"Não dei a ordem de entrada, mas se estivesse no gabinete, teria dado", diz ex-governador sobre invasão ao Carandiru
Fleury confirmou frase sua publicada em livro sobre o caso: "Minha polícia nunca se omitiu"
São Paulo|Vanessa Beltrão, do R7
O ex-governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, reafirmou em depoimento dado nesta terça-feira (16) durante julgamento do caso do Carandiru, que não mandou a polícia invadir o Complexo Penitenciário no dia 2 de outubro de 1992, quando uma briga entre detentos teria dado origem a uma rebelião. Mas que teria feito se estivesse em seu gabinete.
— Não dei a ordem de entrada, mas se tivesse no meu gabinete, teria dado.
Apesar de bastante aguardado, o depoimento do ex-governador, que esteve à frente do Estado entre 1991 e 1994, durou cerca de 40 minutos, sendo um dos mais rápidos do julgamento.
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A defesa levou para o plenário o livro Vozes do Carandiru, de 2007, que entrevistou personagens envolvidos com o caso. A advogada Ieda Ribeiro destacou uma declaração de Fleury dada aos autores do livro e publicada na obra: "Minha polícia nunca se omitiu". O ex-governador confirmou a declaração.
— A polícia tem a obrigação de agir dentro de um fato criminoso.
Facção
Fleury negou também a versão de que a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) teria surgido a partir do episódio que ficou conhecido como o massacre do Carandiru. Segundo do ex-chefe do Executivo paulista, PCC era um time de futebol formado no presídio para disputar campeonatos internos.
Ele defendeu também a ideia de que a facção não cresceu durante o governo dele.
Julgamento
O julgamento de 26 PMs acusados de participação no massacre do Carandiru começou na última segunda-feira (15). Os réus — todos da Rota — são acusados de executar 15 detentos que estavam no segundo pavimento (primeiro andar) do Pavilhão Nove.
Testemunhas
Durante o segundo dia de julgamento, foram ouvidas todas as testemunhas da defesa: o desembargador Ivo de Almeida, o também desembargador Fernando Torres, o juiz da Vara de Execução Penal da época, Luiz Augusto França, o ex-governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho, o ex-secretário de segurança pública, Pedro Franco e a juíza da 1ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté, Sueli Zeraik.
Inicialmente 10 testemunhas foram convocadas pela defesa e deveriam falar no julgamento nesta terça-feira (16), mas quatro foram dispensadas pela advogada dos réus, Ieda Ribeiro de Souza.
Mais cedo, o juiz Luiz Augusto França, que esteve no complexo penitenciário do Carandiru durante o massacre, contou que chegou a ver cerca de oito detentos sendo retirados mortos. Quando questionado o motivo das mortes, um policial teria dito que foi um “confronto”. Ele lembrou da frase dita pelo PM no dia.
— Ao invés de se renderem, preferiram o confronto.
A testemunha também participou da elaboração de uma sindicância sobre o episódio. Ele contou que uma das conclusões da investigação foi de que nenhum agente penitenciário teve participação no massacre.
O episódio mais sangrento do sistema prisional brasileiro teria começado após uma discussão entre dois presos, que deu início a uma rebelião no pavilhão nove. Com a confusão, a tropa de choque da Polícia Militar, comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, foi chamada para conter a revolta, que terminou com vários detentos mortos. Quando questionado se foi possível fazer a identificação dos presos que teriam se rebelado, ele disse que não.
França também comentou sobre a diferença das versões. Após as 111 mortes serem confirmadas, os policiais falavam “em confronto” e os presos “em massacre”.
A testemunha fez parte da Vara de Execução Penal de janeiro de 1992 até outubro de 1993.
Relembre o caso
Ao todo, 286 policiais militares entraram no complexo penitenciário do Carandiru para conter a rebelião em 1992, desses, 84 foram acusados de homicídio. Desde aquela época, cinco morreram e agora restam 79 para serem levados a julgamento.
Até hoje, apenas Ubiratan Guimarães chegou a ser condenado a 632 anos de prisão, porém um recurso absolveu o réu e ele não chegou a passar um dia na cadeia. Em setembro de 2006, Guimarães foi encontrado morto com um tiro na barriga em seu apartamento nos Jardins. A ex-namorada dele, a advogada Carla Cepollina, foi a julgamento em novembro do ano passado pelo crime e absolvida.