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Brasil, México e Colômbia estão perdendo batalha contra o narcotráfico

A militarização da guerra às drogas aumentou o número de desaparecidos nos três países

Internacional|Do R7*

População mexicana tem protestado frequentemente pelo fim do "narco-Estado"
População mexicana tem protestado frequentemente pelo fim do "narco-Estado" População mexicana tem protestado frequentemente pelo fim do "narco-Estado"

O desaparecimento e morte de 43 estudantes no México em setembro reacendeu o debate sobre a relação promíscua entre instituições públicas e o narcotráfico na América do Sul. Porém, a insuficiência da guerra contra as drogas ainda divide opiniões mesmo diante da crescente cooperação entre milícias latinas e a ameaça da total dominação dos donos de cartéis.

Pesquisadores do narcotráfico latino-americano consultados pelo R7 acreditam que o desaparecimento forçado dos estudantes revela que o país chegou a um nível “insustentável” no que diz respeito aos vínculos entre criminosos e políticos. “No México, há uma conscientização de que o narcotráfico está em todos os lugares, tanto que os mexicanos usam as palavras ‘narco-Estado’, ‘narco-governo’ quando se referem aos domínios dos cartéis”, comenta Simone Gomes, pesquisadora do IESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Simone está na cidade de Guerrero, onde acompanha o desfecho do crime e conclui seu doutorado em narcotráfico, cujo tema é a milícia do Rio de Janeiro.

“O vínculo dos narcotraficantes com a política é claro aqui no México”, comenta. Para ela, os grupos comunitários de autodefesa são expressões da ausência do Estado. No entanto, são diferentes das milícias do Rio de Janeiro, que não são milícias cidadãs. O caso brasileiro se assemelha ao mexicano à medida que membros e ex-membros do Exército se envolvem com o narcotráfico.

— As regiões com maior ação de milícias [no México] são as mais pobres, assim como na zona oeste do Rio e a periferia de São Paulo. O Estado é omisso e isso gera todo tipo de privação [aos civis], principalmente em questões de segurança.

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O pesquisador do IESP, Pedro Borba, concorda com Simone e ainda acrescenta que a insatisfação das pessoas está amplamente relacionada a uma guerra sangrenta. “Essa situação gera uma sensação de vulnerabilidade para a população, principalmente a urbana, que no caso do México, acaba pagando o preço maior”, comenta Borba. De acordo com a Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos, em tradução livre), entre 2006 e 2012, mais de 60 mil pessoas morreram em decorrência do tráfico de drogas no país.

Ele ainda afirma que o tema demorou muito para entrar na agenda política dos governantes, que adotaram medidas pouco efetivas no combate ao narcotráfico.

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Em 1971, o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, protagonizou uma guerra contra as drogas por meio da proibição e intervenção militar, que para os especialistas, fracassou. O atual governo de Barack Obama apresenta poucos avanços no combate às drogas, apesar de Obama ter apresentado um Plano Nacional de Drogas, que prioriza o tratamento e coloca a prisão em segundo plano. Assim, os EUA seguem como uma das principais rotas da produção e venda de drogas ilícitas, e por essa razão há interesse dos governos americanos em acabar com o tráfico em países latino-americanos.

Para Borba, a grande questão atual dos países da América Latina é a coexistência de um governo de repressão e um mercado altamente lucrativo, que ganha ainda mais dinheiro por agir na clandestinidade.

O doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e membro da Secretaria de Segurança Pública no Brasil, Guaracy Mingardi, acredita que a situação no México seja ainda mais crítica que a do Brasil por causa da fragilidade do país. “No Brasil, não existe um grupo de crime organizado permanente. Aqui, o relacionamento entre política e narcotraficantes se dá através da influência ou da corrupção”, pontua. Para ele, a situação acontece por diferentes fatores, como a desorganização da força policial, a própria corrupção, a ausência do Estado, e até a economia mais fragilizada.

Mingardi ainda acredita que a corrupção das instituições públicas está diretamente relacionada às grandes quantias de dinheiro envolvidas nas operações dos narcotraficantes. “O nosso desafio é o PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo e o Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Mas na Colômbia e no México, existem cartéis que mandam em regiões inteiras”, explica Mingardi.

A pesquisadora Simone acredita que uma das principais diferenças entre México, Colômbia e Brasil seja o grau de envolvimento de narcotraficantes e políticos. No Brasil, a repercussão desse tipo de relação é ainda muito imatura, mas no México, as pessoas questionam, se informam e até protestam contra a situação. Nas últimas semanas, o país e o presidente, Enrique Peña Nieto, enfrentam uma das maiores crises da história, diante dos protestos e insatisfação popular depois do desaparecimento dos adolescentes.

Mas nem sempre o descontentamento das pessoas foi visível. De acordo com o pesquisador Borba, o fato de o Estado mexicano acobertar e organizar o narcotráfico nas décadas de 50 e 60 funcionou como uma forma de pacificação do conflito, e ao mesmo tempo, minou as demonstrações públicas de insatisfação.

UPPs e a Iniciativa Mérida

Em 2006, para tentar conter o avanço dos narcotraficantes no México, o então presidente Felipe Calderón, decidiu colocar as Forças Armadas nas ruas, em uma medida aprovada tanto internamente quanto no exterior. Para muitos, a decisão do presidente foi corajosa, apesar de atrasada.

O então presidente dos Estados Unidos, George Bush, prometeu apoio aos militares mexicanos, dando início à Iniciativa Mérida, assinada em 2007. Entretanto, para a pesquisadora Simone, a medida foi “desastrosa”. Borba concorda e explica que Calderón “declarou uma guerra já falida, que causou muitos estragos no país”.

De acordo com Simone, a medida de Calderón “estava no bojo de uma iniciativa de militarização que pretendia desarmar os conflitos”, mas só deixou ainda mais clara a guerra nas regiões.

Além disso, os números de assassinatos e desaparecimentos envolvendo oficiais das Forças Armadas aumentaram consideravelmente. Em pouco tempo, aconteceu a formação de um dos mais poderosos cartéis mexicanos, o Los Zetas, que é formado por ex-membros da elite do Exército mexicano.

E no Brasil, segundo Borba, sempre houve certo distanciamento do assunto. “O Brasil nunca viveu uma guerra às drogas”, comenta. “Os governos brasileiros sempre mantiveram um distanciamento, certo receio de até onde poderia ir uma agenda de guerra contra as drogas”.

Da mesma forma que o México usou o Exército no combate às drogas, o Brasil criou as UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) nas favelas do Rio de Janeiro, onde o narcotráfico é mais poderoso.

Se compararmos a efetividade das militarizações no México e no Brasil, a estratégia das UPPs se aproxima ao caso mexicano. Para Simone, o descontentamento da população em ambos os casos é claro.

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Outro ponto passível de comparação é o crescimento no número de desaparecimentos. Em um relatório divulgado em outubro de 2014 pelo ISP (Instituto de Segurança Pública), houve aumento de sete casos nos homicídios e redução nos casos de desaparecimento. Entretanto, se os dados forem avaliados em relação a outros períodos tal situação é exceção .

Uruguai: um país de vanguarda

Em 2013, José Mujica, presidente do Uruguai, descriminalizou a maconha no país. Em entrevista coletiva, o secretário nacional do combate às drogas, Julio Calzada, afirmou que a taxa de mortes relacionadas ao narcotráfico foram reduzidas a zero no país. Para Borba, com a medida, o país se apresentou como vanguardista, ou seja, como precursor de um movimento tão discutido na América Latina. “O Uruguai, com certeza, está na vanguarda, apesar de não ter tido a experiência de um narcotráfico robusto, internacionalizado”, comenta.

A descriminalização das drogas pode ser uma alternativa para o poder corrompido dos Estados e o alto lucro das milícias no tráfico de drogas, apesar de o tema ser controverso.

— Eu não tenho a menor dúvida de que o debate sobre as drogas não deveria terminar na discussão sobre a descriminalização das drogas. Esse não é o fim do problema, mas sim um ponto de partida. Isso porque ela em si não é uma solução.

Para ele, a partir de então, as autoridades e a sociedade serão obrigadas a discutir outras questões sociais, como a produção e circulação de entorpecentes.

* Bruna Vichi, estagiária do R7

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