Cartão de vacina foi emitido duas horas antes de Bolsonaro deixar o Brasil rumo aos EUA, afirma PF
Informações sobre vacinação foram inseridas em 21 de dezembro de 2021 pelo secretário de governo de Duque de Caxias (RJ)
Brasília|Plínio Aguiar e Gabriela Coelho, do R7 em Brasília
Um relatório produzido pela Polícia Federal (PF) mostra que a equipe presidencial emitiu o último certificado de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cerca de duas horas antes de ele deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos, no fim do ano passado.
"No dia 30 de dezembro de 2022, às 12h02, o usuário associado ex-presidente da República, utilizando o endereço de IP vinculado ao terminal telefônico cadastrado em nome de Mauro Cesar Barbosa Cid, acessou o aplicativo ConecteSUS e emitiu um novo certificado de vacinação contra a Covid-19", diz um trecho do relatório.
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O documento, segundo a corporação, continha apenas o registro da vacina da Janssen, pois as demais, da Pfizer, já haviam sido excluídas. "Cerca de duas horas depois da emissão do último certificado, Mauro Cesar Cid e o ex-presidente da República Jair Bolsonaro viajaram de Brasília para a cidade de Orlando, nos Estados Unidos", completa. O voo decolou por volta de 14h.
O ex-presidente viajou para os Estados Unidos com a ex-primeira dama e atual presidente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro, e a filha, Laura, de 12 anos, um dia antes de terminar o mandato, em 30 de dezembro de 2022. Bolsonaro optou por sair do país e não participar da cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocorreu em 1º de janeiro.
Para a PF, Bolsonaro e sua equipe tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação. De acordo com a corporação, "os elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de vacinação contra a Covid-19, o que indica que Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Cid e, possivelmente, Marcelo Costa Camara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento".
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Entenda o roteiro
A PF informou que o secretário de governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Souza Brecha, inseriu dados falsos de vacinação em nome de Bolsonaro em 21 de dezembro de 2021, às 18h59 e às 19h. Um dia depois, um usuário entrou no aplicativo ConecteSUS, de um endereço do Palácio do Planalto, e baixou os comprovantes de vacinação com as três doses de vacina, que teriam sido tomadas no município fluminense.
Em seguida, também no dia 22 de dezembro, às 8h20, ocorreu uma mudança cadastral no aplicativo de Bolsonaro, com o acréscimo do email de Marcelo Costa Camara, que viria a ser nomeado assessor da Presidência. Em 27 de dezembro de 2022, às 14h19, um usuário que utilizava a conta do ex-presidente baixou o certificado de vacinação mais uma vez.
Após a geração desse segundo certificado, os registros das vacinas que Bolsonaro teria tomado foram excluídos do sistema, às 20h59 do dia 27. A ação foi realizada pela operadora Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, sob a justificativa de "erro".
Já em 30 de dezembro de 2022, às 12h02, o usuário associado à conta de Bolsonaro, usando um endereço eletrônico cadastrado em nome de Mauro Cid, acessou o aplicativo e emitiu um novo certificado de vacinação, agora apenas com o registro da vacina da Janssen, pois as demais, da Pfizer, já tinham sido excluídas.
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Cerca de duras horas depois da emissão do último certificado, Bolsonaro e Mauro Cid viajaram para Orlando, nos Estados Unidos. O voo da Força Aérea Brasileira (FAB) decolou por volta de 14h, no dia 30, antes de o ex-presidente finalizar seu mandato.
"Portanto, os elementos informativos colhidos trazem indícios de que João Carlos de Souza Brecha, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cesar Cid e Marcelo Costa Camara se uniram, em unidade de desígnios, e, de forma exitosa, inseriram dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício de Jair Messias Bolsonaro nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde", diz outro trecho do documento da PF.
A reportagem busca contato com os citados. O espaço está aberto para manifestação.
Entenda a Operação Venire
A Polícia Federal cumpriu nesta quarta-feira (3) 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva na Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 no sistema ConecteSUS, do Ministério da Saúde. Entre os beneficiados estariam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a filha dele, Laura Bolsonaro.
Os policiais cumpriram mandados de busca e apreensão inclusive na casa de Bolsonaro e de Michelle Bolsonaro. O celular do ex-presidente foi apreendido.
Foram presos Mauro Cid e Luis Marcos dos Reis, ex-ajudantes de ordens de Bolsonaro; Max Guilherme de Moura e Sergio Cordeiro, seguranças do ex-presidente; Ailton Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL no Rio de Janeiro em 2022; e João Carlos de Souza Brecha, secretário da prefeitura de Duque de Caxias (RJ).
De acordo com a Polícia Federal, as inserções falsas foram feitas entre novembro de 2021 e dezembro de 2022. O crime teria sido praticado para burlar restrições sanitárias e viajar para países que exigiam vacinação à época para entrar no país, como os Estados Unidos. As informações foram excluídas posteriormente.
"A apuração indica que o objetivo do grupo seria manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19", afirma a corporação.
Os envolvidos são investigados por crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores. As ações ocorrem dentro do inquérito policial que investiga as chamadas “milícias digitais”, supostas organizações de difusão de informações falsas na internet com o objetivo de influenciar resultados eleitorais e atentar contra a democracia.
O nome da operação deriva do princípio jurídico venire contra factum proprium, que significa “ninguém pode comportar-se contra seus próprios atos”. De acordo com a nota da Polícia Federal, “é um princípio base do direito civil e do direito internacional, que veda comportamentos contraditórios de uma pessoa”.
Bolsonaro disse que não existe adulteração por parte dele no documento de vacinação e reafirmou não ter tomado o imunizante por "decisão pessoal". "Fico surpreso com a busca e apreensão com esse motivo", completou.