Plano Diretor: por que o trânsito em SP pode piorar com as novas regras?
Revisão da lei expande áreas que podem receber prédios altos e libera mais vagas de estacionamento em novos empreendimentos
São Paulo|Julia Girão, do R7*
O Plano Diretor de São Paulo, lei que define regras para o desenvolvimento urbanístico e libera a construção de prédios altos em diversos bairros, foi aprovado na segunda-feira (26) pela Câmara Municipal. O novo projeto deve impactar também a mobilidade na capital paulista.
Para especialistas ouvidos pelo R7,o trânsito em São Paulo tende a piorar. Não só porque o Plano Diretor vai atrair mais espigões para áreas onde hoje existem casas, mas também porque o adensamento de pessoas deve vir acompanhado do aumento do número de automóveis.
• Compartilhe esta notícia no WhatsApp
• Compartilhe esta notícia no Telegram
O texto prevê, por exemplo, que novos prédios próximos a eixos de transporte, como estações do metrô, poderão ter mais de uma vaga de estacionamento por apartamento — ultrapassando o limite atual de uma vaga.
O projeto, que deverá ser sancionado nos próximos dias, prevê uma vaga a cada 60 m² de área privativa. Ou seja, um apartamento de 120 m² terá direito a duas vagas.
De acordo com a arquiteta, professora e diretora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) do Mackenzie, Angélica Benatti Alvim, a ideia do antigo Plano Diretor, sancionado em 2014, era incentivar o uso do transporte público. Consequentemente, a população que precisa utilizá-lo todos os dias moraria perto dos eixos de transporte. As mudanças trazidas agora não seguem essa premissa da mesma forma, avalia a especialista.
"Existem contradições, pois, ao permitir vagas de garagem, o plano está atraindo um público que anda de carro e que vai optar cada vez mais pelo carro. Então, se a lógica for permitir as vagas de garagem, nós não vamos conseguir mudar a matriz de transporte do individual para o transporte público", afirma.
Nabil Bonduki, que é professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), concorda com o argumento. Ele cita outra regra do novo Plano Diretor, a que aumenta a distância em relação ao transporte público em que serão permitidos prédios altos.
Bonduki avalia que, dessa forma, as pessoas que passarão a viver nesses locais vão utilizar mais os carros.
Hoje, é permitida a construção de edifícios sem limites de altura em um raio de 600 metros de uma estação do metrô. Com a nova regra, a distância aumenta para 700 metros, e apenas uma parte do terreno precisará estar dentro desse raio. Assim, mais locais onde hoje há casas ou prédios baixos terão liberação para receber prédios.
"Na concepção original do Plano Diretor, essas áreas de densidade mais alta deveriam ficar mais próximas do transporte coletivo de massa para o carro ser menos usado. O pior é que também se autorizou a construção de apartamentos maiores com a possibilidade de uma vaga de garagem a cada 60 m² construídos."
Modelo baseado no automóvel
Nabil Bonduki ressalta ainda que o modelo da cidade de São Paulo está baseado no automóvel — os carros transportam 1,4 passageiro, em média, enquanto os ônibus carregam 50 pessoas sentadas. Logo, o Plano Diretor "desestimula o transporte coletivo e estimula o automóvel e mais trânsito na cidade", diz.
Por esse motivo, a professora Angélica Benatti Alvim acredita que o novo Plano Diretor de São Paulo deveria ser vetado e questiona: qual é a cidade que nós queremos? Para ela, é necessário articular políticas públicas para dar conta desse processo de verticalização pelo qual a cidade vai passar. "É extremamente importante ter uma visão técnica, e não política, voltada ao mercado imobiliário", afirma.
Aluguéis mais caros
Dados enviados pela plataforma Quinto Andar com exclusividade ao R7 em maio deste ano mostram que locadores com imóveis em um raio de até 250 metros de estações de metrô aumentaram os aluguéis em 10%, entre 2022 e 2023.
No mesmo período, os locatários que moram em apartamento ou casa em um raio de até 1 km de uma estação sofreram com uma alta de um pouco mais de 5%.
Relembre situações de caos no transporte em 2022
*Sob supervisão de Márcio Pinho