Juristas e empresários criticam insegurança jurídica causada por suspensão da desoneração
Ministro Zanin, do STF, suspendeu medida depois de pedido do governo; iniciativa está em vigor desde 2011 e terminaria em 2027
Brasília|Do R7, em Brasília
Especialistas em direito tributário e constitucional e empresários do setor produtivo criticam a insegurança jurídica que a desoneração da folha de pagamento de 17 segmentos da economia pode gerar. Sem ouvir os grupos econômicos envolvidos nem o Congresso Nacional, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Cristiano Zanin suspendeu na última quinta-feira (25), a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a lei que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamento para os setores — os que mais empregam no Brasil (veja quais são os setores na arte).
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O advogado tributarista e presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (ABAT), Eduardo Natal, aponta que o planejamento financeiro das empresas é bastante afetado pela mudança e pela “queda de braço”.
“O Supremo Tribunal Federal, alinhado com os propósitos do governo federal, causa uma insegurança jurídica muito grande nas empresas. Aqui, não se discute, efetivamente, na minha visão, neste momento, a questão da melhor técnica tributária do ponto de vista de justiça fiscal ou de concessão de benefícios, e, sim, o ponto da insegurança jurídica e da mudança de rota no meio do exercício, o que não é saudável para a economia nem para as empresas”, explica o especialista.
O vice-presidente jurídico da CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil), Anderson Trautman Cardoso, afirma que a decisão monocrática de Zanin gera “profunda” insegurança jurídica. “Suspende imediatamente a aplicação do regime tributário da desoneração da folha com base em decisão provisória, obrigando as empresas optantes que retornem à tributação pela folha de salários, que é mais onerosa”, explica.
A lei da desoneração se aplica aos 17 setores que, juntos, são responsáveis por 9 milhões de vagas. No regime, em vez de o empresário pagar 20% sobre a folha do funcionário, o tributo pode ser calculado com a aplicação de um percentual sobre a receita bruta da empresa, que varia, conforme o setor, de 1% a 4,5%.
O ministro do STF Luiz Fux paralisou o julgamento sobre a decisão de Zanin na noite de sexta-feira (26). Em vez de apresentar voto acompanhando ou não o colega — como já tinham feito Edson Fachin, Flávio Dino, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso —, Fux pediu vista (mais tempo para análise). O prazo é de até 90 dias.
“Ainda que se espere que essa decisão seja modificada pelo plenário do STF, as empresas optantes precisam ter o mínimo de segurança e previsibilidade para o planejamento de suas operações”, continua Trautman. “Não havendo solução pelo STF, entendemos que deve, sim, o Congresso Nacional adotar as providências necessárias para a restauração do regime e a manutenção da desoneração da folha até 2027, conforme aprovado pelo Poder Legislativo”, completou o vice-presidente.
O advogado tributarista e professor do Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários), André Felix, reforça que a suspensão traz instabilidade financeira e jurídica. “As empresas vão pensar duas vezes para investir no Brasil. A insegurança jurídica é o principal ponto de não atração de investidores estrangeiros. A desoneração da folha vem correndo há mais de uma década”, argumenta o especialista.
Também na sexta (26), o Senado recorreu da decisão do ministro Zanin. Para a Casa, a decisão se fundamentou em pressupostos fáticos equivocados e não observou os preceitos legais.
Congresso calculou efeitos da desoneração
Ao suspender a desoneração, Zanin argumentou que “não mais se admite base de cálculo substitutiva à folha de salários e demais rendimentos pagos”. Para ele, a lei que estendeu a desoneração da folha de pagamento até 2027 desrespeita a Constituição Federal. O governo federal, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União, alegou que o impacto orçamentário da medida não tinha sido calculado.
No entanto, a presidente da Feninfra (Federação de Manutenção da Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática), Vivien Suruagy, destaca que o Congresso Nacional previu, sim, os efeitos da iniciativa.
“Estamos com total insegurança jurídica após decisão do STF. Consideramos que não foi estabelecido novo benefício e o Congresso previu os efeitos da medida ao considerar que seriam cobertos por arrecadação do Cofins exportação e crescimento do emprego. Ou seja, não há aumento de deficit público”, explica.
Vivien lamenta que as decisões do Legislativo sejam contestadas por outros Poderes. “Porém, as frequentes tentativas de inviabilizar algo que foi votado e decidido pelo Congresso, infelizmente, nos levam a demitir rapidamente, pois é impossível suportar o aumento de carga sobre a folha de salário. Desta forma, a geração de emprego, a sustentabilidade das empresas e a credibilidade ficam seriamente afetadas”, completa.
‘Surpresa desagradável’
Para o presidente da (ABPA) Associação Brasileira de Proteína Animal, Ricardo Santin, o custo da suspensão da desoneração pode ser repassado à população. “Nós planejamos a contratação de pessoas nos nossos setores com o que já tinha sido estabelecido na legislação aprovada e, acima de tudo, pelo veto derrubado. Entendemos que não haveria sequer o risco de que isso [suspensão da desoneração] viesse. Então, é uma surpresa desagradável ver uma liminar que, digamos assim, muda o trabalho de mais de 450 parlamentares que votaram pela aprovação e derrubada do veto. Cria insegurança jurídica, porque, ao contratar, não sabe como vai recolher. É o que já está acontecendo agora. As empresas, no nosso caso, que são aves, suínas e ovos, vão ter, inclusive, um repasse desse valor acrescido no custo da reoneração para os produtos dos nossos consumidores finais”, lamenta.
Histórico da medida
A prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia até 2027 foi aprovada pelo Legislativo em outubro do ano passado, mas foi vetada integralmente pelo presidente Lula menos de um mês depois. Em dezembro, o Congresso derrubou o veto de Lula, com votos de 60 senadores (contra 13) e 378 deputados (versus 78).
O ato do presidente contrariou 84% dos deputados (430 dos 513 votaram a favor do texto) e a maioria dos senadores — no Senado, a proposta passou com facilidade, aprovada em votação simbólica, que acontece quando há consenso entre os parlamentares.
As entidades representantes dos 17 setores desonerados, dos trabalhadores e de organizações da sociedade civil fizeram coro pela derrubada do veto do presidente. Essas instituições estimam que ao menos 1 milhão de vagas sejam perdidas sem a desoneração.