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Após ensino remoto, universidades precisam dar aula extra para calouros

USP investiu R$ 3 mi em programa de tutoria para recuperação de conhecimentos tanto para quem veio do ensino médio como para quem começou a estudar na pandemia

Educação|

USP cria programa de tutoria para auxiliar alunos a preencherem lacunas do ensino remoto
USP cria programa de tutoria para auxiliar alunos a preencherem lacunas do ensino remoto USP cria programa de tutoria para auxiliar alunos a preencherem lacunas do ensino remoto

Os dois anos de aulas preferencialmente remotas no ensino médio, por causa da pandemia da Covid-19, levaram a lacunas em conhecimentos básicos, que precisam agora ser preenchidas por universidades com programas e tutorias — para desenvolver sobretudo habilidades como leitura e síntese —, além de disciplinas extras de reforço. As iniciativas incluem também alunos que entraram na universidade durante a crise sanitária. "Não podemos fingir que nada aconteceu", diz o pró-reitor adjunto de Graduação da USP (Universidade de São Paulo), Marcos Neira. "Há habilidades e conhecimentos que não podem ser desenvolvidos em uma sala virtual."

A USP investiu R$ 3 milhões em um programa de tutoria para recuperação de conhecimentos. Neira destaca que o reforço é voltado tanto para os alunos que chegam agora — vindos do ensino médio remoto — quanto para quem já está no curso. "Pela primeira vez, temos, em tese, três turmas de 1.º ano." Por isso, as tutorias tratam de temas básicos, como leitura acadêmica, até os mais complexos, de disciplinas já cursadas.

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A ação é emergencial, mas há possibilidade de renovação. São 376 projetos, com 498 tutores: estudantes do último ano, da pós e do pós-doutorado. Eles, reforça Neira, não substituem o professor. Dão atendimento mais individualizado e, pela idade próxima, têm vantagem em se conectar com o tutorado, na linguagem e no tipo de relação. O programa permite ainda a vivência do câmpus que os alunos não tiveram antes.

Antes de submeterem os projetos, os docentes tiveram, em março, com a volta do ensino presencial, de diagnosticar lacunas deixadas pelo remoto. "Na semana de recepção dos calouros, em rodas de conversa bem informais, ouvimos deles próprios como foi uma 'colatina' generalizada na pandemia em provas e tarefas online", conta Ricardo de Camargo, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG). "Se o aluno reprova no início do curso, o risco de desistir aumenta muito." Ingressantes em 2020, 2021 e 2022 foram incentivados a participar.

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Na tutoria que o Estadão acompanhou, o doutorando Gabriel Elias Mandanda apresentava slides a quatro alunos do IAG. A cada conceito exposto, questionava: "Certo?" Se a resposta era negativa ou o olhar da turma sinalizasse dúvida, retomava a explicação quantas vezes fosse preciso. "Além de explicarmos, temos de observar o grau de entendimento", diz. "Fico mais confortável em um ambiente assim", diz Raquel Bueno, de 18 anos, que veio da rede pública. "Quando tem muita gente em sala, não consigo perguntar, tenho vergonha." Para aulas de Cálculo 1, recorreu até a uma professora particular. "Não tive base [de matemática]."

MAIS INICIATIVAS

A Federal do Paraná (UFPR) criou o "semestre zero", com disciplinas introdutórias para ingressantes de 2022 em produção de textos acadêmicos; leitura de textos acadêmicos em inglês; direitos humanos; e fundamentos da matemática e estatística. As aulas, virtuais, eram dadas por docentes da UFPR e houve tutorias com alunos da pós. Algumas disciplinas tiveram 150 turmas.

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Guilherme Martins, diretor de Graduação do Insper, avalia que a pandemia "não trouxe problemas novos, amplificou os problemas". Segundo ele, na primeira semana de aula, os calouros têm "conhecimentos centrais do ensino médio" testados. Se ficam abaixo do mínimo esperado, são direcionados a classes de reforço e monitorias. "Nos últimos dois anos, mesmo com os candidatos continuando a vir de excelentes escolas, a taxa de alunos que precisam do reforço dobrou."

Joelma Morbach, diretora de apoio a alunos e docentes da Pró-reitoria de Ensino de Graduação da Federal do Pará (UFPA), conta que também ficou evidente a dificuldade com a rotina acadêmica: muitos alunos passaram a trabalhar na pandemia e, agora, não têm mais tanto tempo para os estudos. "A maioria tem dificuldades socioeconômicas, renda per capita abaixo de 1,5 salário mínimo." Os professores, conta, têm sido "sensíveis" à realidade, com flexibilização no tamanho de turmas e no estudo dirigido.

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ANSIEDADE E DIFICULDADE DE CUMPRIR PRAZOS

Além de dificuldades nos conteúdos, as universidades veem jovens com mais dificuldades socioemocionais. Janaina Santos, que coordena o programa de apoio pedagógico aos alunos da Federal de Santa Catarina (UFSC), conta que os relatos de fobia social após a volta das aulas presenciais em abril chamam a atenção.

"Eles nos procuram para colocar que não se sentem confortáveis com atividades em grupo, apresentação de seminário", diz. "Não querem ou não conseguem compartilhar o espaço físico. As razões são as mais diversas, desde o medo de se contaminar pela Covid ou simplesmente porque não conseguiram se encontrar na sua identidade naquela turma. Ainda não se sentem parte."

Segundo ela, houve esforços para minimizar impactos da transição para o virtual, como ampliar a orientação pedagógica e bolsas de monitoria. Mesmo assim, avalia, há perdas. Em fevereiro e março de 2021, formulário aplicado pela UFSC mostrou que 73% relataram piora na saúde física e mental. Foi criada neste ano política de saúde mental para alunos, professores e funcionários. Além disso, diz Janaína, tem sido alta a demanda por apoio pedagógico — que foi expandido pela via remota.

A adaptação ao ensino presencial, principalmente dos calouros de 2020 e 2021, também preocupa a Federal do Rio (UFRJ). O projeto focado na autorregulação da aprendizagem remota, criado na pandemia, agora discute o retorno. Ao se inscrever, o estudante tem acesso a atividades como rodas pedagógicas, lives e interação por meio do WhatsApp. Os eventos abordam temas como escrita acadêmica e autonomia na aprendizagem.

Arlene Maria Zimba dos Santos Pires, coordenadora do projeto, destaca que a principal dificuldade tem sido na organização do tempo dos jovens. "Do ponto de vista da aprendizagem, noto demais a questão da procrastinação, do adiamento das atividades, de não conseguirem cumprir com os compromissos", diz.

Para o aluno de jornalismo João Tuasco, de 19 anos, as quatro horas diárias entre ida e volta do câmpus criaram um desafio: fazer todas as leituras do curso. Ele largou um frila como revisor de texto e tenta fazer as leituras mais dinâmicas — com dicas que recebeu do projeto da UFRJ. Mesmo assim, não tem dado conta e teme prejuízos ao aprendizado. "O texto esclarece e aprofunda algumas coisas que os professores não têm como explicar na aula."

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