Ao menos 105 civis e 12 PMs ficam feridos em protesto contra aumento das passagens
Dois jornalistas foram atingidos com balas de borracha no olho; um corre risco de perder a visão
São Paulo|Com R7 e Agência Record
Integrantes do MPL (Movimento Passe Livre) começaram, por volta da meia-noite, uma ronda pelos principais hospitais da região central, oferecendo auxílio financeiro aos feridos. Segundo uma das líderes, Luiza Mandetta, houve "pelo menos 105 feridos durante o confronto, 50 na Paulista e 55 na Consolação", incluindo jornalistas que cobriam o protesto. O MPL também oferecia "ajuda jurídica" aos feridos que quisessem processar o Estado. A Polícia Militar informou que 12 policiais ficaram feridos na manifestação, mas não passou o estado de saúde deles.
Pelo menos dez feridos ainda eram atendidos na Santa Casa, no início da madrugada. Entre as vítimas, estavam pessoas que apenas passavam pela zona de confronto, como uma mulher atingida por uma bala de borracha na janela de um ônibus. A estudante Maira Leite, de 25 anos, que participava do protesto com o namorado, Tiago Carvalho, teve o braço ferido por um estilhaço de bomba. Ele relatou que se sentiram acuados, "presos como em uma ratoeira".
— Mas a gente volta (para o protesto), com mais pessoas, mais vinagre e mais medo.
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Medo também era o sentimento do estudante Henrique Droulez, de 22 anos, que mora na França, mas veio ao Brasil visitar a família e levou um tiro de bala de borracha na perna.
— Fui agredido dentro da viatura. Falaram que iam me matar e jogar o corpo no Tietê. Não esperava uma resposta tão violenta da polícia.
Imprensa
Os registros de feridos começaram ainda na região da Consolação. Policiais da Rota, fora do foco de confronto, dispararam aleatoriamente balas de borracha contra pessoas que estavam na rua — incluindo jornalistas. Ao menos 16 profissionais da imprensa ficaram feridos. A reportagem do Estado, que se identificou antes da ação, também foi alvo dos PMs. Os repórteres Bruno Ribeiro e Renato Vieira foram atingidos por bombas de gás.
Já a repórter Giuliana Vallone, da TV Folha, levou um tiro de bala de borracha no olho e o fotógrafo da Folha de S. Paulo Fábio Braga foi alvo de três disparos.
— A polícia mirou em cima de mim.
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O fotógrafo Sérgio Silva, da Futura Press, também foi atingido com um tiro de borracha em um dos olhos. Ele passou por cirurgia no Hospital Nove de Julho e tem 90% de risco de perder a visão. Um produtor e um cinegrafista da TV Record também foram feridos, assim como sete jornalistas da Folha de S. Paulo. Em nota, o jornal repudiou "toda forma de violência" e protestou "contra a falta de discernimento da PM no episódio". O secretário da Segurança, Fernando Grella Vieira, determinou a apuração dos episódios com profissionais da imprensa. O jornalista Piero Locatelli, da revista Carta Capital, foi detido por portar uma garrafa de vinagre. Levado ao 78.º DP (Jardins), acabou liberado à noite.
Assista ao vídeo:
Quatro protesto
O quarto dia de manifestações contra o aumento da tarifa de transporte público na cidade de São Paulo terminou como os três anteriores, muito trânsito, depredações, atos de vandalismo, confronto de manifestantes com a polícia militar, mais de 200 detidos e mais de cem feridos.
O ato teve início por volta das 17h, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, no centro da cidade. De acordo com a Polícia Militar cerca de cinco mil pessoas estavam reunidas na região. Temendo confrontos comerciantes localizados no entorno do teatro resolveram fechar as lojas mais cedo.
A manifestação seguia tranquila, por volta das 18h, quando os manifestantes iniciaram uma passeata pelo centro da cidade pedindo a revogação do aumento da tarifa do transporte público. No cruzamento das avenidas Ipiranga e São Luis começou o primeiro sinal de tensão. A marcha atrapalhou a movimentação de um ônibus que foi pichado. Foram minutos de pânico para os passageiros que ficaram mais de 20 minutos parados no cruzamento.
Os confrontos com a Polícia Militar tiveram início por volta das 19h, quando os manifestantes entraram na rua Maria Antonia para subir em direção à rua da Consolação, com destino à avenida Paulista. Lá havia um bloqueio da Polícia Militar. Os policiais, alguns da tropa de choque, foram cercados pela multidão e acabaram disparando balas de borracha para dispersar os manifestantes.
Esse era o estopim para que o ato se transformasse em uma guerra de manifestantes contra policiais. A Polícia Militar não conseguiu impedir que os manifestantes chegassem à avenida Paulista. O que se via pelas ruas era um rastro de pichações e vandalismo. Diversas lixeiras foram destruídas, algumasdelas foram usadas como escudo pelos manifestantes, que também atiravam pedras contra os PMs.
O trânsito na região ficou caótico. Segundo a CET (Companhia de Engenharia e Tráfego), às 19h desta quinta-feira (14), a cidade registrava 177 km de lentidão.
Os confrontos terminaram por volta das 23h desta quinta-feira. Ao todo cerca de 242 pessoas foram detidas pela polícia militar. Destas 202 foram encaminhadas ao 78º Distrito Policial, dos Jardins. Todas elas foram liberadas e apenas quatro tiveram que assinar um termo circunstanciado, três por porte de drogas (carregavam trouxinhas de maconha) e uma por resistência a prisão. Outras 37 foram encaminhadas para o 1º Distrito Policial, da Liberdade. Destes, quatro foram autuados por formação de quadrilha, incitação ao crime e dano qualificado ao patrimônio público. O crime foi interpretado pelo delegado como inafiançável e, por isso, os quatro foram encaminhados ao 2º Distrito Policial, onde estão a disposição da justiça.
Diversos materiais que estavam em poder dos manifestantes foram apreendidos, entre eles, latas de aerosol (que podem ser usadas como lança chamas), facas, estiletes, tesouras, correntes, garrafas de álcool, um tambor, um megafone (usado para incitar a violência), latas de spray, alicates, toucas ninja e até uma machadinha.
Apesar dos quatro protestos violentos, do caos no trânsito, das inúmeras depredações e do medo da população, o Governo do Estado e a Prefeitura da cidade de São Paulo ainda estão irredutíveis com a possibilidade de revogação ou suspensão do aumento das tarifas do transporte público.
Em entrevista coletiva, nesta quinta-feira (13), o prefeito Fernando Haddad reiterou que o reajuste da tarifa de ônibus de São Paulo não será revisto.
— Vou repetir para deixar claro: não pretendo, porque o esforço que foi feito ao longo do ano para que o reajuste da tarifa fosse muito abaixo da inflação foi enorme. E ele (aumento) vai significar investir mais de R$ 600 milhões em subsídios.
O governador Geraldo Alckmin disse que "o movimento é politico, pequeno, mas muito violento". Ele também não cogita a redução de tarifas.
Como Governo e prefeitura ainda não pretendem reduzir o valor das tarifas, o Movimento Passe Livre, por meio de uma rede social, já marcou o quinto protesto para a próxima segunda-feira (17), no largo da Batata, região de Pinheiros, zona oeste da capital.
Movimento Passe Livre
Os quatro protestos que pararam São Paulo, nos últimos dias, são organizados pelo Movimento Passe Livre. O MPL tem como principal bandeira a mudança do sistema de transporte das cidades da iniciativa privada para um modelo público, "garantindo o acesso universal através do passe livre para todas as camadas da população". O movimento calcula que 37 milhões de brasileiros deixam de se utilizar do transporte público por não poder arcar com o custo das passagens.
Na prática, o MPL quer que o transporte público seja gratuito. Portanto, a briga não é somente contra o aumento de R$ 0,20 na tarifa do transporte coletivo em São Paulo — de R$ 3,00 para R$ 3,20. Sua carta de princípios diz que “o MPL deve ter como perspectiva a mobilização dos jovens e trabalhadores pela expropriação do transporte coletivo, retirando-o da iniciativa privada, sem indenização, colocando-o sob o controle dos trabalhadores e da população”.