Comissão arquivou denúncia contra Guimarães por contratação de suposto personal trainer
Cleyton Gonçalves Carregari foi contratado em 16 de janeiro de 2019 para cargo na Caixa Econômica com salário de R$ 30 mil
Brasília|Plínio Aguiar, do R7, em Brasília
A Comissão de Ética Pública, vinculada à Presidência da República, arquivou, em agosto de 2020, uma denúncia contra o então presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, por ter contratado seu suposto personal trainer para um cargo na estatal com salário em torno de R$ 30 mil.
A denúncia em desfavor de Guimarães foi apresentada pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF) e cita a contratação de Cleyton Gonçalves Carregari para o cargo de consultor da presidência da Caixa. A comissão questionou a estatal sobre o funcionário.
Na peça, a Direção de Gestão de Pessoas relata que Carregari foi contratado em 16 de janeiro de 2019, dias após a posse de Guimarães como presidente da Caixa na gestão de Jair Bolsonaro (PL). Entre as responsabilidades de sua função estão assessoria especializada na revisão da política de patrocínio esportivo e do plano estratégico de comunicação e marketing da estatal.
Foram inseridos ao processo o currículo de Carregari, diploma de graduação e certificado de pós-graduação. Guimarães, por sua vez, apontou que as contratações são de livre realização e desligamento e se destinam ao assessoramento do Conselho de Administração e da presidência da Caixa.
"Acerca da qualificação profissional do senhor Cleyton, apontou sua capacitação técnica, acadêmica e a sua visão mercadológica da atividade. Juntou, ainda, parte da produção do trabalho do senhor Cleyton junto à Caixa, demonstrando efetividade na revisão e aperfeiçoamento dos regramentos internos e nos procedimentos afetos à concessão de patrocínios de natureza esportiva", diz trecho do ofício.
Carregari informou, em carta enviada à comissão, que nunca realizou nenhum tipo de trabalho particular para Guimarães, tampouco foi seu personal trainer. Ele também relatou os projetos, atividades e resultados alcançados na empresa.
A denúncia foi relatada pelo consultor Gustavo Rocha, ex-advogado do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, que arquivou o caso. Os esclarecimentos dados pelo denunciado, segundo o membro do grupo, reforçaram a legalidade do ato quanto à contratação de assessor.
"Ao final da instrução processual não foram constatados indícios de conflito de interesses dos servidores envolvidos e nem de eventual desobediência ao Código de Conduta da Alta Administração Federal", afirma Rocha.
A reportagem procurou Callegari, mas não obteve retorno. Em nota, A Caixa informou que o contrato com o funcionário foi encerrado em 5 de julho deste ano, portanto, dias após a renúncia de Guimarães.
Já o ex-presidente do banco informou, por meio de sua defesa, que "mais uma vez informações sigilosas são vazadas com a finalidade de distorcer os fatos", cita que o ex-funcionário tem graduação em educação física e pós-graduação em administração e marketing esportivo.
"Foi nomeado na Caixa para exercer função absolutamente compatível com sua formação acadêmica e experiência profissional. Seu foco eram as ações de marketing esportivo e social, área em que o banco tem forte atuação. O arquivamento de denúncia no âmbito da Comissão de Ética da Presidência da República comprova que não houve nada de errado na nomeação", acrescenta. Guimarães destaca, também, que Carregari "nunca foi personal trainer".
Demissão
O economista Pedro Guimarães pediu demissão da presidência da Caixa Econômica em 29 de junho, após denúncias de assédio sexual e moral. As investidas teriam ocorrido contra funcionárias do banco. De acordo com fontes ouvidas no MPF, as diligências ocorrem sob sigilo na Procuradoria da República no Distrito Federal, já que ele não tem foro privilegiado.
Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que as denúncias de assédio sexual dentro do governo federal aumentaram 65% no ano passado em comparação com 2020. Em 2021, houve 251 manifestações, entre comunicações e denúncias, de assédio sexual em 95 unidades federais, entre elas diversos órgãos do governo, incluindo ministérios, universidades, institutos federais e hospitais. Já em 2020, o número foi de 152.
Exonerado, Guimarães recebeu R$ 3.134.374,62 à frente da empresa ao longo de sua gestão, como mostrou reportagem do R7. Como ele ficou cerca de 41 meses na presidência da estatal, recebeu, só do banco, uma média de R$ 76.448,16 mil por mês.
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Acúmulo de cargos
Reportagem exclusiva do R7 mostrou que, em 2021, Guimarães era membro de pelo menos 21 conselhos de administração de empresas ligadas à estatal. No fim do mês, o salário dele, por causa da remuneração dos conselhos, poderia saltar de R$ 56 mil para mais de R$ 230 mil, como mostram dados relativos a julho de 2021, quando Guimarães recebeu R$ 230.940. A Caixa nega irregularidades.
A situação supostamente contrariava o artigo 20 da Lei das Estatais, que proíbe "a participação remunerada de membros da administração pública, direta ou indireta, em mais de 2 (dois) conselhos, de administração ou fiscal, de empresa pública, de sociedade de economia mista ou de suas subsidiárias".
Após a reportagem, o procurador Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público, apresentou ao Tribunal de Contas da União uma representação para que seja investigado o acúmulo de cargos por parte do ex-presidente da Caixa. Na ação, destaca que a Constituição Federal veda o acúmulo de cargos.
"Ora, a Constituição Federal de 1988, em seus arts. XVI e XVII (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998), veda as acumulações remuneradas de cargos, empregos e funções na administração direta, estendendo-se tal proibição às autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público", explica o procurador.