Bolsonaro tinha 'plena ciência' de dados falsos sobre vacinação, afirma PF
Investigação considera a possibilidade de que ex-presidente tenha cometido ainda crime de corrupção de menores no caso
Brasília|Plínio Aguiar e Gabriela Coelho, do R7 em Brasília
Em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua equipe tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação. Mais cedo, o ex-chefe do Executivo foi alvo de operação da corporação por suposta falsificação da carteira vacinal.
"Os elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de vacinação contra a Covid-19, indicando que JAIR BOLSONARO, MAURO CESAR CID e, possivelmente, MARCELO COSTA CAMARA tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento", afirma trecho do documento, obtido pela reportagem.
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"Tais condutas, contextualizadas com os elementos informativos apresentados, mostram que as inserções falsas podem ter sido realizadas com o objetivo de gerar vantagem indevida para o ex-presidente da República", completa.
O documento é assinado pelo delegado Fábio Alvarez Shor. Mais cedo, Bolsonaro foi alvo de operação da PF para investigar a atuação de uma associação criminosa que inseria dados falsos de vacinação nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde. Em entrevista, o ex-presidente disse que não tem dúvida de que a ação da qual foi alvo tinha a intenção de "esculachá-lo".
"Não há dúvida que eu chamo de operação para te esculachar. Podiam perguntar sobre vacina, cartão, eu responderia sem problema nenhum. Agora uma pressão enorme, 24 horas por dia, o dia todo, desde antes de assumir a Presidência até agora. Não sei quando isso vai acabar. O que eu fico emocionado é que mexer comigo sem problema, mas quando vai para a esposa, para filhos, aí o negócio é desumano", afirmou.
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Corrupção de menores
A investigação também considera a possibilidade de que Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro tenham cometido crime de corrupção de menores, em razão da emissão de um certificado falso de vacinação contra a Covid-19 da filha mais nova do casal, Laura.
O documento falso contém a informação de que a filha do ex-presidente foi imunizada com três doses da vacina contra a Covid-19 e foi emitido em 27 de dezembro, às vésperas da viagem da adolescente aos Estados Unidos, com Bolsonaro e Michelle.
"Obviamente, Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro têm plena ciência de que os dados de vacinação em nome de sua filha menor de idade são ideologicamente falsos", diz o relatório da PF.
Entenda a Operação Venire
A Polícia Federal cumpriu nesta quarta-feira (3) 16 mandados de busca e apreensão e seis mandados de prisão preventiva na Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 no sistema ConecteSUS, do Ministério da Saúde. Entre os beneficiários estariam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a filha dele, Laura Bolsonaro.
Os policiais cumpriram mandados de busca e apreensão inclusive na casa de Jair Bolsonaro e de Michelle Bolsonaro.
Foram presos os ex-ajudantes de ordens de Bolsonaro Mauro Cid e Luis Marcos dos Reis; Max Guilherme de Moura e Sergio Cordeiro, seguranças do ex-presidente; Ailton Moraes Barros, candidato a deputado estadual pelo PL no Rio de Janeiro em 2022; e João Carlos de Souza Brecha, secretário da Prefeitura de Duque de Caxias (RJ).
De acordo com a Polícia Federal, as inserções falsas foram feitas entre novembro de 2021 e dezembro de 2022. O crime teria sido praticado para burlar restrições sanitárias e viajar para países como os Estados Unidos, que exigiam vacinação à época para a entrada em território americano. As informações foram excluídas posteriormente.
"A apuração mostra que o objetivo do grupo seria manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas — no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19", afirma a corporação.
Os envolvidos são investigados por crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores. As ações estão dentro do inquérito policial que investiga as chamadas “milícias digitais”, supostas organizações de difusão de informações falsas na internet com o objetivo de influenciar resultados eleitorais e atentar contra a democracia.
O nome da operação deriva do princípio jurídico “venire contra factum proprium”, que significa “ninguém pode comportar-se contra os próprios atos”. De acordo com nota da Polícia Federal, “é um princípio-base do direito civil e do direito internacional, que veda comportamentos contraditórios de uma pessoa”.