Para venezuelanos em êxodo, Brasil não está em crise econômica
Após fugirem da Venezuela, onde a inflação é estimada hoje em 648% ao ano, refugiados sonham com nova vida no país de 13 milhões de desempregados
Brasil|Diego Junqueira e Márcio Neves, do R7, enviados especiais a Roraima
“Quando meu filho de nove anos entrou no supermercado aqui em Boa Vista e viu as prateleiras cheias, ele disse que se sentia um milionário. Você sabe o que é uma criança de nove anos dizer que se sente milionário? Ele se sentia no céu mesmo”.
O depoimento de Jaasiel Herrera Lujano, venezuelano de 30 anos que há quatro meses vive na capital de Roraima, traduz um sentimento comum entre os imigrantes que deixaram a Venezuela e se refugiaram no Estado menos populoso e um dos mais pobres do Brasil: a sensação de alívio e esperança por terem deixado para trás um país onde a inflação é escandalosa (648% ao ano) e o abastecimento está em crise.
Os venezuelanos entrevistados pela reportagem do R7 afirmam não enxergar em Boa Vista ou em Pacaraima — na fronteira — os sinais da crise econômica que diminuiu a renda média do trabalhador brasileiro e mantém quase 13 milhões de pessoas na fila do desemprego.
Ex-sargento do Exército venezuelano (a Força Armada Nacional Bolivariana), Herrera conta que se tornou um desertor após ficar cinco dias fora de casa para a realização de demonstrações militares e, na volta, encontrou os filhos sem ter o que comer.
— Quando eu voltei, meus filhos só tinham manga em casa para comer. Foi aí que eu decidir ir embora do meu país.
Após fugir da Venezuela há quatro meses, Herrera trouxe na semana passada para Boa Vista o restante da família — mulher, dois filhos, mãe e outros parentes —, que, segundo ele diz, estavam sofrendo ameaças em seu país.
O casal foi encontrado pela primeira vez pela reportagem em frente à sede da Polícia Federal na capital roraimense, com um isopor sobre uma bicicleta, vendendo bolinhos de carne típicos da Venezuela.
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Ao lado deles, Luis Vallenilla, de 36 anos, ex-funcionário de uma fabricante de vidros em Puerto Ordaz, vende suco de limão e chicha a R$ 1,00. Ele está há cinco meses em Roraima, mas sonha em deixar a cidade e “avançar pelo Brasil”.
— Dizem que o Brasil passa por problema de emprego, mas o que nós vivemos não se compara. A Venezuela tem emprego, mas o salário não é suficiente.
Os desafios de ser ambulante
O trabalho de vendedor ambulante, principalmente com a venda de café, sucos e comidas, mas também de produtos da Venezuela, é a principal fonte de renda dos imigrantes venezuelanos em Roraima.
Eles alegam que esse tipo de trabalho rende uma grana imediata, embora muito baixa, mas suficiente para comprar produtos básicos, como pão, leite ou um saco de arroz.
“Pouco dinheiro aqui é muito na Venezuela”, diz Ernesto Hernandez, de 44 anos, que mora com sua companheira em uma barraca em frente ao abrigo do Exército no Jardim Floresta, em Boa Vista. O casal e dezenas de outros venezuelanos ficam na rua à espera de uma vaga no abrigo.
Enquanto observa uma família também em condição de rua preparando uma panela de arroz e pedaços de peixe frito, em um fogareiro de pedra, Hernandez faz as contas do preço do arroz no Brasil e em seu país.
— Quanto custa um saco de arroz? R$ 3,00? Na Venezuela custava 3 milhões de bolívares. É quase um salário mínimo. Aqui no Brasil, pelo menos, dá pra viver com um salário mínimo.
Apesar do “alívio” por estarem em país estruturado economicamente, os venezuelanos são muito conscientes dos desafios que eles têm de enfrentar até se estabelecerem no Brasil, porque o desemprego e a falta de trabalho também é um drama diário.
O sonho de todos eles é ter um emprego fixo, de carteira assinada, e pagar o aluguel no fim do mês.
“Somos todos profissionais aqui. Eu tenho minha carteira de trabalho, mas é difícil conseguir um trabalho fixo. Vocês são 200 milhões de pessoas. Nós somos muito poucos. Não é possível que não haja trabalho pra gente”, desabafa Vallenilla.
Para quem está em Boa Vista, é mais seguro trabalhar como ambulante ou limpando vidros no farol. Já quem vive em Pacaraima relata insegurança e perseguições, principalmente após o ataque a um grupo de venezuelanos há quase duas semanas, deflagrado após a agressão a um comerciante local.
“Eles correm atrás da gente e tomam nossas coisas”, diz Zuri Torres, de 42 anos, que há dois meses mora debaixo de uma lona junto de outros oito parentes, praticamente escondida na cidade fronteiriça para “fugir das humilhações”, bem perto da linha que divide os dois países.
— Queremos ir mais para dentro do Brasil, mas como vamos fazer? Como a gente faz pra comer se não nos deixam trabalhar?