Juristas e entidades divergem de Zanin e afirmam que desoneração é constitucional
Sem ouvir setores econômicos, ministro do STF atendeu ao governo e suspendeu regime fiscal nesta quinta-feira
Brasília|Ana Isabel Mansur e Emerson Fonseca Fraga, do R7, em Brasília
A desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia e de municípios com até 156 mil habitantes, tema de embates entre o Executivo e o Congresso Nacional, é constitucional, defendem especialistas em direito, líderes de partidos no Legislativo e representantes de setores econômicos consultados pelo R7. Nesta quinta-feira (25), sem ouvir os setores econômicos envolvidos nem o Congresso Nacional, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Cristiano Zanin suspendeu, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a lei que prorroga até 2027 o regime fiscal para os 17 setores que, juntos, mais empregam no Brasil.
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O Planalto calcula que a União pode perder R$ 10 bilhões por ano em arrecadação, caso a medida siga em vigor. Segundo a AGU (Advocacia-Geral da União), a desoneração foi prorrogada pelo Congresso até 2027 sem detalhar o impacto financeiro da renúncia fiscal.
A advogada constitucionalista Vera Chemim, além de defender a validade do tema, destaca que a iniciativa garante estabilidade jurídica. “Trata-se de um tema aprovado pelo Congresso Nacional, competente constitucionalmente para legislar sobre a matéria, depois de ter passado pela Comissão de Constituição e Justiça de cada uma das Casas legislativas, as quais deliberaram sobre a constitucionalidade da desoneração para determinados setores da economia, como o meio mais adequado, dada a atual conjuntura, de tentar manter a estabilidade e, ao mesmo tempo, promover o crescimento econômico do país”, explica a jurista, que é mestre em administração pública pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).
A desoneração da folha de pagamento se reveste de constitucionalidade, uma vez que aquela desoneração se justifica pelo fato inequívoco de que um dos objetivos de política macroeconômica é promover a estabilidade econômica, cujas metas inerentes correspondem à manutenção do emprego e da renda em determinados setores da economia que se encontram mais fragilizados e necessitam de algum suporte do Estado.
Vera argumenta que a justificativa do governo de perda de receita não tem amparo. “A administração das contas públicas é responsabilidade do Poder Executivo. A diminuição de custos para os setores beneficiados será determinante para a manutenção do emprego e da renda e, por consequência, pelo aumento de consumo, variáveis-chave para o equilíbrio do sistema econômico no curto prazo, e do crescimento econômico, o qual deverá proporcionar o almejado aumento de arrecadação fiscal para o governo no médio prazo”, completa.
A mesma linha é seguida pelo também advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior, mestre em direito constitucional pela USP (Universidade de São Paulo). “A extensão da desoneração da folha de pagamento está em conformidade com a Constituição e não viola os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Pelo contrário, representa uma ação equilibrada do Estado para impulsionar a economia em setores essenciais sem comprometer o financiamento da seguridade social. Essa continuidade é fundamental para garantir a estabilidade econômica e a segurança jurídica necessárias para o planejamento empresarial”, defende.
O advogado tributarista André Felix Ricotta de Oliveira explica que não é a primeira vez que a desoneração é levada à Justiça. “O governo anterior já tinha entrado com uma ação direta de inconstitucionalidade, basicamente, com os mesmos argumentos. O relator foi o então ministro do STF Ricardo Lewandowski, que não acolheu os argumentos, dizendo que o impacto de suspender a prorrogação da desoneração da folha de salário ia ser muito mais traumático para a economia do que qualquer preceito constitucional”, relembra Ricotta.
Para Caio Taniguchi, advogado previdenciarista, “na própria ação, promovida pela AGU, existe uma indicação do potencial impacto financeiro de R$ 10 bilhões. Ou seja, se existe conhecimento do valor financeiro envolvido nessa renúncia, e causa estranheza a alegação de que, de alguma forma, a lei que aprova a prorrogação da desoneração seria inconstitucional porque não teria dado clareza quanto ao impacto financeiro envolvido nesse tema”.
Segundo o advogado tributarista Igor Mauler Santiago, a lei é, sim, constitucional. “O governo, nessa ação, diz que se trata de um benefício fiscal prorrogado sem estudo do impacto econômico. Acho que essa apreciação é equivocada. Não é um benefício fiscal. A Constituição dava ao legislador uma opção: ou você tributa a folha, ou você tributa a receita”, argumenta. “Então o legislador optou livremente.”
A presidente da Feninfra (Federação de Manutenção da Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática), Vivien Suruagy, diz que, “no mínimo, isso é uma falta de sensibilidade com as empresas”. “Onde é que está o respeito ao Congresso e, principalmente, aos trabalhadores? Estamos sendo forçados, infelizmente, a promover demissões e parada de investimentos. Há uma perda de credibilidade muito grande com o nosso país”, afirma.
Entenda
A prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia até 2027 foi aprovada pelo Legislativo em outubro do ano passado, mas foi vetada integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva menos de um mês depois. Em dezembro, o Congresso derrubou o veto de Lula, com votos de 60 senadores (contra 13) e 378 deputados (versus 78).
O ato do presidente contrariou 84% dos deputados (430 dos 513 votaram a favor do texto) e a maioria dos senadores — no Senado, a proposta passou com facilidade, aprovada em votação simbólica, que acontece quando há consenso entre os parlamentares.
As entidades representantes dos 17 setores desonerados, dos trabalhadores e de organizações da sociedade civil fizeram coro pela derrubada do veto do presidente. Essas instituições estimam que ao menos 1 milhão de vagas sejam perdidas sem a desoneração.
No início deste mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tinha adiantado que a AGU judicializaria a questão. Dias antes, o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), excluiu a reoneração da folha de pagamento dos municípios brasileiros, que foi instituída pela Medida Provisória 1.202/2023. A decisão foi tomada quando o parlamentar prorrogou por mais 60 dias os efeitos do texto.
Editada no fim do ano passado, a medida originalmente pretendia reonerar a folha de pagamento de 17 setores econômicos, dos municípios com até 156 mil habitantes e também acabar com os incentivos tributários do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos). O governo defendeu que a medida era necessária para cumprir a meta de déficit fiscal zero prevista para 2024.
A edição dessa MP gerou atritos com o Legislativo, já que o Congresso Nacional havia derrubado o veto presidencial que barrou a desoneração desses impostos dos municípios e dos 17 setores econômicos poucos dias antes. Após negociações com os parlamentares, o governo recuou e editou uma nova MP, excluindo a reoneração às empresas, mas mantendo a dos municípios e as mudanças no Perse.
De acordo com Pacheco, pela regra da noventena — prazo de 90 dias para que uma lei de alteração de tributos passe a ter efeito — as prefeituras passariam a sofrer os efeitos da reoneração de impostos em 2 de abril. Em vez dos atuais 8% de alíquota de contribuição previdenciária sobre as folhas de pagamentos, passariam a arcar com 20% de alíquota.