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Cortes de recursos e atrasos ofuscam “Pátria Educadora” no início do 2º mandato de Dilma

Atrasos, cortes e mudanças de regras atingem principais programas educacionais do governo

Educação|Alvaro Magalhães e Mariana Queen Nwabasili, do R7

Atraso no pagamento das bolsas de pesquisadores; demora nos repasses às universidades que têm alunos do Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego); limitação de gastos administrativos em instituições federais de ensino superior, como limpeza e segurança; mudança de regras e dificuldades de inscrições no Fies (Programa de Financiamento Estudantil).

Após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, o governo federal fechou a torneira da educação.

O arrocho vai na contramão do slogan “Pátria Educadora”, lançado pela presidente em seu discurso de posse, há pouco mais de três meses. E também em direção contrária ao crescimento vivido pelo setor durante o primeiro mandato de Dilma.

Os investimentos em educação subiram de R$ 5,7 bilhões, em 2010, para R$ 8,7 bilhões, em 2014, segundo levantamento do economista Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas. Descontada a inflação, o investimento cresceu 20%. O quadro de funcionários também aumentou: em 2010, era de R$ 15 bilhões; em 2014, chegou a R$ 25 bilhões. Uma alta de 34%, também descontada a inflação.

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Agora, o aperto de cinto deste início de ano faz parte de uma série de medidas que ajudam o governo a acertar as contas, prioridade da nova equipe econômica — e tem afetado também os outros ministérios. No ano passado, as contas da União, Estados e municípios tiveram, pela primeira vez, um déficit: R$ 32,5 bilhões.

Para Almeida, parte dos problemas que a educação tem sofrido, como atrasos em pagamentos, funciona como uma forma de controlar o caixa do governo no curto prazo. Outras medidas, como as mudanças de regras do Fies, são estruturais.

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— Atrasar pagamentos pode ser uma estratégia para segurar as finanças até que a economia melhore ou que outras medidas, mais duradouras, sejam tomadas.

Atrasos

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Os atrasos de pagamentos atingiram, ao menos, dois níveis da educação púbica: a pesquisa e o ensino técnico.

Em dezembro passado, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão federal ligado ao MEC (Ministério da Educação) atrasou o pagamento de bolsa a pesquisadores e estudantes que fazem iniciação científica.

O problema foi regularizado em janeiro. Luiz Araújo, professor da Faculdade de Educação da UnB e presidente nacional do PSOL, afirma que é difícil definir o motivo do atraso.

— Atrasar o pagamento de um ano para o outro pode ter sido uma estratégia para reduzir o déficit fiscal do ano passado. Mas pode também ter sido motivado pela falta de dinheiro em caixa.

Alunos assistem a aulas “escondidos” e pensam em trancar faculdade após problemas no Fies

Pesquisadores ouvidos pela reportagem afirmam que a bolsa da Capes não costumava atrasar.

Levantamento feito pelo economista Mansueto Almeida aponta que o gasto pelo governo com bolsas de estudo foi maior em janeiro e fevereiro deste ano do que no mesmo período de 2014: R$ 764 milhões, ante R$ 606 milhões. A conta considera todos os valores pagos pela União, incluindo os chamados “restos a pagar”, referentes ao ano anterior.

Antes dos problemas da Capes, instituições privadas que possuem alunos do Pronatec também deixaram de receber do governo. O pagamento referente a outubro foi o primeiro a não cair. O atraso só começou a ser regularizado neste mês. Segundo o levantamento de Almeida, o governo gastou, em janeiro e fevereiro deste ano, R$ 331 milhões com o Pronatec. No mesmo período do ano passado, a verba foi bem maior: R$ 794 milhões.

Limitação de gastos

Nos primeiros meses de 2015, as universidades públicas sofreram com a redução da verba devido ao atraso do Congresso na aprovação do Orçamento - ele deveria ter sido apreciado pelo Senado e a Câmara no final do ano passado, mas só foi votado na noite desta terça-feira (17). No início do ano, o governo federal determinou o corte de 30% do dinheiro destinado a gastos administrativos, que é usado para a contratação de terceirizados (como funcionários de limpeza e segurança) ou para gastos com gasolina, material de escritório, entre outros.

Nelson Cardoso Amaral, professor da Faculdade de Educação da UFG (Universidade Federal de Goiás) e assessor para assuntos institucionais da reitoria da universidade, admite problemas para pagar as contas.

— Já está acontecendo atrasos nos pagamentos de água, luz telefone, porque, se você recebeu menos dinheiro, não tem o que fazer. São contas básicas, mesmo. Como não há folga no orçamento, já estamos devendo pedaços de contas de janeiro e fevereiro.

Hermano Perrelli, pró-reitor de Planejamento da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), afirma que, com o corte, a instituição mudou o repasse às unidades.

— Aqui na UFPE fazemos a descentralização do dinheiro para as unidades. Mas, até agora, recebendo menos dinheiro, só descentralizamos um quarto do dinheiro encaminhado anualmente para os departamentos das unidades.

Ele também admite que a universidade tem tido dificuldade para pagar as contas.

— Temos pagado as despesas básicas, estamos em dia com água e energia, embora eventualmente a gente tenha alguns atrasos com relação a alguns contratos. Temos alguns atrasos, mas estamos honrando.

Na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a frequência de alguns serviços, principalmente de terceirizados, está sendo reavaliada, como afirma a reitora Soraya Smaili.

— Neste momento, por efeito do decreto, estão suspensas diárias e passagens para os servidores, exceto em situações em que as viagens sejam inadiáveis [...] A Unifesp tem feito o possível para manter todas as suas atividades de forma plena. 

Segundo a reitora, caso haja corte no custeio (verba repassada paras as universidades), a revisão do funcionamento de algumas outras atividades será necessária.

A UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) adiou o início das aulas.

Segundo levantamento do economista Mansueto Almeida, na prática, o dinheiro repassado pelo governo para financiar instituições federais de ensino superior caiu de R$ 513 milhões, em janeiro e fevereiro de 2014, para R$ 340 milhões, no mesmo período deste ano.

Mudança no Fies

O Fies (financiamento estudantil) sofreu modificações profundas. O governo federal estipulou uma nota mínima no Enem para que os alunos ganhem o financiamento, além de definir um teto de 6,4% de reajuste do benefício, antes condicionado ao aumento das mensalidades. Os repasses às universidades também foram alterados. Até 2014, o MEC enviava o dinheiro mensalmente. Agora, a verba será repassada oito vezes por ano.

Madalena Guasco Peixoto, professora da Faculdade de Educação da PUC-SP, afirma que as mudanças no Fies já eram esperadas.

— Essas mudanças deveriam ter sido feitas antes. O Fies, que é um programa de inclusão, estava servindo para aumentar o lucro de universidades de capital aberto. Era uma contradição. O limite ao reajuste era importante porque muitas universidades estavam cobrando, de forma camuflada, um preço maior dos alunos com financiamento do MEC do que de outros alunos. Porque, para os outros alunos, sempre havia um desconto. E a nota mínima no Enem é uma forma de evitar a evasão.

Para Luiz Araújo, no caso do Fies, o governo uniu a necessidade de corte com a necessidade de ajuste do programa.

— Acho que juntou a fome com a vontade de comer.

Nos últimos dias, porém, surgiu um novo problema em relação ao Fies: estudantes têm tido dificuldades para fazer a inscrição — problema técnico que pode reduzir o número de alunos financiados.

Levantamento do economista Mansueto Almeida aponta que o governo gastou R$ 1 bilhão em janeiro e fevereiro deste ano, ante R$ 2 bilhões no mesmo período do ano passado.

Ajuste fiscal

Crítico ao governo, o senador Cristovam Buarque (PDT) questiona a pressa no ajuste fiscal.

— Esse ajuste fiscal é o preço que estamos pagando pelos erros desse mesmo governo na gestão passada. O governo deveria reconhecer o erro e escalonar esse ajuste. Um ajuste feito de um ano para o outro é duro. Um ajuste feito em três anos é mais suave.

O senador afirma que a limitação de verba pelo atraso na aprovação do Orçamento da União ter atingido o ministério da Educação é uma contradição com o slogan do governo.

— O contingenciamento [limitação da verba] foi linear, teve a mesma proporção para todos os ministérios. Por quê? O MEC poderia ter sido poupado ou sofrer um contingenciamento menor. É uma questão de escolha. Mas, pelo contrário, em termos absolutos, foi o que mais sofreu.

Buarque lembra também que, em 2013, quando o Congresso demorou para aprovar o Orçamento, não houve um represamento como neste ano.

Posições do governo 

Questionado sobre o motivo dos atrasos de pagamentos, o MEC afirma que os repasses para o Pronatec e para a Capes já foram feitos.

Quanto à diminuição de repasses para as universidades federais, o órgão diz que, a partir deste mês, as instituições voltarão a receber 100% do dinheiro que é encaminhado mensalmente. Segundo nota da pasta, essa medida “permitirá que as instituições, que têm autonomia para gerir seus recursos, normalizem seus calendários de pagamento do custeio e investimentos”. 

“O Ministério da Educação ressalta ainda que está em diálogo permanente com as Universidades e Institutos para trabalhar em parceria e esclarecer eventuais dúvidas", afirma o texto. "Até março desse ano foram repassados as Universidades e aos Institutos R$ 1,38 bilhões para suas atividade de custeio e investimento.”

O R7 também questionou o Ministério do Planejamento sobre o contingenciamento de verbas neste início de ano. A pasta não se pronunciou.

Como é feito o financiamento das faculdades federais?

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