Os departamentos de Justiça e Tesouro dos EUA e o regulador britânico, a Autoridade de Conduta Financeira (FCA, na sigla em inglês), se recusaram a comentar. A FCA advertiu os consumidores em junho de 2021 de que a Binance não possui "nenhuma forma" de permissão para oferecer serviços regulamentados no Reino Unido.

A Reuters no início deste ano revelou como a Binance impulsionou seu crescimento explosivo, mantendo fracos controles antilavagem de dinheiro e retendo informações dos reguladores. As lacunas em seu programa de conformidade permitiram que hackers, traficantes de drogas e fraudadores lavassem criptomoedas no valor de pelo menos 2,35 bilhões de dólares por meio da corretora.

A Binance contestou os dados, chamando os cálculos de fundos ilícitos imprecisos e as descrições de seus controles "desatualizadas". A corretora disse que está "impulsionando padrões mais altos do setor" e buscando "melhorar ainda mais nossa capacidade de detectar atividades ilegais em nossa plataforma".

No entanto, há sinais de que as lacunas permanecem na conformidade da Binance. Desde agosto de 2021, quando a empresa apertou as verificações de clientes, duas corretoras iranianas chamadas Wallex e Sarmayex usaram a Binance para movimentar criptomoedas no valor de pelo menos 29 milhões de dólares, apesar das sanções dos EUA ao Irã, de acordo com dados compilados por duas grandes empresas de análise de blockchain.

Essa atividade pôs a Binance em risco de ser atingida pelas chamadas sanções secundárias, que visam impedir que empresas estrangeiras façam negócios com entidades sancionadas ou ajudem os iranianos a escapar do embargo comercial dos EUA.

Wallex e Sarmayex não responderam a pedidos de comentários feitos pela Reuters.

O setor de criptomoedas está em um momento crítico. Os preços dos ativos caíram à medida que os bancos centrais apertam o crédito para combater a inflação. Os governos estão tentando domar uma indústria limitada por poucas barreiras durante sua evolução de nicho de internet para investimento convencional.

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Até agora, a Binance parece estar enfrentando o que os traders chamam de “inverno cripto”. Zhao prometeu 500 milhões de dólares em maio para se juntar à oferta de Elon Musk para comprar o Twitter e manifestou interesse em investir nos setores de mídia, varejo e jogos.

Em uma carta aberta aos clientes em julho, Zhao escreveu: "Como qualquer empresa jovem, cometemos erros no passado". A Binance, disse ele, agora opera "no mesmo nível de uma instituição financeira que existe há 200 anos".

MAIOR QUE O GOOGLE

No coração da história conturbada da Binance com compliance está seu carismático fundador, Zhao. O empresário de 45 anos construiu a empresa em torno de si mesmo, mostram entrevistas e documentos — um líder poderoso, comprometido com o sigilo, focado no domínio do mercado e atento aos mínimos detalhes operacionais, embora em público Zhao tenha dito que não microgerencia os funcionários.

"Queremos dominar todo o mercado!", disse Zhao à equipe em um grupo de bate-papo da empresa no fim de 2017, ano em que lançou o negócio na China.

Descrita em seu site como um “ecossistema” com mais de 120 milhões de usuários, a Binance criou pelo menos 73 empresas em todo o mundo, de acordo com registros corporativos e organogramas da empresa. Zhao possui ou controla parcialmente pelo menos 59. Ele se recusa a fornecer detalhes sobre a localização ou entidade por trás da corretora principal, que ganha dinheiro cobrando taxas sobre transações de criptomoedas.

Após o lançamento da Binance, Zhao destinou os principais cargos a um círculo interno de associados, muitos dos quais trabalharam ou estudaram na China. Entre eles estava a cofundadora Yi He, ex-apresentadora de um programa de viagens na TV chinesa. Por vários anos, Zhao e Yi He estavam em um relacionamento romântico, segundo quatro pessoas que conheciam o casal. Eles têm um filho que nasceu nos EUA, disseram as fontes. As empresas geralmente têm políticas em vigor em relação a esses relacionamentos, com algumas exigindo que uma das pessoas envolvidas deixe a organização.

Yi He, que não se manifestou ao ser contatada, está entre os assessores mais poderosos de Zhao e é vista por alguns ex-funcionários seniores como uma potencial sucessora dele. Em agosto, Zhao a nomeou chefe do braço de investimento de risco da Binance, de 7,5 bilhões de dólares, ampliando suas funções, que incluem chefe de marketing. Duas semanas antes, Zhao disse a um entrevistador que Yi He tinha sido “integral para o sucesso da Binance” e seria “parte integrante de nosso crescimento contínuo”.

O porta-voz da Binance, Hillmann, disse que "dois adultos consentidos começando uma família juntos não é novidade. A mídia sabe sobre o relacionamento deles (que é anterior à Binance) há anos".

À medida que a Binance crescia, Zhao disse aos funcionários em mensagens que a empresa seria "maior que o Google". Ele os encorajou a ler Blitzscaling — The Lightning-Fast Path to Building Massively Valuable Companies, um livro sobre como promover o crescimento vertiginoso em start-ups, observando que era "muito aplicável a nós".

Um guia da empresa explicava a missão da Binance para novos funcionários. Resultados rápidos são essenciais. Em vez de realizar pesquisas aprofundadas ou análises de dados, os funcionários devem tomar decisões confiando no instinto. Se eles não encontrarem problemas, isso significava que "não estamos avançando rápido o suficiente", uma ênfase na velocidade que levanta questões sobre o foco da Binance em compliance.

A preferência de Zhao pelo sigilo permeou a empresa.

Nos primeiros dias da Binance, Zhao impulsionava o crescimento da companhia a partir de dois países — primeiro na China e depois no Japão — nos quais não possuía licença de operação. Zhao disse aos funcionários em mensagens para não divulgarem publicamente para quem trabalhavam ou onde ficavam seus escritórios.

Em uma ocasião em 2018, uma empresa de segurança digital com sede em São Francisco chamada Bugcrowd pediu à Binance o endereço de sua sede. Depois que os executivos da Binance alertaram no grupo de bate-papo contra a divulgação disso, Zhao instruiu a equipe a fornecer um endereço nas Ilhas Cayman, onde ele havia estabelecido uma holding, embora os funcionários da Binance estivessem principalmente na Ásia. Procurada, a Bugcrowd se recusou a comentar.

Mais tarde, a Binance expandiu as regras de sigilo para impedir que os funcionários revelem sua localização nas mídias sociais, discutam seu trabalho em público ou usem qualquer coisa com a marca Binance. Zhao disse a eles que se comunicassem usando serviços de mensagens criptografadas e evitassem o email o máximo possível. O assistente pessoal de Zhao emitiu um guia sobre como utilizar um serviço de mensagens chamado Keybase, instruindo os funcionários a não usarem seu endereço de email da Binance para se registrarem e listando as "mensagens autoapagáveis" da Keybase como um benefício.

O sigilo deixou pelo menos quatro funcionários desconfortáveis. "Parecia que você estava fazendo algo errado", afirmou um ex-gestor da empresa em entrevista.

Ex-funcionários disseram que Zhao muitas vezes era muito exigente. Em uma mensagem em 2020, ele repreendeu um funcionário por não conseguir expandir a Binance em novos mercados e disse que estava "frustrado por não estarmos avançando mais rápido".

Mas Zhao também ofereceu vantagens. Ele levou funcionários em viagens de esqui ao Japão e férias em praias da Tailândia. Muitos receberam salários no próprio token virtual da Binance, o BNB, cujo valor aumentou mais de 15 vezes no início do ano passado, à medida que o mercado de criptomoedas crescia.

O próprio Zhao raramente se entregava publicamente a luxos. "Quando você é o maior, tem que ser especialmente humilde", disse ele em uma mensagem aos funcionários no fim de 2018. Em um tuíte em setembro, ele disse que uma estimativa da Forbes de sua riqueza de 17,4 bilhões de dólares era uma "opinião subjetiva".

TRILHA DE PAPEL

Zhao mantinha o olho nas operações, realizando verificações pontuais nas folhas de ponto dos funcionários, de acordo com mensagens de bate-papo e entrevistas com ex-funcionários.

Um exemplo de sua supervisão ocorreu no início de 2020. Um parceiro de pagamentos com sede em Londres chamado Checkout.com pediu à Binance que declarasse em seu site que uma das unidades britânicas da Binance "será responsável pelas transações" realizadas usando dinheiro tradicional. Um porta-voz do Checkout.com disse que o pedido era "completamente padrão nos mundos de pagamentos e comércio".

Um funcionário da Binance fez um alerta sobre o pedido em uma troca de mensagens que incluiu Zhao e outros executivos. O funcionário advertiu que a declaração deixaria um "rastro de papel" ligando a unidade britânica à exchange principal, que a Binance protegeu dos reguladores globais ao não fornecer detalhes de sua localização.

Zoe Wei, executiva de estratégia da Binance, respondeu que a declaração poderia ser feita sem divulgar publicamente detalhes do relacionamento da unidade do Reino Unido com a corretora principal. "Não entrará em conflito com nossa política", escreveu ela. Essa foi uma aparente referência ao objetivo da Binance, estabelecido em um documento de compliance da empresa naquele mês, de “proteger os negócios de fiscalização regulatória desnecessária”.

Wei acrescentou mais tarde que a Binance poderia "excluir secretamente" a declaração depois. "Há muito espaço para jogar com compliance", observou ela.

"Parece bom. Vá em frente", respondeu Zhao. Nas semanas seguintes, a Binance adicionou e excluiu a alteração em seus termos de uso.

Questionado sobre as mensagens, um porta-voz da FCA disse: "Atualmente, a Binance não tem permissão para realizar nenhuma atividade regulamentada sem o consentimento por escrito da FCA". O regulador aprovou as restrições no ano passado depois de concluir que outra empresa da Binance no Reino Unido "não era capaz de ser efetivamente supervisionada" porque se recusou a fornecer informações sobre os negócios da Binance e a entidade legal por trás da corretora principal.

Em outra mensagem, em 11 de março de 2020, Wei propôs retroceder em três meses um contrato de serviço relacionado a várias operações entre a unidade do Reino Unido e a holding da Binance nas Ilhas Cayman. O objetivo: ganhar tempo com o regulador do Reino Unido. A FCA aplicou recentemente regras rígidas de combate à lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo na indústria de criptomoedas. Mas qualquer empresa que pudesse mostrar que estava operando antes de 10 de janeiro de 2020 estaria isenta de registro por mais um ano.

Wei disse que a Binance precisava convencer a FCA de que “nossa entidade do Reino Unido começou a operar antes de 10 de janeiro de 2020”.

"Empresas com atividades cripto existentes" no Reino Unido antes dessa data "podem continuar suas operações sem se registrar na FCA até 10 de janeiro de 2021", escreveu ela.

Outro executivo escreveu que a manobra de alterar a data poderia ser uma "fonte de suspeita".

Zhao acenou com o plano. "Estou bem com isso", escreveu. Mais tarde, ele assinou o documento, que foi visto pela Reuters. A FCA se recusou a comentar o episódio.

ISOLANDO A BINANCE

À medida que a Binance corria para se expandir, um mercado estava em foco: os Estados Unidos.

Cinco meses após o lançamento da Binance, em 2017, um terço de seus usuários — 1 milhão na época — eram dos EUA, segundo um comunicado da própria empresa. Mas a Binance não havia se registrado no Departamento do Tesouro dos EUA, como a Lei de Sigilo Bancário exigia de empresas financeiras com negócios "substanciais" no país.

Em setembro de 2018, o gabinete do procurador-geral de Nova York anunciou que havia encaminhado a Binance ao regulador estadual por potencialmente violar leis que regulam negócios com criptomoedas, depois de investigar se a empresa aceitava residentes locais como clientes. O regulador estadual e o gabinete do procurador-geral se recusaram a comentar.

Logo depois, Zhao encarregou os executivos de encontrarem uma maneira de garantir que a Binance mantivesse o acesso ao mercado dos EUA, disseram duas pessoas que trabalham com ele. Em outubro, dezenas de mensagens mostram que um grupo de executivos de alto escalão, incluindo a cofundadora Yi He, buscou a experiência de um empresário chamado Harry Zhou.

Harry Zhou dirigia uma empresa de negociação de criptomoedas nos EUA na qual a Binance havia investido. Ele enviou uma proposta a um grupo de mensagens de executivos da Binance para abordar "riscos específicos da Binance nos EUA". Zhou sugeriu o que ele descreveu como uma "entidade Tai-Chi", uma referência a uma arte marcial com virtudes defensivas. Ele não respondeu aos pedidos de comentários para este artigo.

Alguns detalhes da proposta de Zhou, vistos pela Reuters, foram relatados pela Forbes em 2020. A Binance processou a Forbes por difamação sobre o artigo naquele ano, alegando que a proposta nunca foi implementada e que Zhou era um "terceiro", não agindo em nome da Binance. A Binance mais tarde desistiu do processo. A Forbes não quis comentar.

A Reuters revisou outras mensagens que detalham ainda mais o plano, mostram que os executivos da Binance seguiram em frente e que Zhou estava trabalhando em estreita colaboração com a Binance.

A proposta de Zhou exigia que a Binance registrasse no Departamento do Tesouro uma entidade americana separada que cumpriria a Lei de Sigilo Bancário. O plano é mostrado em uma apresentação intitulada "Binance US Entry", que ele compartilhou com o grupo executivo. Essa entidade ofereceria aos traders uma seleção de tokens muito menor do que a corretora principal, e nenhum produto derivativo, para "reduzir o interesse das autoridades" da Securities and Exchange Commission (SEC), o órgão de fiscalização dos mercados de capitais dos EUA. A SEC se recusou a comentar.

A Binance restringiria o acesso dos clientes dos EUA à plataforma principal, disse a apresentação. Mas a Binance permitiria o uso "estratégico" de redes privadas virtuais, que obscurecem a localização dos usuários na internet, para "minimizar o impacto econômico". Isso deixaria uma brecha: os traders baseados nos EUA ainda poderiam acessar a corretora principal, com sua maior liquidez e maior variedade de produtos, usando uma conexão VPN.

A apresentação de Zhou explicou os ônus que a corretora principal teria ao ser regulada: "O contato ativo com os reguladores pode resultar em longas consultas e solicitações de divulgações excessivas; os custos de liquidação podem ser substanciais". Mas a estrutura do Tai Chi "isolaria a Binance de passivos legados e futuros" e "retardaria e resolveria as tensões acumuladas de fiscalização". A entidade Tai Chi — e não a própria Binance — se tornaria “o alvo” das autoridades dos EUA.

Changpeng Zhao, durante evento sobre criptomoedas em Paris
Changpeng Zhao, durante evento sobre criptomoedas em Paris

O assistente pessoal do presidente-executivo da Binance, Zhao, organizou uma videochamada com Harry Zhou e o grupo de executivos da Binance no início de novembro de 2018. Durante a ligação, Zhou apresentou a proposta a Zhao, que concordou porque não queria perder a base de clientes da Binance nos EUA, disseram duas fontes que participaram da reunião.

Cerca de uma semana depois, o diretor financeiro da Binance na época, Wei Zhou, enviou uma mensagem aos executivos para dizer que "começamos a planejar" a criação da entidade Tai Chi nas próximas semanas. Ele disse aos executivos que era importante conquistar "corações e mentes" nos EUA com uma estratégia de relações públicas focada em uma "mensagem compatível".

À medida que avançavam com o plano, Harry Zhou disse em uma mensagem de meados de novembro que a futura operação dos EUA teria que “preservar cuidadosamente a separação técnica da Binance para evitar admitir que é uma subsidiária de fato”. Os ganhos dos negócios dos EUA podem ser enviados para a empresa principal na forma de licenças e taxas de serviço sem ameaçar a separação legal das duas entidades, escreveu ele.

No mês seguinte, o presidente-executivo da Binance, Zhao, pediu a um lobista em Washington que se encontrasse com o vice-presidente financeiro da empresa, Wei Zhou, para discutir os planos. Todd White, sócio-gerente da Rulon & White Governance Strategies, disse a Wei Zhou que uma corretora com sede nos EUA teria que cumprir os requisitos de combate à lavagem de dinheiro. Mas o chefe de finanças só queria falar sobre o quão rápido a Binance poderia crescer nos Estados Unidos, lembrou White em entrevista à Reuters.

Após a reunião, White enviou uma carta a Zhao para alertá-lo sobre a aparente falta de preocupação da Binance com as leis de crimes financeiros dos EUA. "Ouça os dois lados e você será iluminado, preste atenção apenas a um lado e você será ignorante", escreveu White, citando um antigo provérbio chinês.

Wei Zhou, que deixou a Binance no ano passado, não respondeu a pedidos de comentários.

EM UMA BANDEJA DE PRATA

No início de 2019, o plano Tai Chi começou a ser posto em prática.

Em fevereiro, uma empresa chamada BAM Trading Services foi incorporada no Estado americano de Delaware, usando o mesmo endereço de San Francisco da empresa de comércio de criptomoedas de Harry Zhou. A BAM se registrou no Departamento do Tesouro dos EUA como uma empresa de serviços financeiros em junho de 2019, assim como a Binance disse que estava impedindo o acesso de usuários dos EUA a sua corretora principal.

Dias depois, a Binance revelou uma "parceria" com a BAM Trading, dizendo que a BAM licenciaria o nome e a tecnologia de negociação da Binance para lançar a corretora Binance.US. Zhao disse que a Binance.US, liderada pela BAM, "serviria o mercado dos EUA em total conformidade regulatória" e seria uma "entidade totalmente independente".

Mas a BAM acabou sendo controlada por Zhao, mostram os registros regulatórios. A primeira presidente-executiva da empresa, Catherine Coley, reportava-se ao conselho da Binance.US, presidido por Zhao. A holding da Binance nas Ilhas Cayman manteve a custódia das carteiras digitais dos clientes da Binance.US, de acordo com um relatório financeiro da empresa de 2019. E um organograma da empresa mostrava a Binance.US como parte do grupo Binance.

Em uma mensagem de julho de 2019 aos funcionários em que anunciava a contratação de Coley, o chefe de estratégia da Binance, Gin Chao, disse a eles para evitarem divulgar a verdadeira extensão das conexões da nova presidente com a Binance. “Um lembrete para todos que Coley é uma parceira da Binance no que diz respeito aos parceiros externos”, escreveu ele. "Internamente, é claro, ela é um membro valioso da equipe."

Nem Chao, que agora faz parte do conselho da Binance.US, nem Coley responderam a pedidos de comentários.

Apesar da proibição de usuários dos EUA, a Binance estava ciente de que os traders continuavam a usar a plataforma principal, mostram as mensagens. Em agosto daquele ano, um funcionário sênior disse a um colega em uma mensagem que o departamento de conformidade havia dito em particular que a corretora não estava, na prática, banindo usuários dos EUA. Em publicações em fórum e guias online, os usuários da Binance disseram que poderiam contornar a proibição acessando a corretora por meio de VPNs.

Enquanto isso, o presidente-executivo da Binance, Zhao, estava preocupado com o acesso das autoridades dos EUA aos registros internos da corretora principal. Quando um funcionário em maio perguntou no grupo de bate-papo da empresa se eles poderiam usar a ferramenta online Slack para se comunicar, Zhao disse que o aplicativo de mensagens "dará nossos dados a qualquer agência dos EUA em uma bandeja de prata". Um porta-voz da Slack disse que a empresa só atende a solicitações legais válidas.

Sob Coley, a Binance.US cortejou os americanos com a promessa de baixas taxas de negociação. Mas, diferentemente da principal corretora da Binance, todos os clientes dos EUA tiveram que enviar documentação de identificação para abrirem contas, prolongando o processo de inscrição. Até agosto de 2021, a principal corretora da Binance permitia que os usuários abrissem contas e negociassem criptomoedas anonimamente, apenas fornecendo um endereço de email. Os usuários agora devem enviar documentos de identificação.

Durante o primeiro ano da Binance.US, Zhao ficou frustrado com o ritmo lento do crescimento da empresa e pressionou Coley para integrar clientes mais rapidamente, de acordo com três fontes que trabalharam com ela. Zhao, disseram as fontes, estava ansioso para ver a empresa ganhar participação de mercado da principal rival nos EUA, a Coinbase.

Coley não comprometeria seus padrões de compliance para atender às demandas de Zhao, disseram as fontes. Em uma entrevista de abril de 2020 à Forbes, ela disse que nunca “comprometeria nossas políticas nessa frente para permitir que mais pessoas ingressassem” na plataforma.

Em dezembro de 2020, a seção de lavagem de dinheiro do Departamento de Justiça dos EUA enviou uma carta à Binance. Como a Reuters noticiou no mês passado, o departamento solicitou quaisquer comunicações envolvendo 12 executivos, incluindo Zhao e Coley, além do conselheiro Harry Zhou, relacionadas ao estabelecimento da Binance.US e ao recrutamento de clientes sediados nos EUA. O departamento procurou todos os registros da empresa na entidade Tai Chi, juntamente com instruções que os funcionários se comunicam por meio de serviços de mensagens criptografadas. Naquele mês, a SEC também emitiu uma intimação à BAM, endereçada a Coley, exigindo que ela entregasse documentos mostrando quais serviços a Binance estava fornecendo à empresa americana.

A Reuters não conseguiu estabelecer como a Binance ou a BAM responderam às demandas.

Coley deixou a empresa de repente quatro meses depois. Três fontes familiarizadas com sua saída disseram que a decisão ocorreu após confrontos regulares com Zhao. Ela não fez nenhuma declaração pública desde que saiu da companhia.

Seu substituto, Brian Brooks, ex-regulador bancário dos EUA, durou apenas três meses no cargo. Ele queria distanciar Zhao da Binance.US, dizendo a um entrevistador que planejava adicionar novos membros ao conselho dos EUA e se encarregar do desenvolvimento de software. Ele também procurou reforçar a equipe de compliance contratando pessoal experiente. Depois que Zhao rejeitou suas propostas, ele se demitiu, disseram quatro fontes familiarizadas com sua saída.

Em um tuíte de agosto de 2021, Brooks culpou “diferenças na direção estratégica”.

APENAS O COMEÇO

Em outubro passado, a Binance.US nomeou um novo presidente-executivo, Brian Shroder, cujo irmão, Matt, já trabalhava para a principal corretora como chefe de sua equipe de operações de expansão global.

Ambos os Shroders trabalharam anteriormente na Uber Technologies, onde ajudaram a impulsionar a dramática ascensão da empresa. Cerca de seis ex-colegas de Brian Shroder na Uber se juntaram para preencher cargos de alto escalão na Binance.US.

Um dos alvos do novo chefe era o departamento de compliance, que no início deste ano contava com cerca de 20 pessoas. Shroder e seus representantes ordenaram que o departamento cadastrasse usuários o mais rápido e facilmente possível, disseram quatro fontes que trabalhavam lá. Os executivos também disseram ao departamento para aplicar verificações mais brandas ao abrir contas para "clientes VIP" —- traders não americanos que foram encaminhados à Binance.US pela corretora principal para aumentar a liquidez lá.

As novas regras comprometeram o dever da equipe de compliance da Binance.US, que tinha como obrigação avaliar os usuários quanto a possíveis atividades criminosas, disseram as quatro fontes. A equipe de compliance também se esforçou para obter dados de clientes e documentação sobre as políticas antilavagem de dinheiro da Binance.US. Muitas vezes, eles precisavam solicitar as informações da corretora principal, cujos desenvolvedores em Xangai ainda administravam o site dos EUA.

Em uma ocasião, um executivo de alto escalão do setor de conformidade disse a Shroder que a equipe não tinha recursos para verificar adequadamente os clientes, lembrou uma fonte. Em resposta, a fonte disse que Shroder amaldiçoou e gritou com eles, descartando suas preocupações. À medida que as tensões com Shroder aumentavam em seus primeiros seis meses como chefe, o funcionário se demitiu, assim como cerca de dez outros membros da equipe de compliance.

Em resposta à Reuters, o porta-voz da Binance.US disse: "No ano passado, a Binance.US apenas acelerou seus investimentos em seu programa de compliance, aumentando substancialmente o número de funcionários e o orçamento". Shroder "fortaleceu nosso programa de conformidade, aprimorando o talento de nossas equipes". A empresa possui controles robustos de conhecimento de seus clientes e antilavagem de dinheiro em nível "comparável ao das principais instituições financeiras do país", acrescentou o porta-voz.

Neste ano, o mercado de criptomoedas entrou em colapso. Zhao projetou confiança de que a queda ajudaria a Binance a consolidar seu domínio sobre o setor. "Todo mundo que dura, que sobrevive, será mais forte", disse ele a um entrevistador em junho. Em meados do ano, a Binance controlava cerca de 60% dos mercados globais de criptomoedas, mostram dados do pesquisador CryptoCompare.

A investigação do Departamento de Justiça prosseguiu. Os agentes entrevistaram ex-funcionários da Binance sobre seu trabalho em tópicos como verificações de conformidade, de acordo com uma fonte com conhecimento direto da investigação. Então, em junho, a Reuters publicou que criminosos usaram a Binance para lavar dinheiro.

Zhao foi às redes sociais no dia seguinte, denunciando "ataques externos". No Twitter, onde Zhao tem 7 milhões de seguidores, ele "curtiu" imagens simuladas criadas por apoiadores que o retratam alternadamente como Superman e um guerreiro espartano.

Em julho, a Binance comemorou seu quinto aniversário com uma festa em um jardim botânico parisiense. Zhao subiu ao palco para aplausos arrebatadores de fãs que se acotovelaram para fazer fotos com ele.

Desviando uma pergunta do público sobre quando o mercado de criptomoedas será totalmente regulado, Zhao se preparou para cortar um bolo de aniversário com as cores preta e amarela da Binance. A estratégia, disse ele à multidão, era "manter a cabeça baixa" e construir para o próximo ciclo de crescimento do mercado.

"Estamos apenas no começo", disse ele.

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