Expectativa de vida, economia e educação: o que mudou no Brasil 200 anos após a independência
Duzentos anos após dom Pedro 1º declarar a independência, o país avançou em conquistas na educação, saúde e economia
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
Expectativa de vida de 25 anos, escola apenas para brancos e refeições baseadas em poucos alimentos. Passados 200 anos do episódio em que o dom Pedro 1º declarou a independência da coroa portuguesa, muita coisa mudou no Brasil e no mundo. Para historiadores ouvidos pelo R7, o país avançou em ciência, acesso à saúde e educação, mas ainda mantém as chagas da desigualdade social.
"Nesses 200 anos, tudo mudou muito. O homem do século 19 vivia mais próximo do modo de vida de um homem da época de Cristo do que de um homem da nossa época, o avanço tecnológico e da ciência foi muito grande", comenta o professor e historiador Alex Catharino, da Fundação da Liberdade Econômica (FLE).
Leia também: Dom Pedro 1º estava montado em cavalo quando declarou a Independência?
Quando dom Pedro 1º declarou a independência, o Brasil tinha entre 4,5 milhões e 4,8 milhões de habitantes, sendo que um terço dessa população era de escravos. Isso significa que a densidade demográfica de todo o país era menor do que a do estado de Goiás atualmente, que em 2022 tem população estimada em 7,2 milhões de pessoas. Hoje, o Brasil tem 215 milhões de habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um salto de 4.200% em 200 anos.
A expectativa de vida dos brasileiros ao nascer também era diferente da atual. A maioria dos bebês nascidos em 1822 tinha esperança de vida de 25 anos de idade. Segundo a última estimativa do IGBE, de 2020, hoje é de 76 anos.
Catharino explica que o Brasil de 1822 parecia um país pobre e atrasado, "uma ilha de letrados em um oceano de analfabetos", com população formada por maioria de escravos, mas com a classe média no início da ascensão. Para ele, é quase impossível traçar um paralelo entre o que era o país há 200 anos e o Brasil atual.
"Temos que comparar o Brasil daquela época não com o Brasil de hoje, mas com outros países daquele tempo. Então, assim como outros países da Europa e os Estados Unidos, era uma sociedade basicamente rural, que tinha a base da vida nas fazendas", detalha.
Existia ainda a chaga da escravidão e pairava sobre a elite um medo de abolir os escravos por receio de um massacre ou uma guerra civil%2C aos moldes do que aconteceu em outros países da América Latina. Esse era um problema social muito forte naquela época.
Leia também: Casos de trabalho escravo julgados em 2022 no Brasil já são quase mil
Brasil rural
Segundo o professor, mensurar dados da economia brasileira em 1822 é complexo por causa da escassez de dados e estatísticas da época. Além disso, o conceito de Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas por um país, só foi criado na década de 1930 e começou a ser aplicado no período pós-guerras.
No entanto, há quem se arrisque a fazer essa estimativa. O ex-diretor do Banco Central na década de 1980, Luiz Aranha Correa do Lago, e o professor Marcelo Paiva Abreu entederam ser possível dizer que a economia brasileira cresceu 22,9% entre 1820 e 1890, algo como 0,32% por ano.
Segundo o estudo, às vésperas da independência o PIB per capita anual era de US$ 646, abaixo da média estimada no período para o México (US$ 759) e Estados Unidos (US$ 1.257), e para a média de 12 países da Europa Ocidental.
"A economia brasileira era agrária e, por ocasião do pacto colonial assinado 37 anos antes da Independência, todas as fábricas e manufaturas foram extintas. Isso fez com que o país se concentrasse na exportação de matéria-prima, basicamente café, açúcar, tabaco e ouro. Aos poucos, algumas pequenas manufaturas chegam ao Brasil trazidas por dom João VI, como tecelagens e a fábrica de pólvora, mas o país importava quase tudo o que era manufaturado", completa Catharino.
Leia também: No Brasil há 100 anos, Ford foi 1ª montadora com sede nacional
O historiador e coordenador do Núcleo de Evolução de Conteúdo do Sistema Positivo, Norton Frehse Nicolazzi, destaca que o início da transformação econômica do Brasil é anterior a 1822, começa em 1808, quando a família real desembarca no Brasil, e em 1815, quando o país é alçado ao império com a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
"No entanto, as coisas pouco mudavam para a população no geral. O que nós tínhamos nesse período imperial era uma parcela muito pequena da população sendo a elite local e a população em geral, a massa, composta de indígenas e escravizados. Era uma grande fazenda com alguns poucos núcleos urbanos e experimentando uma condição muito precária de vida", acrescenta.
Alimentação e educação
A maioria da população não tinha sequer noção do universo urbano, destaca o Nicalazzi, e vivia basicamente de subsistência, dos alimentos que cultivava, dos animais que criava e do que podia trocar com vizinhos.
"O escambo se fez muito presente nesse cenário. Alguns estudos antropológicos citam que até os hábitos alimentares eram extremamente restritos. A base da alimentação era farinha, feijão e carne seca, e isso só vai mudar realmente na década de 1920, com o crescimento dos grandes centros urbanos e com a chegada do fogão a gás, por exemplo", destaca. Em 1850, os menos favorecidos também tinham acesso a arroz, pão, angú e alguns peixes.
A educação estava relacionada à igreja, especialmente a duas ordens educadoras. Um marco importante para a educação brasileira aconteceu em 1759, quando os jesuítas foram expulsos no Brasil. Eram eles, junto com os beneditinos, os principais responsáveis pelo ensino da língua portuguesa e ciências no país. A partir de então, o controle sobre a educação na colônia é delegado ao estado.
Só após a independência que a Carta Magna de 1824 expande o acesso ao ensino primário, embora o ingresso à educação formal ainda fosse limitado.
Havia diretriz para que fosse estabelecida uma educação para a população em geral%2C mas%2C na prática%2C não foi isso que aconteceu. Foram algumas décadas e passamos praticamente todo o período imperial sem que a educação fosse chamada de universal
Essa decisão reflete em dados levantados quarenta anos mais tarde, no senso demográfico de 1872, quando o número de analfabetos no Brasil chegava a 81%. "Vale lembrar que nesse cenário, a população era bastante dividida em grupos muito distintos e havia uma parcela muito diminuta de homens brancos, livres e detentores de recursos, e era para essas pessoas que a educação era destinada."
Para o professor, a modernização e democratização da educação foi um processo extremamente lento e ainda se reflete no Brasil de 2022. "Tanto em 1822, quanto em outros episódios históricos, como em 1889 [Proclamação da República] e em 1964 [início da ditadura militar], o que permanece de marca histórica é que ainda visualizamos uma grande parte da população à margem dos encaminhamentos políticos. Por isso, a importância de conhecer a nossa história e a nossa memória como um meio de nos constituirmos como um povo, detentores de algo e com laços em comum", finaliza.
Bicentenário da Independência
O Brasil comemora nesta quarta-feira (7) o bicentenário da independência. Na Esplanada, o desfile cívico aconteceu pela manhã, e manifestações em apoio ao governo federal devem ocorrer a partir das 13h. O evento contará com a presença já tradicional das forças militares, das escolas de Brasília, das escolas militares e até com um grupamento de tratores, além do desfile aéreo da Esquadrilha da Fumaça.