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Escritor convive com Aids há 27 anos: “Cheguei a ser considerado paciente terminal"

Beto Volpe diz que HIV deu sentido a sua vida; ele descobriu a doença no auge da epidemia 

Saúde|Dinalva Fernandes, do R7

Beto Volpe aprendeu a ver a vida de forma diferente após o HIV
Beto Volpe aprendeu a ver a vida de forma diferente após o HIV

No início da década de 1980, receber o diagnóstico de HIV era considerado sentença de morte. Na época, o Brasil vivia uma epidemia de Aids e a expectativa de vida de quem tinha o vírus não passava de um ano. Foi assim que a vida de Beto Volpe mudou radicalmente, aos 28 anos. Em 27 anos de convívio com a doença, ele diz que aprendeu a ver o mundo de forma diferente.

— Quando se é diagnosticado, só há dois caminhos: melhorar ou piorar, porque na mesma você não fica. Não se consegue fazer com que continue a mesma. O HIV tem o potencial muito grande de aprimorar nossa vida e isso depende da escolha que você faz. É encarar ou ficar chorando escondido.

Hoje, ele convive bem com a doença, mas nem sempre foi assim.

— Era a pior coisa que podia acontecer com o ser humano na época. A expectativa de vida raramente passava de um ano. Eu era bancário e fazia um monte de coisa pesada. Dois meses após o diagnóstico, eu fui licenciado do banco e fui fazer a perícia médica no centro de São Paulo, onde eu morava na época. Quando chamaram meu nome, eu estendi a mão para o médico e ele disse que eu não podia ultrapassar a linha amarela, a 2 metros dele. Tinha uma linha amarela no chão do que os pacientes com HIV não podiam ultrapassar.


Quando jovem, o escritor não usava drogas injetáveis, mas tinha o costume de transar sem camisinha. Depois de ter um sonho esquisito, ele decidiu fazer o teste em 1989. Para a surpresa dele, o resultado deu negativo. Mas a precaução durou pouco.

— Respirei aliviado e passei a usar camisinha sempre. Até que conheci o maior amor da minha vida, que durou três meses. Nesse embalo, alguém sugeriu que tirássemos a camisinha. Nem sei se ele sabia [que tinha HIV]. Depois tive o mesmo sonho toda a noite, e fiz o exame de novo.


E dessa vez, o resultado deu positivo.

— Uma coisa que não mudou nesses 30 anos de epidemia de Aids é o momento do diagnóstico. A pessoa perde o chão. A assistente social até ficou preocupada porque eu estava bem calmo.


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Depois de contar que tinha o HIV para umas três pessoas da cidade [São Vicente, litoral sul de São Paulo], a notícia se espalhou e, junto com ela, o preconceito.

— Quando ia jogar vôlei de praia um ou dois [jogadores] saiam. Eles diziam que estavam cansados e tal, mas era desculpa.

O HIV é o vírus que ataca o sistema imunológico do organismo e pode provocar a Aids, que é a doença. Segundo Volpe, na época, o coquetel que controla a carga viral no organismo ainda não existia e qualquer tipo de tratamento era baseado em crenças.

— “Ah, tem uma alga marinha que não sei o quê”. E eu ia tentando. Meses depois, o [cantor] Cazuza morreu. O cara ia para Houston (EUA) fazer tratamento e os médicos daqui só diziam que iria ter alguma coisa para a Aids só anos 2000. Então, eu fazia as contas porque ainda faltavam 10 anos. Aí, tentei abreviar a minha vida passei a abusar das drogas. Eu queria morreu logo e quase consegui.

Em 1996, sete anos depois da infecção, Volpe, que havia começado a tomar o coquetel, foi acometido por várias [doenças] oportunistas em seguida. Em três meses, teve pneumonia, dois AVCs (acidente vascular cerebral) e uma candidíase que o fez eu perder 30 kg em um mês. Para ele, o apoio da família foi fundamental para se continuasse vivo.

— Eu tomava água e vomitava e fiquei três dias em coma. Cheguei a ser considerado paciente terminal até que minha mãe enfiou o dedo na cara do médico e disse para ele continuar cuidando de mim porque eu não tinha morrido ainda. Aí, conseguiram me resgatar. O que me manteve vivo foi o apoio da minha família desde sempre. Isso é determinante na qualidade de vida da pessoa. Em casa, eu nunca me senti diferente e isso até aproximou a gente.

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Pouco tempo depois, o escritor sofreu o terceiro AVC que deixou o lado direito do corpo totalmente paralisado. Ele só voltou a se movimentar com a fisioterapia, que faz até hoje. Ele também teve osteonecrose, que é a morte óssea, e precisou colocar duas próteses nas cabeças dos dois fêmures (ossos da coxa).

— Hoje, já sinto uma dorzinha e preciso fazer outra cirurgia na parte inferior do osso. E uso a Raquel [como apelidou a bengala] para me locomover. O plano de saúde maravilhoso quem em garante tudo, mas penso nas pessoas que usam o SUS [Sistema Único de Saúde] que não têm isso. É bom que as que pessoas tenham isso em mente na hora de transar sem camisinha porque tem remedinho. A tendência mundial é de declínio no número de infectados, mas no Brasil [o número] aumentou. Hoje, a maior causa de morte de portadores do HIV é a tuberculose.

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Aos 55 anos, o escritor sofre cos problemas relacionados ao vírus e os efeitos colaterais dos remédios. Segundo ele, o serviço de saúde não está preparado para enfrentar essa situação, só fornecem o coquetel.

— É claro que tenho dificuldades de saúde. Uma delas é o envelhecimento precoce, que é uma unanimidade entre os portadores de HIV. Eu tive osteoporose e várias fraturas aos 38 anos, disfunção erétil também aos 38, catarata aos 48, hipertensão, [nível de] triglicérides alto etc. uma série de situações relacionadas ao envelhecimento. Quando o vírus entra na corrente sanguínea o organismo o entende como uma infecção e acelera o metabolismo. Isso é inevitável e independe do tratamento. Esse é o grande desafio.

O escritor toma o coquetel retroviral todos os dias. São oito remédios do coquetel mais os medicamentos para as outras coisas. Além disso, ele pratica atividade física. Por conta dos problemas ortopédicos, faz hidroginástica três vezes por semana e caminha na praia.

Volpe diz acreditar que a doença veio para mostrar como todo mundo deveria viver: com alimentação saudável, exercícios físicos regularmente e especialmente uma visão positiva em relação à vida.

— Eu tenho estratégia que é o humor. Sou o primeiro a tirar sarro quando tomo tombo. Quando você tem atitude como essa com flexibilidade, o problema que parecia ser imenso se reduz ao real tamanho dele. Hoje não troco minha vida com HIV por nada nesse mundo. Foi o HIV que deu sentido a ela.

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O escritor lançou um livro contando sua trajetória após descobrir o HIV
O escritor lançou um livro contando sua trajetória após descobrir o HIV

De acordo com o Ministério da Saúde, a infecção de Aids entre os jovens do sexo masculino no Brasil cresce em todas as faixas etárias. Em 2006, a razão entre os sexos era 1 caso de mulher para cada 1,2 casos de homem, e, em 2015, é 1 caso de mulher para cada 3 casos de homens. Entre as mulheres, os casos de Aids tem apresentado queda em todas as faixas, em especial, na faixa de 25 a 29 anos. Os dados foram apresentados na véspera do Dia Mundial da Luta Contra a Aids, lembrado nesta quinta-feira (1º).

A epidemia de Aids no País tem se concentrado, principalmente, entre populações vulneráveis e nos mais jovens. Entre jovens de 20 a 24, a taxa de detecção subiu de 16,2 casos por 100 mil habitantes, em 2005, para 33,1 casos em 2015, informou a pasta. Dois motivos explicam a vulnerabilidade dos jovens: menor inserção nos serviços de saúde e menor adesão ao tratamento. Volpe acredita que a discriminação também está relacionada com o aumento no número de infectados.

— O preconceito está totalmente ligado ao aumento dos casos de HIV porque as pessoas não procuram os serviços de saúde quando são diagnosticadas. Outras nem fazem o teste porque sabem que é grande o preconceito. Esse continua sendo o pior aspecto da epidemia de Aids.

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— Se é fugaz eu não conto, só faço a prevenção como todo mundo tem que fazer. Quando sinto que a pessoa é especial, aí eu conto que meu problema na perna não foi por acidente de carro. Se a pessoa cai fora eu agradeço a Deus por tirar o traste do meu caminho. Tem gente que tem medo que os amigos o abandone. Tem é que agradecer que saíram da sua vida. No meu caso, a maioria ficou.

Depois de abrir e fechar um ONG (Organização Não-Governamental), o escritor decidiu lutar pela conscientização sobre a doença de forma diferente e resolveu escrever o livro Morte e Vida Posithiva (editora Realejo Livros) e mantém um blog. A ideia do livro surgiu em 2011, após um concurso de textos sobre histórias de superação.

— Numa tarde de autógrafos, chegou um casal dizendo que o filho deles tem HIV e havia ficado três na cama. Conforme leu a minha história, ele se sentou na beira da cama e voltou a viver. Todo mundo chorou na hora, foi muita emoção. Achei a estratégia legal e resolvi escrever o livro, que é sobre HIV, mas aonde coloco minha veia de humorista. Se for falar sobre Aids de forma negativa, a pessoa fecha o livro na página 10. Ninguém aguenta.

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