É preciso ‘intensificar o diálogo’, diz Gilmar em audiência sobre marco temporal
Declaração foi dada na primeira reunião de conciliação sobre o tema para estabelecer diretrizes
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta segunda-feira (5) que “é imperioso intensificar o processo de diálogo interfederativo e colaborativo com a sociedade, que propicie a construção de consensos sobre propostas legislativas, além de procedimentos administrativo-decisórios e executivos”. A declaração foi dada na primeira reunião da comissão especial de conciliação para estabelecer diretrizes nas ações que envolvem o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
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A previsão da Corte é de que os trabalhos estejam concluídos até 18 de dezembro deste ano. Em 2023, o STF decidiu derrubar a aplicação do marco temporal. O placar do julgamento ficou em nove a dois a favor dos povos originários. Pela tese do marco temporal, uma terra só poderia ser demarcada se ficasse comprovado que os indígenas estavam nela ou disputando a posse dela na data da promulgação da Constituição Federal vigente — 5 de outubro de 1988.
Na avaliação do ministro, o caminho escolhido pelo Estado brasileiro para a questão indígena é o da omissão vexatória. “A questão relativa aos direitos dos povos originários, profunda em suas origens e sistêmica em suas consequências, não será resolvida apenas com uma decisão judicial. Pelo contrário, o próprio dissenso engendrado pelos debates político-jurídicos desde a Constituinte de 1987/1988 evidencia que dilemas estruturais dessa natureza são dificilmente solucionados pela atuação jurisdicional tradicional, ainda que bem intencionada, pois o diálogo institucional usual entre os Poderes tem se mostrado insatisfatório”, disse.
Para Gilmar, não há verdadeira pacificação social com a imposição unilateral de vontades e visões de mundo. “Ignoram que sem diálogo honesto, tolerância e compreensão recíproca nada surgirá, muito menos a afirmação de direitos fundamentais. Desconsideram, ao fim e ao cabo, o que os povos originários ensinam há gerações àqueles que aportaram nestas terras: este País comporta todos nós, em seus múltiplos modos de vida e valores”, afirmou.
O ministro defendeu ainda que é necessário demarcar as terras indígenas e conferir a seus habitantes os meios de seguirem suas vidas, seus propósitos e objetivos.
“Não mais tutelados pelo Estado, mas como pessoas plena e verdadeiramente independentes. Quais são os seus projetos? Vamos escutá-los aqui. Quais suas demandas? Vamos ouvi-las nesta Comissão. Reforce-se ser necessário o empoderamento indígena, permitindo que, mediante consulta, decorra a autossustentabilidade econômica e social, possibilitando a relação de independência perante o Estado para autogestão do modo de vida e cultura das etnias indígenas. E o que fazer com os não indígenas que atualmente vivem em terras identificadas como de ocupação tradicional dos povos originários? Tratá-los indistintamente como violadores de direitos, sem identificar a natureza da ocupação e sua cronologia, não parece solução constitucionalmente adequada, considerando que, em muitos casos, a titulação se deu em decorrência de governos federal e estaduais”, disse.
A comissão será formada por seis representantes indicados pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas), seis pelo Congresso Nacional, quatro pelo governo federal, dois dos estados e um dos municípios. “Cada um dos autores das ações também poderão indicar um representante e objetivo é que as negociações contem com a participação de representantes de diversos setores da sociedade, garantindo que todas as vozes sejam ouvidas e respeitadas”, diz o STF.
Segundo a Corte, “a comissão abre um novo capítulo no tratamento das controvérsias entre indígenas e não indígenas envolvendo interesses jurídicos, sociais, políticos e econômicos. Ele considera que o tema necessita de uma abordagem colaborativa e dialógica, envolvendo todos os atores sociais e institucionais para a construção de soluções duradouras e pacíficas entre os interessados”.
Em abril, o ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos que questionam a validade da lei que instituiu o marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil. A decisão vale até que a Corte decida definitivamente sobre o tema. Enquanto isso, poderão ser concedidas apenas medidas urgentes “a fim de impedir perecimento de direito ou evitar a ocorrência de dano irreparável”, decidiu o ministro.
O ministro estabeleceu ainda medidas para a conciliação nos processos. Ele determinou a intimação de “todos os autores das ações de controle concentrado de constitucionalidade ora apreciadas, bem ainda dos chefes dos Poderes Executivo e Legislativo, além da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República para que, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentem propostas no contexto de uma nova abordagem do litígio constitucional discutido nas ações ora apreciadas, mediante a utilização de meios consensuais de solução de litígios”.
Segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no fim de 2023 haviam 736 terras registradas no país em vários estágios de demarcação. Essas áreas somam pelo menos 13,75% do território brasileiro e estão localizadas em todas as cinco regiões do país. Dessas, 477 já chegaram ao processo final — a regularização. Outras 259 aguardam a finalização.