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Conheça o peixe-leão, o predador que ameaça invadir o mar do Brasil

Invasor abalou espécies únicas de peixes em praias e ilhas dos EUA e do Caribe e pode chegar às águas da costa brasileira

Tecnologia e Ciência|Eduardo Marini, do R7

As presas demoram em reconhecer o peixe-leão como predador, facilitando seu trabalho
As presas demoram em reconhecer o peixe-leão como predador, facilitando seu trabalho As presas demoram em reconhecer o peixe-leão como predador, facilitando seu trabalho

O peixe-leão ou lionfish para o resto do mundo, é uma das espécies mais belas dos oceanos. Cobiçado por donos de aquário, tem o corpo listrado e barbatanas exuberantes. Nada com elegância e atinge em média entre 25 e 30 centímetros de comprimento na fase adulta.

A espécie é nativa do Indo-Pacífico, faixa oceânica que vai do Pacífico, entre a costa da América do Sul e a Austrália, até o litoral leste da África. Mas, desde a década de 1980, o peixe-leão conseguiu se estabelecer no Oceano Atlântico e está chegando à costa brasileira. Se isso acontecer, terá tudo para fazer um estrago considerável na biodiversidade nacional, sobretudo, do entorno de ilhas e arquipélagos. Infelizmente, a invasão começa a ocorrer, afirmam os pesquisadores.

Cinco exemplares foram capturados em águas brasileiras até agora. Dois no litoral de Arraial do Cabo, no Estado do Rio, um em Fernando de Noronha e os dois últimos em armadinhas de pescadores a 200 quilômetros de distância do litoral do Amapá, na pluma do Amazonas, área de contato da água doce do rio com a água salgada do mar.

Em um estudo publicado pela revista especializada internacional Biological Invasions, sete pesquisadores brasileiros analisam as possibilidades de entrada, soltura ou nascimento desses cinco exemplares na faixa oceânica do Brasil.

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“Há um ensaio de invasão e o alarme está dado. Devemos orientar a população e as autoridades devem tomar atitudes agora”, destaca em entrevista ao R7, de Darwin, na Austrália, o biólogo marinho brasileiro Osmar J. Luiz, pós-doutor pela universidade Macquarie, de Sydney, pesquisador da também australiana Charles Darwin University e coautor organizador do estudo.

Luiz explica que, no Indo-Pacífico, o peixe-leão tem vários predadores naturais, entre eles alguns tubarões e garoupas. Fora dali, eles são invasores bonitões, mas perigosos. Inicialmente, exemplares do peixe foram localizados na costa sul da Flórida, nos Estados Unidos, em 1985. Segundo os cientistas, provavelmente foram soltos por donos de aquário descontentes com seu comportamento.

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Em duas décadas, esses peixes se tornaram uma praga por lá. Com seus espinhos venenosos na crista, alastraram-se pela costa leste americana e, a partir de 2005, tomaram as praias do Golfo do México e de todos os países banhados pelas águas cristalinas e ricas em biodiversidade do Mar do Caribe. Assim, chegaram ao litoral da Venezuela, bem próximo na costa norte do Brasil. Em outra ponta, vindos pelo Mar Vermelho e pelo Canal de Suez, passaram a comer o que viam pela frente no Mar Mediterrâneo, entre a Europa e a África. 

Presença do peixe-leão nos EUA, no Caribe, na Colômbia e na Venezuela em 2020
Presença do peixe-leão nos EUA, no Caribe, na Colômbia e na Venezuela em 2020 Presença do peixe-leão nos EUA, no Caribe, na Colômbia e na Venezuela em 2020

O peixe-leão é um predador de porte médio, um mesopredador. Come basicamente peixes de médio para pequeno porte. “Quando ele invade outros ambientes, suas presas demoram a reconhecê-lo como inimigo e não fogem dele, facilitando sua ação. Seus possíveis predadores também custam a identificá-lo como presa. Enquanto isso, sua população se expande fulminantemente e eles fazem a festa”, explica o pesquisador brasileiro. “Por tudo isso, nas costas americana e caribenha, eles reduziram e continuam a comprometer a sobrevivência de espécies, sobretudo as endêmicas, que existem apenas em um ponto”.

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A rápida invasão das águas caribenhas serve de lição. Os lionfishes dominaram as praias de Trinidad e Tobago, no sudeste do Caribe, em 2012. Dois anos depois, em maio de 2014, mergulhadores e pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) capturaram um exemplar de 25 centímetros num costão de rochas da Prainha, em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro. Em fevereiro de 2016, o segundo foi pego no Saco das Neves, no litoral da mesma cidade.

Mais de seis mil quilômetros separam o sudoeste do Caribe do litoral fluminense, e os estudiosos acham difícil que eles tenham chegado até lá nadando sem terem sido localizados antes, no caminho. A hipótese mais aceita para os exemplares de Arraial do Cabo também é a soltura por parte de donos de aquário.

No episódio de Noronha, o mais provável é que alguns ovos da espécie, gelatinosos e capazes de flutuar, tenham sido levados pelas correntes marítimas até o arquipélago, distante 350 quilômetros da costa pernambucana. O peixe-leão se reproduz com espantosa fluência. As fêmeas desovam todos os meses. Apenas uma delas é capaz de liberar dois milhões de ovos em um ano.

“Agora, no caso dos dois capturados por pescadores no litoral do Amapá, um por rede e outro numa armadilha de pesca, a história é diferente - e bem mais preocupante”, destaca Luiz ao R7. “Há a suspeita de que eles, de alguma forma, passaram a atravessar a pluma do rio Amazonas, que funciona como barreira natural ao escurecer e diminuir a salinidade da água do mar. Se a travessia de fato está ocorrendo, é muito provável que já existam populações deles no norte do país”, alerta o pesquisador.

Da divisa entre a Guiana Francesa e o Amapá até São Luiz, no Maranhão, a costa norte brasileira abriga uma grande cadeia de recifes de corais, em profundidades entre 70 e 220 metros, com mais de mil quilômetros de extensão. Os pesquisadores temem que os peixes-leão estejam usando esses corais, por baixo da pluma do rio Amazonas, como caminhos para invadir a costa atlântica brasileira. “Se não tomarmos providência, em dez anos a invasão de nossas costas e ilhas poderá gerar prejuízos semelhantes aos vistos no Caribe”, preocupa-se Luiz.

Os pontos mais vulneráveis são os entornos de ilhas e de arquipélagos como Fernando de Noronha, Atol das Rocas, Martin Vaz e São Pedro e São Paulo. Todas essas áreas abrigam espécies endêmicas, ou seja, que não são encontradas em outras regiões, de peixes médios e pequenos, que poderiam ser drasticamente reduzidas ou aniquiladas pelo apetite furioso dos lionfishes.

O que fazer para contê-los?

A experiência de quem foi invadido aponta caminhos. Na Flórida, lançar peixe-leão no mar está proibido. Infeliz com o bicho? Devolva-o a quem o forneceu ou faça o abate. Escolas e empresas de mergulho promovem frequentemente gincanas e concursos, com pessoas treinadas, de campeões da pesca do peixe-leão. Alguns pegam entre entre 1 mil e 1,5 mil a cada jornada.

A venda e o preparo da carne são incentivados. Há livros de receita à venda e muitos o consomem como sushi e sashimi. “Temos informação de que a carne é saborosa. Pelas fotos, parece mesmo interessante”, brinca Carlos Eduardo Ferreira, um dos coautores do artigo, em um encontro virtual recente com Luiz Rocha, também parceiro no trabalho. Ferreira defende a proibição do comércio de peixe-leão para aquários no país.

“Hoje, em vários pontos do Caribe, há mais peixe-leão a partir de 30 metros de profundidade do que em áreas rasas, que abrigam a maioria dos peixes endêmicos. Fatores aleatórios de adaptação natural das áreas e espécies também contribuíram para isso”, analisou Rocha no encontro.

“Tudo isso é importante, mas fundamental agora é orientarmos a população. E os órgãos competentes, como o ICMBio e outros, precisam colocar em prática agora as estratégias controle”, aconselha Luiz. Enquanto é tempo – porque a partir da costa norte o peixe-leão é fato consumado. Sobrou tentar controlar o possível.

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