Vigia sabia que Mércia seria assassinada, diz promotor
Evandro Bezerra começa a ser julgado na segunda-feira; Promotoria espera pena de 18 anos
São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7
O promotor Rodrigo Merli pretende se apoiar em provas técnicas para desmontar o argumento do vigia Evandro Bezerra Silva, acusado de participação na morte da advogada Mércia Nakashima, de que não sabia do crime, ocorrido em maio de 2010. A última versão apresentada pelo réu foi de que apenas buscou o policial reformado Mizael Bispo na represa de Nazaré, no interior de São Paulo, no dia do assassinado. Foi neste local que bombeiros localizaram o carro e, um dia depois, o corpo de Mércia.
Ex-namorado da vítima, Bispo, que também é advogado, foi condenado a 20 anos de prisão, em março deste ano, pelo assassinato. Bezerra é o próximo a se sentar no banco dos réus. Ele começa a ser julgado nesta segunda-feira (29), no Fórum Criminal de Guarulhos, na Grande São Paulo. A previsão é de que o júri dure três dias.
— Vamos destruir sua tese de que não sabia de nada, de que ele saiu diretamente do posto de gasolina [onde trabalhava] para buscar Mizael no dia do crime. Isso é mentira, porque as informações e os detalhes que ele forneceu não batem com as informações técnicas que nós temos de telefonia celular. E eles se encontravam previamente no posto de gasolina exatamente para combinar o crime. Temos provas testemunhal e o próprio rastreador do carro do Mizael, que demonstra esses encontros prolongados na véspera do delito.
De acordo com o promotor, os registros das antenas de telefonia celular deixam claro que Bezerra “tinha ciência prévia do que iria acontecer”.
— As antenas demonstram que ele ficou junto de Mizael, no encalço da vítima, horas antes de ela ser morta.
Outro argumento da acusação é a quebra do sigilo telefônico, que, segundo Merli, mostra conversas entre Bezerra e o PM reformado logo após Bispo ligar para Mércia.
— Mizael desligava o telefone e, na sequência, ligava do telefone frio para conversar com Evandro.
O representante do Ministério Público destaca que, em nenhum momento, a acusação sustenta que o réu foi o executor do assassinato ou que tenha jogado o veículo da advogada na represa.
— Ele colabora com Mizael. Ele encoraja o Mizael. Ele fica no encalço da vítima, da mesma forma que Mizael, e também o auxilia na fuga. Isso configura uma participação que é punível, pelo mesmo crime.
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Para Merli, o PM reformado precisava de alguém de confiança para buscá-lo na represa, já que, como teria se deslocado no carro de Mércia, ficaria a pé no local.
— Nada melhor do que uma pessoa que conhecesse bastante a região, tal como o Evandro, que tinha — creio que tenha até hoje — um irmão e um cunhado residentes exatamente naquele ponto da represa. Só quem conhece bem aquele local consegue chegar ali, principalmente, à noite.
Na avaliação do promotor, o crime foi premeditado por Mizael Bispo e por Evandro Bezerra.
— A tarefa dos dois é que garantiu o sucesso da empreitada criminosa.
Versão contestada
Conforme o representante do Ministério Público, o vigia declarou que Mizael Bispo foi a um sítio com amigos e ficou sem carona.
— A versão da Carochinha dele é a seguinte: que Mizael foi a um sítio em Nazaré [Paulista] com o carro dos amigos. Chegou lá e cada um se engraçou com uma menina diferente. Aí, os amigos saíram com essas moças, que ninguém viu, e deixaram Mizael sem carro. Ele se engraçou com uma menina também. Segundo o Evandro, ele transou com a menina também, acho que lá, no meio do mato.
O policial reformado, então, teria ligado, por volta das 19h40 do dia do crime, para Bezerra.
— Detalhe: essa suposta ligação não aparece em nenhum telefone de Mizael. Inclusive, no telefone frio, não aparece essa tal ligação que ele menciona. Evandro vai dizer que, neste horário, estava no posto de gasolina que ele sempre trabalhou, no Jardim Presidente Dutra [em Guarulhos]. Se fosse verdade, em primeiro lugar, essa ligação teria que aparecer em algum telefone do Mizael. Em segundo lugar, teria que aparecer no telefone do Evandro e não aparece. Em terceiro lugar, Evandro teria que acessar uma antena da região do Jardim Presidente Dutra.
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O promotor vai tentar provar que, na hora em que o réu diz ter recebido a ligação de Mizael, ele não estava no posto de combustíveis.
— Já juntei dois relatórios técnicos que vão dizer que é impossível ele sustentar que estava no posto e usou a antena que efetivamente a operadora diz que ele usou uma hora antes. É mentira que ele ficou no posto até 19h40. Desde às 19h, 18h50 e pouco, ele já está a 3 km, 4 km de distância, usando várias antenas. São várias ligações e os dois alternando antenas ao redor da casa da Mércia e da avó. A história é estapafúrdia. Dá para quebrar com argumentos técnicos.
Fotos e vídeos
O promotor vai apresentar aos jurados fotos e vídeos retirados de um celular, usado por Evandro Bezerra enquanto estava foragido no sertão de alagoas.
— Essas fotos e vídeos mostram ele com arma na cinta, ele com espingarda, ele dançando, debochando da Justiça. Ele se envolvendo com meninas, com adolescentes. Imagens, inclusive, sugestivas de pedofilia. Isso para demonstrar a verdadeira personalidade do Evandro, já que muitos podem crer que ele seja um pobre coitado, iludido por Mizael. De pobre coitado ele não tem nada.
O vigia foi preso no dia 23 de junho de 2012, na cidade de Olho D'Água das Flores, no Estado nordestino. Ele acabou detido pelas Força Nacional de Segurança e Polícia Militar, quando saía para participar de uma festa da região.
Preso no Complexo de Tremembé, o réu responde por homicídio duplamente qualificado (meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima). Como tem uma qualificadora a menos do que o PM reformado, deve pegar pena inferior. A expectativa de Merli é de que ele seja condenado a 18 anos de prisão.
O promotor entrou com recurso para tentar aumentar a pena de Mizael Bispo e tenta conseguir 24 anos e meio.