Quarteto envolvido na máfia do ISS dividiu R$ 12 milhões de propina nos últimos três anos
Auditores fiscais lucraram R$ 3 milhões entre 2010 e 2012, segundo depoimento dado ao MP
São Paulo|Thiago de Araújo, do R7
Os quatro auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo investigados pelo MP (Ministério Público) por envolvimento em um esquema de desvio de recursos do ISS (Imposto sobre Serviços) lucraram um total de aproximadamente R$ 12 milhões entre 2010 e 2012. A informação é do promotor Roberto Bodini, responsável pelo caso, e demonstra apenas uma pequena parte do prejuízo de até R$ 500 milhões aos cofres públicos.
Com base no depoimento do servidor Eduardo Horle Barcellos, um dos quatro envolvidos no esquema – ao lado de Ronilson Bezerra Rodrigues, Carlos di Lallo Leite do Amaral e Luis Alexandre Cardoso Magalhães –, a Promotoria tomou ciência de um lucro anual dos investigados com o esquema de corrupção de R$ 1 milhão. Barcellos disse integrar o grupo desde 2010, o que resultou a ele um benefício financeiro de R$ 3 milhões.
Barcellos destacou, em depoimento de oito horas na última terça-feira (12), na sede do MP, no centro da capital, que o dinheiro proveniente da propina paga pelas construtoras para o pagamento de uma cota muito menor do ISS devido ao município era dividido em partes iguais entre os quatro auditores fiscais, “se eu não fui passado para trás”, destacou o auditor, que aderiu à delação premiada (colaboração mediante redução de pena), o mesmo feito por Magalhães.
— Ele (Barcellos) destaca o que fez com esse dinheiro, quais bens ele adquiriu. Inclusive ele disse que é possível checar, que ele vai trazer os documentos para ver que vai bater. Ele fala, por exemplo, que comprou um apartamento em Santos, em 2006, com dinheiro lícito. Já o Ronilson e o Di Lallo compraram (um imóvel no mesmo prédio) em 2009 e 2010, já durante o funcionamento do esquema e pagaram em dinheiro vivo.
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O lucro de três integrantes do grupo – Ronilson, Di Lallo e Magalhães – pode ter sido ainda maior, já que o trio estaria envolvido com o esquema de propina antes de uma “pausa” que o sistema teve, entre 2009 e 2010. A mando de Ronilson, os envolvidos teriam congelado a cobrança de propina, sendo retomada apenas em algum ponto de 2010, quando Barcellos tomou parte, ao passo que outro auditor suspeito de envolvimento, Amilcar José Cançado Lemos, já teria saído. Este servidor e outro exonerado pela prefeitura, Fábio Camargo Remesso, serão chamados a depor nos próximos dias pelo MP.
— O Ronilson e o Barcellos eram superiores hierárquicos do Di Lallo e do Luis Alexandre. Eles só estavam lá, o Lallo na chefia da sala e o Luis Alexandre naquele posto de auditor fiscal exatamente fazendo esse tipo de serviço, com a conivência e a mando do Ronilson. O Barcellos traz uma informação de que, durante um período, 2009, 2010, esse esquema não funcionou. Ele foi reativado a mando do Ronilson, que chama em determinada data e fala o seguinte: “vamos reativar aquela cobrança do ISS”, e aí a mando dele eles montam o esquema novamente. O (Amilcar) Cançado já havia saído. Existe um período entre a saída dele e a chefia do Lallo da sala. Nesse período não teria havido a cobrança. Não sei precisar a data.
Número de SPEs pode esconder fraudes em mais de 1.000 empreendimentos
O promotor Roberto Bodini explicou que não é possível precisar ainda o número de construtoras e de empreendimentos envolvidos no esquema da máfia do ISS na cidade de São Paulo. De acordo com ele, pode chegar a 70 o número de SPEs (Sociedades de Propósitos Específicos) — empresas constituídas apenas para a realização de um único empreendimento e que ficam vinculadas ao CNPJ das grandes incorporadoras — podem estar envolvidas no esquema de corrupção.
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Partindo da premissa que a Prefeitura de São Paulo declarou no início do mês desconfiar de pelo menos 15 construtoras que atuam na capital, é possível que mais de 1.000 empreendimentos da cidade estejam na relação daqueles que sonegaram impostos e geraram propina para o grupo de auditores investigados.
— A construtora ela vai fazer um determinado empreendimento. Ela cria, destaca uma parte do CNPJ dela e cria uma SPE. Então ela é criada pela pessoa jurídica, com o objetivo específico de construir aquele empreendimento. Após o término do empreendimento, ela (SPE) de desfaz. Então, eles falam que é um destaque do CNPJ. Quando a gente puxa a ficha cadastral daquele CNPJ da SPE, a gente detecta quem é a responsável pela criação dela. Está na Junta Comercial (de São Paulo), não tem segredo nenhum.
Bodini completou:
— Nesse aspecto, a criação das SPEs dificulta um pouco a gente chegar na construtora. A gente tem uma construtora que pode ser responsável por até 70 SPEs. Estamos falando de 70 empresas? Não, estamos falando de uma empresa que criou 70 (SPEs). Esse sistema dificulta um pouco, mas a gente vai conseguir chegar.
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Apenas dois nomes de construtoras – a Brookfield e a Alimonti – foram citadas de maneira oficial em depoimentos colhidos pelo MP. Outras estão sendo investigadas, com base em outros indícios da investigação. Essas construtoras negociavam diretamente com Magalhães, fiscal que, segundo Barcellos, não abria para os demais envolvidos no esquema quem seriam elas. O próprio servidor declarou, no seu depoimento, só se importar com o dinheiro, mesmo aquele sem identificação clara de origem.
— As SPEs, algumas empresas da relação a qual tivemos acesso, quando elas criam a SPE elas dão um nome e colocam o nome delas como parte do nome da SPE, aí fica mais fácil identificar. Mas outras não têm relação com o nome, então tem que ser feita a pesquisa junto ao registro na Junta Comercial. E o Luis Alexandre diz o seguinte: quando era dada entrada com esse nome da SPE que não fazia menção ao nome da construtora, ele não se interessava em saber quem era a responsável pela SPE. Eu perguntei a ele, e ele disse “pra que vou querer saber, quero receber o dinheiro, quem tá pagando não me interessava”. Aí ele fala que, até em razão disso, ele tem dificuldade em expor qual era a construtora responsável por aquela SPE.
Para o promotor, há muito material ainda para ser analisado e cruzado, o que não permite definir quanto tempo a investigação terá pela frente.
— É preciso analisar esse depoimento, identificar as empresas. Devo colher informações a respeito do que foi narrado pelo Barcellos, ver os detalhes, para a gente procurar demonstrar (a veracidade do depoimento).