Violência da PM no Brasil intriga especialistas: "É difícil dizer se o policial é mais violento que a sociedade"
Alto índice de mortes decorre de causas como falta de apoio psicológico e condições precárias
São Paulo|Eugenio Goussinsky, do R7*
A cena tem se tornado típica. Cada quarteirão das periferias de grandes cidades brasileiras é propício para, em algum momento, reverberar tiros solitários na madrugada e, após gritos de desespero, ter o seu asfalto manchado com o sangue de alguma vítima de ação policial. E enquanto os latidos distantes dos cães ecoam assustados, o amanhecer revela mais um sintoma de uma sociedade atônita: o drama da violência da PM (Polícia Militar), cada vez mais presente e misturado com as dificuldades e a importância desta profissão.
O atual momento conturbado da relação entre polícia e sociedade brasileira tem se multiplicado em exemplos. Os mais de 100 presos mortos em recentes rebeliões em presídios do Amazonas, Roraima, Rio Grande do Norte. Recorrentes casos de chacinas nas periferias. A fúria dentro de casa. Em 2016, 395 policiais militares de SP foram denunciados por violência doméstica.
Exclusivo: 395 policiais militares de SP foram denunciados por violência doméstica em 2016
Para o psiquiatra Bruno Nazar, professor da UFRJ e pesquisador do King´s College de Londres, o policial, em meio ao clima de desconfiança que permeia o País, está submetido a uma pressão que pode levá-lo a doenças psíquicas, inclusive causadoras de violência.
— Não se leva em conta que o policial também adoece e está sujeito a estresse pós-traumático, depressão e, por conta disso, pode até cair em um quadro de comportamento mais violento, inclusive em casa. E ao contrário de outras profissões, é muito difícil para ele buscar ajuda, porque se ele fizer um tratamento, teme ficar estigmatizado com a imagem de alguém fraco ou problemático.
Nazar não nega que em muitos casos existe o interesse das polícias em se aprimorar. Cita até que batalhões e corporações têm em seus quadros psicólogos e psiquiatras, buscando melhorar as condições nos últimos anos. Mas o número desses profissionais, segundo ele, ainda está muito abaixo do necessário para dar conta de todo o quadro de policiais necessitados de atendimento.
— Uma maneira de melhorar é o investimento em espaços de cuidado com o lado humano do policial. Outra é de psicologia corporativa, de resolução de conflitos, sempre ajustando para a realidade da corporação. É dificil dizer se o policial é mais violento que a sociedade. O comportamento dele é violento em muitos casos, diante de uma sociedade violenta, então é dificil saber até que ponto ele está impondo uma violência ou respondendo a uma violência. É preciso separar casos, em alguns ele está se sentindo acuado e precisa de um preparo melhor para lidar com a situação de estresse.
Levantamento da ONG Human Rights Watch aponta que mais de 3 mil pessoas morreram em 2016, vítimas de ações policiais. A entidade afirma que o número foi 40% do que o de 2015. A complexidade da questão, porém, não permite generalizações.
O psiquiatra admite que, em uma sociedade violenta, quando um policial é violento em sua profissão, dificilmente é uma pessoa tranquila em seu dia a dia. Mas se houver uma estrutura adequada, a prevenção de tragédias em função de ações explosivas pode ser melhorada.
— Não é correto dizer que o policial escolheu tal profissão porque é violento. Existem muitos policiais sensíveis, tanto é que eles adoecem em função do que vivem.
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Segundo ele, mais até do que qualquer pessoa, justamente por viverem situações limites, eles precisam se sentir compreendidos. Antes de se perderem na violência. A importância de reduzir o índice de violência policial tornou-se, inclusive, questão prioritária da ONU (Organização das Nações Unidas) a partir de 1990.
— Freud falava que, quando faltam palavras nasce a violência. Se tivéssemos mais espaço para eles falarem dos traumas, das ansiedades, da insatisfação, a violência tenderia a diminuir. Espaços com psicólogos fazendo grupos e amarudecendo essas reflexões ajudam inclusive em momentos mais tensos.
Piso salarial
Um ranking divulgado pela Associação Nacional das Entidades Representativas dos Militares Brasileiros (Anermb), que compara os salários pagos aos PMs em início de carreira em todos os Estados, mostra que a remuneração média de policiais no Brasil fica em torno de R$ 3.768,00. Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo o Escritório de Estatísticas Trabalhistas local, o salário médio de policiais e detetives é de R$ 15.300,00.
Segundo o coordenador do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, além da própria questão do treinamento, o piso salarial é um dos fatores que já aplica um primeiro filtro em possíveis interessados em participar de concursos para ser um PM. Como a remuneração é baixa no Brasil, pessoas que já têm um grau de estudos um pouco mais alto dificilmente aceitam seguir a carreira militar.
— O tipo de escolaridade dessas pessoas influencia bastante, por isso a formação do futuro PM acaba sendo bem diferente.
No Estado de São Paulo, os chamados praças – que são os soldados, cabos e agentes – fazem um treinamento de oito meses na academia de polícia e depois mais quatro meses de estágio supervisionado, enquanto a categoria dos oficiais fica três anos em período de formação.
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Para Langeani, essa "dupla entrada" de funcionários na polícia é um dos pontos que fazem com que a segurança pública no Brasil deixe de ser eficiente.
— A diferença de tratamento gera questões complicadoras que, muitas vezes, desestimulam a experiência de um praça em tempo de rua, não permitindo que ele suba na carreira e leve essa experiência para os cargos de gestão.
Langeani também defende a implantação de um órgão autônomo de investigação, com um orçamento e pessoal capacitado para apurar e punir desvios de conduta. Isso, segundo ele, ajudaria a mudar a imagem da polícia diante da população. E facilitaria o trabalho.
— Quando a polícia perde legitimidade ela perde até a capacidade de atuar.
* com Caíque Alencar
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